domingo, 27 de novembro de 2011

Chevron: símbolo da neurose humana


           “As pessoas que nada sabem da natureza são neuróticas, pois não estão adaptadas à realidade. São ainda demasiado ingênuas, como crianças, e têm necessidade de que se lhes ensine que são humanas como todas as outras. Entretanto, este conhecimento não basta para curar as neuroses; só recobrarão a saúde se conseguirem sair da lama quotidiana” – Carl Gustav Jung (Memórias, Sonhos e Reflexões. Nova Fronteira, 1988, p. 149).
As consequências ao meio ambiente com o “acidente” na exploração de petróleo no campo de Frade/RJ, provocado pela empresa norte americana Chevron, não pode ficar num simples pedido de desculpas apresentado pelo seu presidente, mas serve de alerta para os perigos sociais, econômicos e ambientais que todos nós estamos correndo.
            Trata-se de mais um esforço do homem em fazer a natureza adaptar-se aos seus caprichos e interesses, revelando mais uma vez a dimensão de seu estado psicológico, apontado pelo psiquiatra suíço como “neurótico”.            Para Jung, a “realidade” exige que nos adaptemos a ela, e não o contrário, tarefa que não cabe somente às grandes empresas que visam tão somente o lucro em detrimento da preservação do meio ambiente, mas também em nossas atitudes diárias, como o descarte de “lixo” nas ruas e calçadas.
            O tipo de “neurose” referida por Jung acontece quando nos consideramos superiores e diferentes do resto da natureza. Se nos aproximarmos mais da natureza, perceberemos o quanto somos semelhantes. Não significa que devamos sair por aí abraçando árvores e beijando os animais, nem muito menos, passar a cultuá-los como se fossem “emanações” de Deus. Estamos envolvidos com a natureza, muito mais do que imaginamos, não só na decadência da morte, mas também na recuperação da vida.
            Talvez nosso grande problema seja o que Jung afirma, ao desenvolver ainda mais o pensamento acima exposto: “não se pode abandonar uma forma de vida sem mudá-la por outra”. Todos nós estamos envolvidos nessa tarefa: mudar de vida; e a mudança significa abandonar a ideia de superioridade. Mudar os padrões de consumo, o tratamento que damos à natureza, não descartar o lixo nas ruas que pode ser depositado em lugares apropriados, etc. As atitudes só serão abandonadas quando adotarmos outras atitudes no lugar. É o princípio da conversão cristã.
            Isto significa que só nos aproximaremos da natureza, à medida que nos aproximarmos de nós mesmos. Por nos acharmos tão grandes e autossuficientes, agimos contra a natureza, desrespeitando seus limites e fragilidade. Por nos considerarmos donos de nossa própria vida, por acharmos que a ninguém devemos prestar contas de nossas atitudes, palavras, pensamentos e omissões, presunçosamente rejeitamos a natureza. Por erigirmos, com tanto “sacrifício”, nossos conceitos científicos e tecnológicos, passamos a cultuá-los como se fossem deuses, e nos negamos a viver nos fundamentos da existência humana. E, quando tomamos por deus qualquer coisa, além de cometermos o pecado da idolatria, isto nos leva aos extremos, até que sejamos advertidos pela consciência.
            “O perigo que nos ameaça a todos não vem da natureza, mas dos homens, da alma do indivíduo e de todos. O perigo reside na alteração psíquica do homem. Tudo depende do bom ou do mau funcionamento da nossa psique”, do mesmo Jung.

domingo, 20 de novembro de 2011

A fascinação do álcool (4)


