segunda-feira, 30 de maio de 2011

Medo (III)

            O medo pode assumir algumas dimensões em nossas vidas.
            Para a doutora em filosofia e psicóloga junguiana Vera Kast (1943-), se eu desejo muito possuir uma coisa, posso desenvolver o medo de perdê-la, caso venha a possuí-la, como também, posso passar a me sentir incapacitado para qualquer outro objetivo na vida. Kast acredita que a vontade de ter e a vontade de poder “podem ser vistas como uma defesa contra a transitoriedade”, inerente à vida e às coisas que tanto quero (A ansiedade. São Paulo: Paulus, 2006, p. 31).
            Sem a noção de que a vida é transitória e tudo que venha a possuir também é não-permanente, me agarro ao que tenho, desejando possuir outras, somente para abafar o sentimento de finitude da minha própria vida e das coisas que, porventura, tanto quero. Sem a noção do lado efêmero da vida, é quase inexistente a noção de perigo, ou pelo menos esta fica bastante limitada. Agindo dessa maneira, me fecho às novidades, apesar de querer tanto possuir as coisas; e, toda vez que me lanço a alcançá-las, fico vulnerável a situações de risco, simplesmente por falta de modéstia e total ingenuidade. E isto limita a capacidade de enxergar outras possibilidades para um problema, impedindo assim a criatividade, incapacitando-me para novas experiências, que podem me levar a uma vida mais madura.
            Além disso, se esta emoção for analisada por outra dimensão, conforme Cláudio Cardoso de Paiva, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o medo pode ser “desarmado por meio da astúcia, humor, ironia, sagacidade”, e não através de uma atitude corajosa ou valente, conforme o pensamento dominante (Muito além do jardim do bem e do mal: um ensaio sobre o medo, a mídia e a cidade - http://www.bocc.ubi.pt/pag/paiva-claudio-medo-midia-cidade.pdf).
            A valentia é mais apropriada para se possuir o que se deseja. Para amenizar o medo, Kast opina ser necessário compartilhar com o maior número de pessoas possível, do que manter sob o manto da solidão silenciosa, na tentativa de se proteger. Ao dividir com outras pessoas, é possível se sentir mais aliviado, pois se está aberto para ajuda que se pode receber, ainda que a ajuda propriamente dita não se concretize; enquanto isso, se ganha tempo para enfrentar mais fortalecido a sensação de fracasso que às vezes se avizinha. É acolher a vida, e não rejeitá-la, e deixar-se ser conduzido para uma situação aparentemente nova, que na verdade, se encontra num nível mais profundo, segundo o psiquiatra suíço Heinrich Karl Fierz (1912-1974), em seu “Psiquiatria junguiana” (São Paulo: Paulus, 1997).
Nestas ocasiões, é bom aproveitar para “reunir suas próprias possibilidades e trabalhar consigo mesmo” (Kast, p. 99), pois o medo também se impõe como mais uma oportunidade para desenvolver-se como pessoa, e não apenas sair da situação em que se encontra. Volte-se para os sonhos, para alguma ideia que apareça, mesmo que a considere desprezível, pois nela pode estar a saída do drama vivido. De onde menos se espera pode vir a segurança tão buscada como afirma Eva Broch Perrakos: “No sentimento de medo está a sua segurança”, em seu poema “No Sentimento” citado por Barbara Ann Brennan, em seu livro "Luz Emergente" (São Paulo: Cultrix/Pensamento, 2006, p. 231).

domingo, 22 de maio de 2011

Campanha Nacional de Doação de Órgãos

Salvar vidas por meio da palavra. Isso é possível.

Participe da Campanha Nacional de Doação de Órgãos. Divulgue a importância do ato de doar. Para ser doador de órgãos, basta conversar com sua família e deixar clara a sua vontade. Não é preciso deixar nada por escrito, em nenhum documento.

Acesse http://doe.vc/mq e saiba mais.

