sexta-feira, 29 de abril de 2011

E se fosse aqui?


            O caso Realengo/RJ, que resultou na morte de 12 estudantes da Escola Municipal Tasso da Silveira, ocorrido há dez dias, suscita algumas questões que devem ser debatidas por todos nós, pois afinal não estamos imunes ao mesmo acontecimento.
            Quanto a Wellington Menezes de Oliveira, o rapaz que atirou contra os estudantes, já foi falado quase tudo, principalmente que se tratava de um doente mental, que sofria do transtorno da personalidade esquizotípica, nome correto desta enfermidade segundo o DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4ª edição, 2000).
            Na opinião do psicanalista Renato Mezan, os fatores que motivaram o jovem Wellington foram: os “desejos incestuosos” que nutria pela mãe, morta há dois anos, e os “sentimentos pecaminosos”, graças à identificação religiosa que mantinha com o seu pai, morto há cinco anos. “Wellington procurou eliminar o que não conseguia mais suportar em si mesmo” (O Estado de São Paulo, 10.04.11, J6).
Ainda segundo o professor titular da PUC-RJ, Wellington era mantido preso a um comportamento pacato, tímido e recluso do convívio social devido ao que ele chama de “medo do superego”, isto é, do “censor interno”. Conforme a psicanálise, a principal função do superego é fornecer elementos para a existência de uma consciência moral, para a formação de ideais e facilitar a auto-observação, e é internalizado graças à convivência com as exigências e interdições dos pais, ou daqueles que ocuparem o seu lugar (LAPLANCHE, J. Vocabulário da Psicanálise. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, p. 497).
Justamente devido ao horror a que fomos submetidos pelo ocorrido, é preciso levar em consideração a possibilidade de que o mesmo possa acontecer em nossa cidade. Não porque existam muitas pessoas que sofrem do mesmo transtorno mental em nossas escolas públicas e particulares, e convivem com as nossas famílias, frequentando os mesmos lugares, desde os salões de festas ou os de beleza, hospitais, instituições bancárias, ou templos religiosos; não importa o extrato social a que pertençam, estas pessoas têm direito ao convívio social, até mesmo para que o tratamento terapêutico seja bem sucedido, mas também, para que aqueles que se consideram “normais”, assimilem a consciência de que podem cometer a mesma violência, que tão sofrida e sutilmente tentam manter sob controle.
A preocupação se justifica não no sentido de se evitar outra chacina, mas porque caso aconteça, providências sejam imediatamente tomadas, à altura da tragédia.
Contudo, se formos verdadeiramente inteligentes, é possível prevenir-nos e, caso aconteça algo parecido, as escolas estejam devidamente preparadas, e contem com psicólogos capacitados pelas próprias experiências, sem o risco de incumbir pessoas despreparadas para tão aflitiva tarefa.
Não, não é um ideal, mas algo que está ao alcance daqueles que dizem ter vontade política para implantar esta ação em benefício dos alunos de todas as escolas e de seus familiares.
Além de trazer uma importante contribuição à saúde pública, não é possível imaginar os benefícios que traria à formação educacional, ética, política da nossa população? Qual dos nossos representantes políticos pode assumir este compromisso?

Marília: cidade solidária?