            Externamente, somos assediados por uma gama de estímulos para comprarmos produtos, o tempo todo. Música ao vivo no supermercado, desenhos animados em casas bancárias, quiosques eletrônicos de propagandas em linhas de ônibus urbanos, restaurantes e casas de shows, badaladas do sino nas peixarias. Tais estímulos estão por toda parte, e quando ausentes, ainda que saturados, sentimos a sua falta.
Internamente, reagimos a eles, graças às nossas percepções sensoriais: visão, audição, olfato, tato e paladar. Ou seja, somos afetados por eles. A nossa reação dependerá de variáveis como: a percepção sensorial provocada, o juízo de valor empregado em nossas avaliações e a tonalidade afetiva, isto é, o humor percebido no acontecimento que desencadeou a experiência.
Conforme C. G. Jung (1875-1961) um afeto indica a atuação de algum “complexo”. Para ele, complexo é um grupo de ideias ou imagens inconscientes que atua em nossos sentimentos com relativa autonomia. “Se comportam como seres independentes”, conforme o seu livro “Estudos Experimentais”. Portanto, são ideias que podem agir contra a atitude habitual da consciência. Provisoriamente, sentimos como que ficamos tomados ou dominados por eles.
Quando se trata de consumo de bebida alcoólica, por exemplo, há uma intrincada integração de todas as percepções sensoriais que em muitos casos, para não dizer na maioria das vezes, confunde a pessoa no julgamento moral que precisa fazer, e a conduz à satisfação imediata do humor presente, mesmo sabendo que é momentâneo.
Vários elementos como pessoas (companhias), coisas (copos, garrafas, latas em sua variedade quase infinita de cores, formatos e rótulos) e acontecimentos (eventos festivos ou não) associados ou não, provocam uma alteração no raciocínio lógico e conduzem a comportamentos indesejados, como podem ser comprovados durante a famosa “ressaca”. O complexo de tonalidade afetiva escamoteia o intelecto e a vontade própria. Na realidade, são como “ganchos” nos quais penduramos partes de nós mesmos, ou como “anzóis” que nos deixamos ser “fisgados”.   
Infelizmente, inclusive no seio familiar, isto tem sido frequente. Basta a presença de um elemento sensorial, para que o indivíduo faça associações com outros eventos, para que o comportamento seja desencadeado. Por exemplo: o ruído da abertura do lacre da lata de cerveja prepara o tomador a associar ao som do líquido que é derramado, o odor e sabor “refrescante”, o visual do copo “suado” e do “colarinho” que se forma no alto, e o tato “gelado” da sua superfície lisa, mais alguma lembrança agradável ou não da infância ou juventude, e/ou de um mal ou injustiça sofrida, e/ou uma concorrência desleal que sente junto aos companheiros de roda do boteco, ou familiares, e/ou do resultado positivo ou negativo de algum empreendimento.
Na realidade, o complexo de tonalidade afetiva é uma unidade psíquica que se “desprende”, e passa a atuar sem atender à voz da consciência.
O eu precisa ser mais forte que o afeto, apesar de não ser possível controlá-lo totalmente porque as nossas percepções sensoriais, capacidade de julgamento, e o humor que proporciona à vida, continuam presentes. Como afirma Jung: “A personalidade é o complexo mais sólido e mais forte. Ela se firma (desde que haja saúde), apesar de todas as perturbações psicológicas. Por isso, as ideias que se referem à nossa própria pessoa são sempre as mais estáveis e interessantes” (Psicogênese das doenças mentais. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 33).

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A fascinação do álcool (3)


            “Eu bebo socialmente”.
            Esta frase se repete com bastante frequência. Mas, qual o seu significado?
Segundo os médicos psiquiatras Arthur Guerra de Andrade e Camila Magalhães Silveira, ambos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): “[...] beber socialmente, significa o uso de álcool dentro de padrões aceitos pela sociedade” (Rev. Psique Ciência & Vida. Nº 52. Dossiê: As faces do Alcoolismo. Editora Escala: São Paulo, p. 03).
Ao se verificar que o consumo de bebidas alcoólicas está relacionado aos “padrões aceitos pela sociedade”, temos de considerar a pressão que o grupo social exerce sobre os indivíduos. Por isso, o consumo de bebidas alcoólicas é um problema social.
Um problema que chama a atenção para as seguintes questões: Por que a opinião dos outros exerce tanta influência na decisão de beber ou não bebidas alcoólicas? Por que a sociedade tem um nível de tolerância ao consumo de álcool?
            Quanto à tolerância, registra-se que a sociedade é intolerante para com quem excede no consumo, especialmente quando a pessoa precisa do seu apoio social e moral; apesar disto, é cada vez maior o número de consumidores. Isto se dá porque vivemos numa sociedade consumista que estimula a aparência das coisas, e não considera a realidade sócio-econômica das pessoas. O “beber socialmente” tem grande participação nesta cultura de consumo, e sugere a existência de uma realidade sem consequências, antes as esconde. A cultura consumista estigmatiza os que não seguem os padrões que estabelece como norma para todos.
De fato, consumir bebidas alcoólicas é um fator social, isto é, alguns cedem à pressão social, com mais facilidade do que outros; substituem a opinião própria pela opinião dos outros. O seu nível de tolerância passa a ser aquele que é escolhido pelo grupo de amigos, familiares, e até de estranhos.
É tão significativo o fator social, que quando se trata de tratamento psicoterápico as terapias cognitivo-comportamentais se ocupam bastante em estimular o indivíduo a adquirir novas habilidades sociais, substituindo lugares e pessoas que o pressionam a beber.
Mas, o que leva a pessoa à tão rápida adaptação à opinião do grupo social, e a deixar de lado a própria?
Para C. G. Jung (1875-1961) é a busca por um equilíbrio das necessidades tanto do mundo interno como do mundo externo, mesmo que as solicitações sejam tão diferentes da sua própria.
É preciso registrar que isto contribui para o auto-engano, alienação e perda de contato com a realidade. A experiência tem indicado que somente quando se chega ao limite de tal experiência, é que é possível se auto-afirmar, encontrar o caminho de volta a si mesmo, ainda que a busca por tal equilíbrio tenha trazido um custo tão elevado, e contribuído para uma vida ilegítima.
Existe esperança para quem quer se encontrar!