Para obter material de divulgação, entre em contato com comunicacao@saude.gov.br

Atenciosamente,

Ministério da Saúde
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18 de Maio - Dia da Luta Antimanicomial

(do colega Fabrício - Psicologia Junguiana no Espírito Santo - referências no final)
No Brasil, o dia 18 de maio é comemorado o dia da luta antimanicomial, um dia onde profissionais da área de saúde mental, estudantes, pacientes e familiares promovem  discussões e manifestações buscando promover  a valorização da vida, cidadania, dignidade e respeito aos portadores de transtornos mentais; e combater o modelo de internação psiquiátrica que promove a segregação e estigmatização dos pacientes, que ainda persiste em nosso país.

Frente a importância e a mobilização deste dia 18 de maio, eu acredito ser importante relembrar e prestar uma homenagem a uma importante personagem da luta pela vida e dignidade dos pacientes psiquiátricos que foi a  Dra.Nise da Silveira.

Duas palavras nos ajudam a caracterizar seu trabalho  : Amor e Pioneirismo.  O amor foi a tônica de sua vida, facilmente percebido pela dedicação aos pacientes, que a levou a um pioneirismo sem precedentes em nosso país. Mais de 50 anos antes do “Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental” em 18 de maio de 1987 (marco da luta antimanicomial no Brasil), e cerca de 20 anos antes do inicio do trabalho de Franco Baságlia, a dra.Nise da Silveira iniciou seu caminho na luta pela dignidade e cidadania dos pacientes psiquiátricos.

uma lição de vida

Nise da Silveira nasceu em 15 de fevereiro de 1905, em Maceió, Alagoas. Seu pai, Faustino Magalhães Silveira, era professor e jornalista, sua infância foi marca pela presença de artistas e intelectuais em sua casa.

Aos 15 anos, em 1920,  Nise da Silveira ingressou na Faculdade de Medicina em Salvador, Segundo Motta(2005), ela era a única mulher numa turma de 157 homens além de ser a mais nova. Arquivo Nise da Silveira

Após a morte do pai em 1927, Nise da Silveira mudou-se para o Rio de Janeiro, onde teve contato com pessoas importantes de nossa história, como Manuel Bandeira, e ingressou no partido comunista brasileiro.

Em 1933 iniciou sua carreira como psiquiatra no Hospital Pedro II. Em março de 1936, Nise da Silveira não era mais filiada ao partido comunista, mas, seu envolvimento com a ideologia socialista, presente em textos que se encontravam em seu quarto fez com que uma enfermeira do hospital a denunciasse.

Nise passou um ano e meio na prisão. Ficou presa com prisioneiras politicas como Olga Benário Prestes, Maria Werneck e Beatriz Bandeira. Apesar de não ter sido torturada, muitas de suas companheiras de prisão foram. Nise viveu o horror da prisão.

Em 1937, Nise foi libertada, temendo ser presa novamente, fugiu do Rio, passando pela Bahia, Pernambuco, Alagoas, e por fim Manaus, onde foi se encontrar com seu companheiro Mario Magalhães.

Somente em 1944, que Nise da Silveira pode voltar ao Rio e retomar o seu trabalho, “Nise foi readmitida no serviço público em abril de 1944 no Hospital Pedro II, do antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no Engenho de Dentro”(MOTTA, 2005, p. 65)

Nesse período, além das experiências na prisão, outro fato marcou sua trajetória. Nise tomou conhecimento de um fato ocorrido após sua prisão.