            O monumento a ser levantado em homenagem a Antonio Pereira da Silva e a José Pereira da Silva, fundadores de Marília, fala de nós mesmos, da capacidade que a cidade tem de despertar sentimentos que nos garantam viver com sentido as oportunidades que se nos apresentam no tempo presente, e as que virão pela frente. Uma delas é expressa nas palavras de João de Almeida, membro da Comissão de Registros Históricos do Município: “Temos de unir a cidade” (Jornal da Manhã, 27/03/11, p. 3).
            Trata-se não apenas de um logradouro histórico, mas uma manifestação sensorial da nossa alma. O contato com ele deve estimular o nosso olhar para aquilo que somos como povo e sentirmos se ainda estamos comprometidos com o espírito seminal mariliense, a saber: trabalhar a terra e manter o vínculo com o Sagrado.
Se assim o fizermos seremos menos anoréxicos de solidariedade, menos paranóicos em nossos delírios de grandeza, menos maníacos por desenvolvimento, e menos angustiados quanto ao lucro e às riquezas, quando priorizados.
O monumento recompõe a visão de continuidade histórica, social, cultural, religiosa e emocional; corrige a miopia da urgência do imediatismo pragmático e líquido da vida pós-moderna, conceitos demarcados como perigosos pelo sociólogo polonês Zygmunt Baumann (1925-), e sintomas da condição neurótica em que nos encontramos, tão presentes quando se trata da relação com o próximo, alguns considerados como responsáveis pelo fim da “tranquilidade” da cidade, como querem nos fazer crer quanto aos moradores de rua, por exemplo.
Para o Secretário Municipal da Assistência Social, Clóvis Augusto de Melo, os moradores de rua “precisam de tratamento” (Jornal da Manhã, 6/04/11, p.4). É verdade. Para que não aconteça aquilo que o escritor italiano Itálo Calvino (1923-1985), tão precisamente alertou: “O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço” (Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990).
De 1928 ou 1929 para cá, as transformações pelas quais esta região passou, graças à intervenção humana, também provocaram alterações na psique dos seus moradores. Não estamos aqui para sobreviver ao mal-estar que a desmemorização urbana provoca com a derrubada de construções antigas, mas para dar sentido à nossa presença no mundo.
É preciso resgatar o olhar da alma para a cidade, deixando para trás o olhar individualista, utilitarista, exclusivista e egocêntrico, tão próprios de políticos, policiais, empresários e religiosos oportunistas sem compaixão pelo povo que habita a cidade, como propõe a psicóloga Gelse Yuri Kakumoto (2005) em: Confissões Urbanas: cultivo da alma da cidade (www.symbolon.com.br/monografias2.htm).
“Aqui ninguém passa fome, o clima é bom e a população é educada, trata bem da gente. Tem respeito”, afirmou José Amorim, um dos moradores de rua de Marília (Jornal da Manhã, 6/04/11, p.4).
Qualquer outro entendimento sobre a vida urbana não deveria nos envergonhar?

Mais uma oportunidade para Marília


            No último domingo (27/03), o Jornal da Manhã noticiou que a Comissão de Registros Históricos de Marília prepara uma reparação a “dois dos maiores benfeitores da cidade” – Antonio Pereira da Silva e José Pereira da Silva, pai e filho. A homenagem se dará com a construção de dois monumentos a serem erguidos em frente ao Paço Municipal, na Praça Saturnino de Brito. Segundo João de Almeida, membro da referida comissão: “É uma homenagem justa. Temos de unir a cidade, que cresceu por vontade não apenas do Bento de Abreu como também do Pereira e do Pereirinha”.
            “Temos de unir a cidade”. Portanto, mais do que uma homenagem, a cidade está tendo uma oportunidade de resgatar um aspecto da sua identidade enquanto ajuntamento humano que habita a Serra de Agudos, presente desde seus fundadores.
            Os monumentos, desde a antiguidade, são manifestações simbólicas do estado de alma de um povo. Estética, arquitetônica e psicologicamente, simbolizam o diálogo que precisa haver com o lugar onde vive, à semelhança dos montes de pedras levantados em memória dos entes queridos, no passado.
Para um monumento não ser apenas uma peça ornamental, mas que o seu mais importante propósito seja cumprido, a saber, a função simbólica, é preciso evocar nas pessoas que o veem uma parte dos mesmos sentimentos expressados na imagem que representa. Mais do que pontos turísticos, os monumentos precisam ter um significado, assim como a Estátua da Liberdade em Nova Iorque, ou o Coliseu em Roma.
            Sendo assim, os monumentos aos Pereira devem evocar, além do espírito empreendedor, a relação com o Sagrado manifestada com a construção de uma simples capela, junto ao Patrimônio do Alto Cafezal. É preciso sentir que, como eles, somos seres movidos por impulsos que vão além do suprimento das necessidades materiais.
Esta iniciativa da Comissão de Registros Históricos promove um processo que precisa ser vivenciado por cada um de nós, pois os nossos fundadores propõem dimensões subjetivas importantes no processo civilizatório; o valor mítico pode ser vivenciado na vida urbana, ainda que passado quase um século.
A manifestação do Sagrado, hoje representada tão diversificadamente, ainda tem seu lugar, especialmente num momento em que a cidade se desfaz de sua memória derrubando edificações de madeira, tendendo à homogeneização com outras cidades, alterando para sempre o espaço memorial da urbe, e ameaçando nossa identidade enquanto povo, tornando nossas ruas anoréxicas devido à violência, maníacas devido ao trânsito a cada dia mais difícil, paranoicas devido ao delírio de grandeza que sugere a alguns de seus habitantes, e neurótica devido à inóspita, apática e agressora relação humana, como indicam os carros de som com seus anúncios comerciais, ou fogos que explodem a qualquer hora do dia ou da noite por exemplo, tornando as ruas um lugar de desabrigo e perturbação, que afugenta a imaginação e a concentração espiritual. Uma cidade desmemoriada não sobrevive, pois como permanecerá sem os alicerces estruturais que mereciam ser preservados para futuras gerações?
            Conforme o psicólogo pós-junguiano James Hilman (1926-): “Restauramos a alma quando restauramos a cidade em nossos corações individuais, a coragem, a imaginação e o amor que trazemos para a civilização” (Cidade e Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993).