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A fascinação do álcool (2)


            O fascínio que as bebidas alcoólicas provocam em muitas pessoas, não poderia ser associado a sua imaturidade intelectual e emocional, tal como o encantamento que os brinquedos exercem sobre uma criança, e por isso a dificuldade de superação, apesar de tantos esforços?
De fato, é difícil deixar de algo que nos dá prazer, ajuda-nos a sentir coisas que não sentimos em outras situações, a esquecer de circunstâncias desagradáveis, a se considerar merecedor e receber a atenção de terceiros, a superar e nos proteger de incertezas ou dúvidas quanto a nós mesmos e/ou de outras pessoas, a sentir-se íntimo do mundo dos deuses e de uma alegria que contagia quem está por perto, como afirma a doutora em psicologia pela USP Gláusa Gláusa de Oliveira Munduruca, em sua tese “Contribuição para o estudo da constituição psíquica de mulheres alcoolistas”, citada no artigo anterior (30/10).
            Não é isto que se vê numa criança ao brincar? Ainda bebê, a criança é fascinada pelo mamilo, seio, rosto, boca e os cabelos da mãe; são seus primeiros brinquedos, caso contrário, não se integrariam. E, quando isto acontece pode estar ocorrendo algum grave distúrbio.
Com o passar do tempo a criança, contínua e rapidamente, desenvolve outras formas de brincar, adquirindo novas habilidades na tentativa de enfrentar a realidade ao seu redor. Para o pediatra e psicanalista inglês Donald Woods Winnicott (1896-1971), os brinquedos são elementos transicionais, isto é, contribuem na transição de uma fase de vida para outra, e aos poucos se tornam fatores que facilitam a capacidade de fantasiar, imaginar e pensar, portanto, que ajudam a enfrentar a realidade, e não para fugir dela.
Os brinquedos, dos mais simples aos mais sofisticados, são poderosos agentes de um mundo mágico. Basta imaginarmos para entrarmos no “mundo da lua”, nos tornarmos lunáticos (malucos). Na mente, a “mentirinha” adquire status da mais pura realidade. Meninas e meninos transferem para o mundo da fantasia toda a sua libido, por isso se desgostam tão facilmente quando chega o momento de voltar à realidade, como por exemplo, guardar os brinquedos e tomar banho.
Em “A criança como indivíduo”, o analista junguiano Michael Fordham (1905-1995) afirma: “Graças às reduzidas dimensões dos brinquedos, a criança tem – dentro dos limites impostos pela natureza do brinquedo – controle total sobre o brincar. Por isso há ampla margem para expressar e gozar valiosas sensações de onipotência, especialmente quando se trata do brincar criativo com os materiais primários (água, areia, argila), da pintura e do desenho” (São Paulo: Cultrix, 2006, p. 25).
Assim como bonecas e/ou “casinha” levam as crianças a acreditarem que são “mamães” e “papais”; “carrinhos” dão a sensação de que são habilidosos motoristas, capazes de manobras radicais; jogos eletrônicos que oferecem situações de perigo levam-nas a se sentirem invencíveis e indestrutíveis; dados, notas e moedas de jogos como o “Banco Mobiliário”, de que são pessoas ricas e bem sucedidas; garrafas, copos e taças cheias podem passar a ser os brinquedos dos que consomem bebidas alcoólicas, pois é comum ouvir de seus consumidores: “Tudo está sob controle, não se preocupe”; “Estou bem, nada me derruba”; ou, “Se quiser, eu posso parar a qualquer momento”.
Até onde vai a paranoia de que se pode beber álcool sem consequências?