     Quando Nise trabalhava no Hospício Pedro II, na Praia Vermelha, ela recebia todas as manhãs uma paciente, chamada Luíza, que vinha lhe servir o café. Nise tinha muita dificuldade para entender o que era dito por aquela que a servia, devido ao quadro de esquizofrenia, caracterizado pela indiferença e embotamento afetivo, segundo os manuais da psiquiatria descritiva. Luíza ao saber da prisão da doutora para quem levava café todas as manhãs, deu uma surra na enfermeira que havia feito a denúncia contra Nise, demonstrando  sua capacidade de discernimento e manifestação de afeto, que contrariavam a nosologia  psiquiátrica tradicional. “Assim aprendi outra lição, que desmentia o que afirmavam os livros de psiquiatria
    sobre os doentes mentais…os esquizofrênicos eram indiferentes e sem afeto…Eu não entendia nada do que ela falava, mas ela estava entendendo o que se passava” disse Nise sobre esse episódio(MOTTA, 2005, p.64)



Ao retomar seu trabalho, Nise descobriu que havia “novidades” no campo da psiquiatria. Motta nos relata que,

    Em depoimento a este autor Nise conta que, durante seu afastamento do serviço público,

    algumas coisas tinham se modificado e nesse meio tempo surgiu o que se dizia como a grande descoberta no tratamento para doenças mentais, o eletrochoque. Prontamente o doutor a quem eu acompanhava em visita ao hospital disse, com muita disposição, que iria me ensinar a grande novidade. Chamou um paciente e, dizendo que eu aprenderia com facilidade aquela  simples e revolucionária operação, acionou o aparelho. Eu não havia sido torturada nos meus tempos de cárcere, mas pude ouvir os gritos de sofrimento de vários companheiros. O médico chamou então outro paciente e disse para mim:
    - Viu Nise como é fácil! É só apertar o botão.
    Eu havia visto o sofrimento do paciente na primeira demonstração. Olhei para o psiquiatra e disse que não faria aquilo. Ele ainda tentou me convencer das maravilhas daquela engenhoca, mas firmemente eu recusei. (Motta, 1995)
    Nise chegou a fazer uso de um dos novos recursos da psiquiatria, quando aplicou um choque de insulina em uma  paciente e relata  que “a mulher não acordava. Aflita, apliquei-lhe soro glicosado na veia e nada da mulher acordar. Tentei de novo, até que consegui. Aí disse – Nunca mais.”(…) (MOTTA, 2005, p. 66-7)

    

Contraria as práticas que estavam se popularizando na psiquiatria, Nise da Silveira foi conversar com o diretor do hospital, Paulo Ejalde, que propôs  o Serviço de Terapêutica Ocupacional para Nise, Segundo ela,

    “Aceitei a indicação do doutor Elejalde, mas antes que ele saísse, interrompendo no ar o seu movimento de meia volta, disse-lhe com o dedo em riste e um brilho maroto  nos  olhos:  -    Eu  irei  para o Setor de Terapêutica Ocupacional mas…ele vai mudar!” (Motta, 1995).

Sob a orientação de Nise, iniciaram as primeiras oficinas de bordado e costura. Em 1946, iniciaram as oficinas de pintura e desenho, e, já em 1947, ocorreu a primeira exposição dos artistas internos de Engenho de Dentro. A segunda exposição veio a ocorrer em 1949, com trabalhos slecionados por Leon Degand, diretor do Museu arte moderna de são paulo.

No incio dos anos 50, Nise da Silveira fundou o “Museu Imagens do Inconsciente” para poder reunir o trabalho dos pacientes e poder estuda-los.  Seu  trabalho e suas pesquisas a aproximam da obra de C.G.Jung, em especial do livro “Psicologia e Alquimia”, que fora publicado em 1943. Comparando as mandalas reproduzidas no livro  com as mandalas produzidas pelos pacientes. Nise da Silveira optou por enviar uma carta, em 1954, a Jung, com fotos das produções dos pacientes. Jung respondeu a carta, muito interessado e perguntava informações sobre os autores. Em 1956, Nise da Silveira buscou informações sobre a possibilidade de participar de cursos em Zurique, recebeu a seguinte mensagem:

    Senhores, O professor C.G. Jung convida a doutora Nise da Silveira a fazer parte, no semestre de verão  de 1957, do Instituto C.G. Jung de Zurique. Os cursos, os seminários e o contato com meus colaboradores serão de grande importância para  a preparação da exposição de arte psicopatológica, que deverá ser organizada em ocasião do Congresso Internacional de psiquiatria que se realizará em Zurique no ano de 1957. Eu ficaria contente se através da visita da doutora Nise da Silveira, o contato entre os profissionais do Brasil e da Suíça pudesse se aprofundar. Certamente esse encontro será importante par ao futuro da psicologia e da psiquiatria. (em MELLO apud MOTTA  2005, p. 72).