Carregando os sonhos


           Você sabia que uma pessoa com 60 anos de idade já dormiu 20 anos da sua vida, e destes, 05 anos inteiros ela sonhou? Isto é mais do que qualquer atividade intensa que alguém possa experimentar, e que a natureza nos dá de presente. Esta é uma das principais razões por que os sonhos não podem ser descartados, mas antes, carregados, ou seja, trabalhados.
            Para cumprir este exercício psicológico, é preciso levar em conta que os sonhos expressam algo que existe dentro de nós, a nível inconsciente.
Tudo com o que sonhamos são partes de nós mesmos, que se nos apresentam como símbolos, e do funcionamento do nosso mundo interno.
Em cada um de nós existem vários “eus”, que funcionam de modo diferente do que sabemos a nosso respeito, conscientemente. Por isso podemos afirmar: sonhamos com nós mesmos. As pessoas, lugares, objetos e situações que vemos nas imagens oníricas são partes de nós que precisam ser conhecidas, caso queiramos viver a vida para a qual fomos criados, mas que de alguma forma foi reprimida ou renegada, quer pela educação familiar, escolar, cultural, social e/ou religiosa.
Para o autor dos famosos livros He, She e We, Robert A. Johson (1921-) estas imagens são: “Componentes psicológicos autônomos: cada um tem sua própria consciência, seus próprios valores, desejos e pontos de vista. Cada um nos leva a uma direção diferente; cada um tem uma força ou qualidade diferente para contribuir em nossa vida; cada um tem seu próprio papel em nossa personalidade total” (A chave do reino interior. São Paulo: Mercuryo, 1989, p. 57).
Precisamos trabalhar os sonhos, pois necessitamos conhecer as várias possibilidades diferentes de sermos nós mesmos. Não somos únicos; somos constituídos de uma grande diversidade muito forte e poderosa. “Parte de mim vive na mente consciente, e parte de mim – o caráter complementar que compõe o todo – está escondida no inconsciente” (A chave do reino interior. p. 59).
Trabalhar os sonhos é mais do que simplesmente relatá-los; implica em experimentá-los, isto é, perceber-se dentro deles, resgatar as emoções sentidas enquanto eram vivenciados. Este, talvez, seja o principal motivo pelo qual os consideramos estranhos à vida diurna, simplesmente porque reprimimos qualquer sentimento próprio a que eles querem nos ligar. Preferimos nos ligar aos sentimentos externos, por resistir às transformações que nos exigem, apesar de sentirmos esta necessidade.
Estabeleça o hábito de tomar nota dos sonhos. Mantenha próximo à cama um caderno, caneta ou lápis, e anote-os, evitando assim que se percam na escuridão da noite do esquecimento. Estas anotações podem ser revistas a qualquer hora, e você vai perceber que alguns temas oníricos se repetem, demarcando a sua importância e necessário trabalho a ser empreendido pessoalmente, ou com algum profissional. Aos poucos os sonhos deixarão de serem considerados bobos, ou pertencentes a um território impenetrável, mas principalmente, você estará mais perto de quem você é.
Robert Bosnak, analista junguiano holandês, recomenda que relatemos os sonhos pelo menos duas vezes, e para outras pessoas, pois pode ser que alguém nos ajude a prestar atenção em alguma imagem que nos pareça irrelevante, mas que tem um importante significado simbólico (Breve curso sobre sonhos. São Paulo: Paulus, 1994).