Assim, Nise da Silveira iniciou seu percurso com pioneira da psicologia analítica no Brasil. A partir de seu grupo de estudo, a psicologia analítica começou a se desenvolver no Brasil.

Em 1968, Nise da Silveira publicou seu primeiro livro “Jung: vida e obra” um marco na história da psicologia analítica brasileira, sendo considerado até nossos dias uma das melhores introduções ao pensamento junguiano.

Motta nos conta que o cuidado de Nise da Silveira era tamanho com as atividades do museu imagens do inconsciente, que

    Aos 70 anos, em 1975, Nise teve a  sua aposentadoria compulsória no serviço público. Apesar da  idade mantinha o espírito alerta de modo que, no dia seguinte, apareceu no Museu apresentando-se como a mais  nova estagiária. Receosa com as ameaças que o acervo do Museu vinha sofrendo, organizou a Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, que em sua primeira iniciativa apoiou o evento do centenário do nascimento de Jung, que foi
    amplamente comemorado no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Belo Horizonte. O nome  de  Nise  da  Silveira  já  estava  consagrado como a principal divulgadora da psicologia analítica no Brasil (MOTTA, 2005, p. 74)

Nise da Silveria viria a produzir intensamente em suas ultima décadas. Publicando os livros :

Jung Vida e Obra – 1968

Terapêutica Ocupacional – Teoria e Prática, 1979

Os Cavalos de Octávio Ignácio (Organização), 1980 –

Coleção Museus Brasileiros Vol. 2 – Museu de Imagens do Inconsciente, 1980

Imagens do Inconsciente, 1981

Casa das Palmeiras: A emoção de lidar Coordenação e prefácio de uma experiência em psiquiatria, 1986.

A Farra do Boi, 1989

Artaud – a nostalgia do mais, 1989

Cartas a Spinoza, 1990

O Mundo das Imagens, 1992

Gatos: A Emoção de Lidar, 1998

Vários foram os prêmios e homenagens que Nise da Silveira recebeu ao longo de sua trajetória, Motta enumerou esse reconhecimento,

    Em 1971 recebe o troféu Golfinho de Ouro do Museu da Imagem e do Som do Estado da Guanabara.

    Figura entre as 10 (dez) mulheres do ano em 1973,escolhidas pelo Conselho Nacional de Mulheres do Brasil.

    Recebe homenagem do Conselho Regional de Medicina como representante da área de psiquiatria em 19.12.74.

    Recebe o Prêmio Personalidade Global Feminina correspondente ao ano de 1974, conferido pelo jornal O GLOBO e REDE GLOBO DE TELEVISÃO.

    Em 1975 recebe a medalha do Estado da Guanabara, conferida pelo Governador Chagas Freitas, por serviços prestados à cidade-estado da Guanabara.

    1981, Medalha de Mérito Oswaldo Cruz, na Categoria Ouro, concedida pelo Presidente da República João Batista de Figueiredo e Ministro da Saúde Waldir Mendes Arcoverde. Decreto de 14 de abril de 1981.

    Comenda Desembargador Mário Guimarães, outorgada pela Assembléia Legislativa do Estado de Alagoas em 1983.

    "Benemérito do Estado do Rio de Janeiro", título concedido pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro – 1984.

    Ordem do Mérito dos Palmares no grau de Comendador, outorgado pelo Governador do Estado de Alagoas, Grão-Mestre daquela Ordem. – 1985.

    Comenda Desembargador Mário Guimarães, concedida pela Câmara Municipal de Maceió – 1987.

    Condecorada com a Ordem do Rio Branco no Grau de Oficial, pelo Ministério das Relações Exteriores, em 13 de maio de 1987.139

    Homenagem especial da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, em comemoração ao Dia do Médico – 16 de outubro de 1987

    Título de Professor "Honoris Causa", da Escola de Ciências Médicas de Alagoas – 4 de março de 1988

    Título de Professor "Honoris Causa" pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em abril de 1988.

    Medalha do Mérito da Fundação Joaquim Nabuco de Recife (PE) em 1989.

    Sócia Honorária da Sociedade de Medicina de Alagoas, em 1989

    Medalha Peregrino Júnior da União Brasileira de Escritores em 1992.

    Prêmio Personalidade do Ano de 1992, da Associação Brasileira de Críticos de Arte.

    Medalha Chico Mendes outorgada pelo grupo Tortura Nunca Mais, em 1993.

    Ordem Nacional do Mérito Educativo no grau de Comendador, pelo Ministério da Educação e do Desporto da Presidência da República em 1993.

    Prêmio Hors Concours (gênero ensaio) do Concurso Prêmio Alejandro José Cabassa da União Brasileira de Escritores, em 1994.

    Prêmio Carmem da Silva – Colóquio das Mulheres Fluminenses, 1995.

    Homenagem do Centro Mario Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes – USP – 1996

    Associação Médica do Rio de Janeiro – Dia Internacional da Mulher – 1997

    Homenagem da Associação Médica de Alagoas – 1997

    Homenagem no II Encontro Nacional de Serviço Social e Seguridade. – PortoAlegre, 2000 (MOTTA, 2005, 138-9)

NIse da Silveira faleceu em 30 de outurbro de 1999, aos 94 anos.

Sua trajetória foi realmente um exemplo vivo de amor pela vida e respeito pela diferença. Nise compreendeu que os pacientes psiquiátricos eram indivudos que mereciam respeito e amor. A partir de suas experiencias na prisão ela pode sentir na própria pele o que os pacientes sentiam em sua realidade. Nise da Silveira foi uma das primeiras vozes no Brasil a se levantar contra  o Eletrochoque, Lobotomia e choque insulínico e propor uma alternativa que valorizava a vida dos pacientes.

Em 1956, Dra. Nise da Silveira funda a Casa das Palmeiras, uma instituição pioneira,  aberta, voltada para oferecer um espaço humanizado onde os clientes podem realizar espontamente trabalhos expressivos, de forma a facilitar sua relação com os vários aspectos de sua vida.

Nise da Silveira é um exemplo de vida e de luta. Sua militância no campo da saúde mental é um legado que não podemos esquecer.

Sites importantes para serem visitados:

http://casadaspalmeiras.blogspot.com/  –

http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br/

Referências bibliográficas:

MOTTA, Arnaldo Alves Psicologia Analítica no Brasil; contribuições para a sua história, São Paulo: PUC, Tese de mestrado, 2005.

(As informações de Nise da Silveria e outros pioneiros da psicologia analíltica podem ser encontrados no livro “As raízes da Psicoogia analítica noBrasi” de Arnaldo Motta. Casa do Psicólogo, 2009).

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Professor de Psicologia na Unes/Cachoeiro de Itapemirim.  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985.