Não tem sonho bobo


            Estudos indicam que o sono REM (Movimentos Rápidos dos Olhos, em inglês), se inicia mais ou menos 80 minutos depois do adormecimento, com duração de 2 a 10 minutos, e se repete de 3 a 6 vezes, o que corresponde ao número de sonhos que temos por noite. Em 1953, o fisiologista e psicólogo norte-americano Nathaniel Kleitman (1895-1999) foi o primeiro a registrar as alterações fisiológicas que se sucedem durante o sono (BERAGANTIM, R. F. C.; GUERRA, M. e FORTUNATO, J. S. Sono REM e Ontogênese. Revista Portuguesa de Psicossomática. Vol. 5, Ano 002. Porto, Portugal, 2003, pp. 127-128). Os estudos nesta área, através de eletroencafalografias realizadas em clínicas especializadas, têm ajudado a compreender o sofrimento mental por que passam depressivos, ansiosos, esquizofrênicos, entre outros.
            Quando o assunto é a interpretação dos sonhos, a diversidade e a divergência são significativas entre as diferentes escolas do pensamento psicológico; isto não se deve às aparentes contradições, mas porque os sonhadores são diferentes uns dos outros.
A interpretação dos sonhos foi uma das razões por que S. Freud (1856-1939) e C. G. Jung (1875-1961) se afastaram, depois de quase 7 anos (1906-1913) de amizade, viagens e estudos. Para Freud, o sonho expressa desejos inconfessáveis pelo paciente, enquanto que para Jung é “um autorretrato espontâneo, em forma simbólica, da real situação no inconsciente” (A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 201).
Os dois pensadores, porém, têm em comum que nenhum sonho é insignificante, sentimento que geralmente acomete muitas pessoas. Quando comentam algum sonho, é comum se ouvir: “Tive um sonho bobo”. Contudo, deveriam considerar as suas próprias limitações para o seu entendimento, e não as do sonho.
Todo sonho merece ser analisado, pois seu conteúdo sempre está ligado a algo de que o sonhador está precisando para viver melhor, porque segundo Wolf: “o sonho compensa as deficiências da personalidade, ao mesmo tempo que a previne dos perigos de seus rumos atuais” (WOLFF, J. R. Sonho e loucura. São Paulo: Ática, 1985, p. 26). Este é o objetivo mais importante na análise de sonhos, e não a ampliação de um conhecimento cognitivo, por mais interessante e curioso que possa parecer.
Na perspectiva de Jung, a significação dos sonhos não é fixa, quer dizer: uma imagem onírica pode ter vários significados, inclusive para a mesma pessoa; e isto nos ajuda a não aceitar textos espalhados em livros e/ou em endereços eletrônicos que nos apresentam interpretações prontas.
Para uma apropriada compreensão dos sonhos, deve-se levar em conta entre muitos, estes fatores: o contexto de vida a que o sonhador está submetido, e quais caminhos eles apontam para que cumpra o seu destino como pessoa. Para Freud: “Todo sonho se revela como uma estrutura psíquica que tem um sentido e pode ser inserida num ponto designável nas atividades mentais da vida de vigília” (A interpretação dos sonhos. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2010, p. 09).
Muitas vezes nos encontramos em situações para as quais não encontramos saídas viáveis, e ficamos como que encalhados, sem saber dar o rumo mais adequado para elas. Se você se encontra nesta situação, pode ter certeza que os seus sonhos estão indicando o que pode ser feito. Carregue-os dentro de você, e logo sentirá que a vida tomará um bom caminho.