e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br

Twitter:@FabricioMoraes

O feitiço dos números


            Eles estão nos anúncios publicitários; nas notícias, do esporte à política, do mundo das celebridades aos acontecimentos internacionais, das catástrofes ao entretenimento; nas informações econômicas; nas datas e horários; nos e-mails; nos produtos expostos nas gôndolas dos supermercados; enfim, em todos os cantos. Parece impossível nos livrarmos deles, pois parecem onipresentes. Com eles elaboramos várias coisas: cálculos, conceitos, eventos, pesquisas, leis, medidas, música, etc. São classificados em: absoluto, atômico, complexo, imaginário, racional, irracional, natural, quântico, relativo, e até transcendente, entre outros. Através deles o homem organiza o mundo e a si mesmo. Uma das primeiras lições que aprendemos sobre eles, é que são infinitos.
            Do que estou falando?
Dos números.
            Segundo o Dicionário Aurélio: “Número: substantivo masculino. Entidade abstrata que corresponde a um aspecto ou a característica mensurável de algo (quantidade, grandeza, intensidade, etc.)”.
            Talvez este seja o principal motivo pelo qual os números nos fascinam. Seduzidos por eles, não percebemos que avaliamos tudo pelos seus critérios. E, se assim vivemos, é como se estivéssemos enfeitiçados e possuídos por eles, à semelhança de seres mágicos que transformam tudo que se deixa ser tocado pelos seus poderes. E, qualquer coisa que não passe pelo seu escrutínio é imediatamente considerada indigna, desprezível, imperfeita, inútil, inapropriada, portanto, sem qualidade. Seu feitiço é implacável: a quantidade desqualifica tudo e todos.
            Obedecemos submissamente às palavras de ordem dos números. Só estamos satisfeitos se fizermos parte das estatísticas que apontam evoluções para cima ou para baixo. Nossa relação com eles vai além da matemática. Matemáticos seríamos se fôssemos simplesmente lógicos e racionais. Mas não, nos rendemos aos seus pés em verdadeira adoração e louvor. Como “entidades abstratas” os transformamos em deuses. Seus dogmas são: recordes, competitividade, metas a serem cumpridas, proporções. E, seu culto é diário, ininterrupto.
“Resultado” é a palavra sagrada que indica se o culto foi aceito ou não. Tudo tem de apresentar algum “resultado”. Nada é mais importante que o “resultado”. Ações sem resultados são um ataque a esta divindade, e uma blasfêmia.
Os números exigem exclusividade, e nos deixam fanáticos. É como se a vida sem resultados não fosse vida. Os resultados funcionam como narcóticos: rebaixam o nível de responsabilidade individual, e superestimam o espírito da massa dando a sensação de que o indivíduo sozinho não tem recursos próprios com os quais possa ser ele mesmo.
Não estaria aí a razão principal por que nos sentimos tão mal quando fracassamos, e não sabemos como lidar com os fracassos? Se a medida adotada para dimensionar o sucesso são os resultados a serem obtidos, então, nos dispomos a qualquer coisa para alcançá-los. A avaliação pelos resultados distorce a visão que temos de nós mesmos e dos outros. A sacralização dos números subtrai a grandeza da experiência de viver.

Vamos às compras?


            Não é só o preço da mercadoria que leva você e eu a comprá-la. O principal fator que nos leva a decidir por um produto é inconsciente.
            A decisão é um movimento interior, e muitas vezes instintivo, pois em toda compra está presente a experiência de um sentimento. É isto: compramos porque sentimos, e se sentimos, compramos; por isso os produtos são veiculados por mecanismos vinculados aos nossos sentidos.
            O consumo evoca experiências humanas que há muito tempo despertam nossos interesses mais primitivos, e quanto maior for o vínculo com estas experiências, maior a chance do produto ser adquirido. Por exemplo: se um perfume conseguir mexer com nossas reminiscências afetivas, tem sua venda garantida.
            Não compramos por instinto, ao contrário, o instinto nos leva a comprar. A compra instintiva é irrefletida; porém, sempre é possível refletir antes de qualquer compra, apesar de sempre consumirmos produtos que nos lembram alguma experiência arquetípica, isto é, formas típicas de apreensão da realidade e de reação a ela comuns a todos, porque esta é a fonte que alimenta o consumo.
            Na opinião da publicitária Maryjane Oliveira: “Na tentativa das marcas em oferecer experiências profundas ao consumidor, uma marca com identidade arquetípica evoca experiências a nível profundo da mente humana, podendo ativar no consumidor um senso de reconhecimento, transportado até a marca. Na busca pela diferenciação num mercado competitivo e repleto de marcas, as empresas prometem experiências cada vez mais motivadoras. Tudo o que se relaciona com criação de valor agregado à marca envolve atributos, sentimentos e percepções, tornando-a um corpo vivo. Num mercado onde o valor intangível da marca é o grande diferencial e não mais o produto físico, torna-se necessário oferecer a ela um DNA, credibilidade e consistência. Marcas fortes são ricas em forma e substância e costumam evocar associações de caráter fecundo” (http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/files/others/Artigo%20Acad%C3%AAmico.pdf).
A cada compra buscamos as experiências que nos fazem vivenciar a parte que nos distingue de todas as demais criaturas. Enquanto as árvores, os animais, os astros, os elementos químicos, e até as bactérias, consomem para sobreviver, nós consumimos para dar significado e direção à nossa existência. Se algum produto nos promete que, se o consumirmos, os obstáculos que estamos defrontando serão vencidos (por exemplo, remédios que melhorarão a saúde, ou uma lente e/ou armação de óculos que nos farão bem aos olhos), imediatamente vamos comprá-lo porque queremos nos sentir determinados e corajosos em nossas dificuldades.
Não temos como nos livrar do consumo, e isto não só porque vivemos numa economia capitalista, mas porque tudo que é produzido saiu de alguma camada da nossa interioridade. O perigo é quando atribuímos aos produtos oferecidos no mercado uma identidade própria, como ilustram as obras de ficção científica, tanto na literatura quanto na sétima arte, onde o homem é relativizado pelos objetos “com vida própria”.
Nesta época do ano em que tudo parece ter “vida própria”, mantenha viva sua capacidade de dar significado e direção à sua existência.

Consumo como valor (II)


            Junte a família, faça estas perguntas e discuta as respostas, que se propõem apenas como início para uma troca de ideias.
            Por que diante de tantos apelos para consumir os adultos são tratados como se fossem crianças? Porque a criança crê em tudo o que ouve e vê, e dificilmente questiona, mas sofre bastante quando se sente frustrada.
            Por que certos produtos nos seduzem a ponto de acharmos que se os possuirmos nossos problemas acabarão? Porque tudo que está à venda está carregado de uma mensagem emocional tão forte que nos convencemos disto.
            Por que não conseguimos controlar nossos impulsos diante da possibilidade de consumir, até coisas que sabemos que não precisamos? Porque não suportamos o desprazer de não poder ter tudo, e não suportamos a infelicidade de ter tornado a vida artificial, isto é, como se o simples prazer de existir não fosse mais suficiente.
            Por que aceitamos, passivamente, que as crianças não podem trabalhar, mas podem comprar como se tivessem salários? Porque achamos que elas são consumidoras, e que precisam ser educadas como tais, sem nos importarmos com o sofrimento que o consumo causa a elas também.
            Por que os adultos estão sendo tratados como crianças, e as crianças como se fossem adultas, pelo mercado em geral? Porque estamos nos adaptando ao tédio, isto é, ao fastio de produtos que são feitos para durar até o momento em que os desejamos.
            Por que adiantamos datas como o Natal? Porque não conseguimos driblar a dor da espera pelo momento mais apropriado; e estamos sufocando a nossa criatividade pela ansiedade e pela raiva que sentimos de nós mesmos, porque acreditamos que o tempo passa muito rápido, e não dá para desfrutar das coisas no tempo que elas devem durar.
            Por que nos sentimos merecedores por possuir determinado produto? Porque queremos nos sentir poderosos, e que tudo está ao alcance das mãos, como se estivéssemos vivendo num conto de fadas, no qual tudo é possível.
            Por que os produtos nos são apresentados como sendo “maravilhosos”? Porque no momento da compra ficamos muito próximos do estado hipnótico, nossos olhos piscam bem menos que o normal, segundo os pesquisadores.
            Por que somos atraídos pelos nossos sentidos naturais: visão, tato, olfato, audição e paladar? Porque sem saber, estamos sendo vigiados constantemente para que novos produtos cheguem ao mercado e nos atendam biologicamente, sem que precisemos dar um testemunho subjetivo quanto às impressões que nos causaram.
            Por que o consumismo pode ser simbolizado como uma rede que passa sobre nós e nos apanha, aparentemente, sem que a percebamos? Porque nossos gestos e gostos estão sendo analisados o tempo todo, com previsão, antecedência e precisão cirúrgica.
            Por que toleramos a avalanche de produtos, como se todos nós tivéssemos as mesmas condições para consumi-los? Porque não nos importamos com as consequências como a violência, a obesidade, vícios variados, vaidade e futilidade que podem gerar na sociedade, desde que não seja conosco.
            Por que aceitamos propaganda com manipulação do imaginário? Porque nos adaptamos à perversidade de que tudo virou entretenimento, e que nós não pensamos.

Consumo como valor


            O que fazer o 13º salário? Pagar ou fazer mais dívidas, comprar presentes ou poupar? A questão é que, com mais dinheiro na mão, o consumo como valor existencial extrapola o seu lugar quando o dinheiro disponível é menor.
            Apesar de vivermos numa sociedade capitalista, são poucos os estudos sobre o ato mais comum deste sistema: o consumo. Parece que consumir não combina com reflexão.
            O consumo nos envolve emocional e ideologicamente, do berço ao túmulo, ou seja, crianças e adultos, em todas as fases da vida estão, envolvidos por este fenômeno. Se considerarmos o consumo como um quebra-cabeça, logo perceberemos que a figura a ser montada tem a fisionomia de cada um de nós; e, a cada dia mais peças deste imenso quadro se ajuntam. Trata-se de um fenômeno que nos dá forma: através dele definimos nossas semelhanças e diferenças sociais e culturais; construímos nossa identidade como pessoa.
            Para muitos, consumir é sinônimo de felicidade. Quem não consome não é feliz. A publicidade nos seduz com este discurso: consumir traz sucesso, rejuvenescimento, e o sentimento de pertença e permanência, não importa as banalidades anunciadas ora com seriedade, ora com deboche.
O apelo ao consumo confunde necessidades com desejos, mas isto não fica bem claro, porque cerveja é diferente de ar puro, cartão de crédito é diferente de alegria, coca-cola não é água, educação é diferente de métodos que as escolas adotam; e no campo religioso – saúde não é milagre. Acreditamos que basta desejar para que uma necessidade seja atendida, ou simplesmente mudar a vida, senão no presente, ao menos no futuro, para que ela seja diferente do que é hoje.
Há um movimento muito intenso no sentido de tornar os produtos e marcas como extensão de nossos desejos, captando assim nossa atenção e interesse, que acaba nos levando à ação, isto é, ao consumo. Produtos e marcas chegam a ser reverenciados como uma entidade existencial separada, que muitas vezes supera a dos próprios consumidores.
No fundo, parece que a realidade que nos leva a consumir é a frenética busca pela felicidade. Porém, nos perguntemos: quais são as reais razões que nos levam à infelicidade? Será a falta do que desejamos, ainda que tenhamos nossas necessidades supridas? Por que nos satisfazemos em irmos ao shopping, com um dinheiro que ainda não é nosso, para comprarmos o que não precisamos, com a intenção de impressionar a quem não conhecemos, e fingirmos aquilo que não somos? O consumo, do modo como estamos vivenciando, é um sintoma da alienação não só da sociedade, como também do indivíduo. Só a conscientização pode nos tirar desta crítica situação.
Deveríamos nos lembrar que, para domesticar os índios, os colonizadores ofereceram-lhes diversos objetos, em troca de suas terras. Parece que o mesmo está se dando quando se pensa acerca do consumo: não somos mais donos de nós mesmos, porque compramos bugigangas que valem muito menos do que nossa vida. Nada mais interessante ao mercado: transformar necessidades em fetiches vendidos no camelô, para satisfazer a voracidade pela felicidade.