domingo, 24 de junho de 2012

Xô moleza!


            A sociedade é um organismo vivo e dinâmico. Nenhum de nós é capaz de sobreviver sem participar do grupo social, e tudo que acontece se não temos uma direta participação, estamos envolvidos. Diante dos acontecimentos só nos cabe duas atitudes: adaptação a eles ou enfrentamento, na tentativa de alterá-los, passando nós mesmos pelas transformações que somos capazes de provocar, tendo algumas experiências. Mesmo que nos neguemos a participar ativamente, algum destino está dando às condições estabelecidas. Engana-se quem acredita na ideia de que se cada um cuidar da sua vida todos os problemas serão resolvidos, pois a sociedade existe porque os indivíduos interagem, e se constroem mutuamente. A realidade social só pode ser alterada com o envolvimento responsável de cada um, do contrário, cada vez mais ganharão espaço e importância, demagogos e espertalhões, que ambicionam somente seus próprios interesses, porque nos consideram incapazes de lutar pelos nossos direitos.
            Neste sentido, temos de ir além do simples impacto que os acontecimentos nos causam, como por exemplo, da Professora Eleuza Campanelli Bueno dos Reis que sofreu no último dia 18/06 um AVC por ter presenciado atos de vandalismo contra seu automóvel estacionado em frente à Escola Estadual Nova Marília, onde trabalha. Segundo as reportagens dos jornais da cidade, na semana anterior uma bomba foi detonada por estudantes dentro de uma sala de aula, provocando incêndio no teto da classe.
            Este caso não só provoca indignação e perplexidade, mas um sentimento de solidariedade com toda a comunidade docente, pois à consciência se impõe veementemente a imperiosa necessidade de repúdio a tais acontecimentos.
            Não podemos nos acomodar a nenhuma forma de humilhação, ameaça e violência contra o exercício de uma das mais dignas profissões, especialmente numa sociedade tão carente de valores éticos e morais.
            Todos os professores se associam à consternação do sucedido, e fazemos votos pelo pronto restabelecimento físico, mental, moral e profissional da Professora Eleuza, bem como aos demais docentes, funcionários e alunos da Escola Estadual Nova Marília, que igualmente compartilham do mesmo sentimento, com a esperança de reconquistar e preservar as condições plenas para o exercício responsável e competente de nossas funções na construção de uma sociedade melhor e forte na defesa de seus, mínimos e legítimos, direitos de trabalhar com decência.
            Queremos viver numa sociedade que há milhões de anos muitos de nossos antepassados trabalharam, e cremos que isto é possível. Não podemos aguardar que alguém faça por nós o que nós devemos fazer; não podemos nos preocupar apenas com o futuro da escola e da nossa sociedade. Nosso repúdio, plenamente, se justifica, pois queremos que haja progresso constante, seguro e saudável na construção que provocamos a todos, pelos nossos atos. Reafirmamos como Carl Gustav Jung: “O futuro brota sempre daquilo que existe agora, e não poderá ser sadio se brotar de solo mórbido; se somos mórbidos (moles) e não percebemos isso aqui e agora, é claro que acabaremos construindo um futuro doentio. Deves viver a vida num espírito tal que concretizes em cada momento o melhor das possibilidades”.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

AM. DM.


Qual a origem do machado, do serrote, do motosserra? Não seria de onde vêm as ideias de preservação das florestas, e de todo o meio ambiente? Por que nos submetemos a algumas tecnologias e a outras resistimos tão fortemente?
            Estas e outras são as questões que todos nós devemos fazer quando o desenvolvimento e sustentabilidade estão em pauta.
Toda ideia – as tecnologias são ideias que ganharam materialidade -, vem do inconsciente. Ao refletirmos sobre esse assunto precisamos manter a mente aberta o bastante para evitar a fixação racionalista de que as ideais vêm somente da capacidade racional, uma vez que muitas questionam nossa arrogante pretensão de que os interesses econômicos são mais valiosos que a vida dos homens, como quer nos convencer os países ricos (leia-se Europa), na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+20.
            Há quem pense que a vida humana pode ser dividida em: Antes do Machado - AM, e Depois do Machado – DM. Antes do Machado – AM – o homem sofria sob as forças da natureza, porque seu conhecimento não passava a de um ser primitivo e atrasado na evolução. Depois do Machado – DM – o homem não deve abrir mão de sua racionalidade, pois pode voltar a ser como um de seus ancestrais.
Puro engano. Não é o uso das tecnologias disponíveis que nos fazem evoluídos, mas a valorização racional de outras técnicas que a razão ainda desconfia. A razão não é a única capacidade humana que nos faz sofrer menos. Ouvir e atender a alma, não no sentido teológico de uma parte imortal do homem, mas no sentido psicológico de uma figura que não é vista e que representa o inconsciente, como faziam os primitivos, nos levará a salvação do planeta e de todos os homens, ainda que tais ideias nos pareça estranhas e não-racionais. Este é um dos aspectos psicoantropológicos que a economia mundial precisa refletir.
A fonte das ferramentas tecnológicas que nos levaram para este estado de coisas continua a mesma. Do inconsciente sempre emanou os valores que nos mantém vivos desde as eras mais primevas que nos legaram as ferramentas manuais como o machado, por exemplo, mas também as ideias novas e revolucionarias como a bola de futebol que produz energia elétrica capaz de acender uma lâmpada de LED ou carregar a bateria de um celular, a “soccket”, conforme nos conta a jornalista Heloisa Aruth Sturm (O Estado de São Paulo – 12.06.12, A16).
            “Todo ser humano é bastante cego e pode somente ver aquilo que está na frente de seus olhos, mas a sabedoria das idades representada nos mitos e nos símbolos religiosos têm sem dúvida uma visão mais ampla, um alcance maior que o de qualquer indivíduo. Se pudermos entender seus ensinamentos corretamente, eles podem tornar-se para nós como um guia, no sentido de uma seta indicadora, que aponta o caminho como o fez para os nossos predecessores” (HARDING, M. E. Os mistérios da mulher. São Paulo: Paulus, 1985, p. 22).
            O legado dos homens primitivos continua vivo em nós, por isso fazemos poesia, como Pablo Neruda (1904-1973), registra em “Ode à terra”: “Queremos te amar, mãe fecunda, mãe do pão e do homem, mas mãe de todo o pão e de todos os homens” (Navegações e Regressos. São Paulo: MEDIAfashion, 2012, p. 179). Por que é difícil admitirmos que é assim?

domingo, 10 de junho de 2012

Inconsciente: fonte de todas as tecnologias


            Tal como o lenhador, de Jorge Luis Borges (1899-1986), acreditamos que “no bosque há lobos, mas os lobos não me amedrontam e meu machado nunca me foi infiel”, e amparados no acordo com os irmãos “mais velhos” podemos derrubar “todo o bosque até não restar uma única árvore” (O livro de areia. São Paulo: MEDIAfashion, 2012, pp. 91-93). E, assim nos dispomos a matar todo aquele que tenta nos impedir de possuir o que lhe pertence, ainda que depois do crime não encontremos mais o que tanto ambicionamos, e sem consciência do mal que nos possui.
            É com esta sociedade de “lenhadores” que a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20 – que ocorrerá de 13 a 22/06, na cidade do Rio de Janeiro, estará lidando.
A terra clama de todos os pontos cardiais que ninguém é inocente, mas que a sombra sobre os mares, rios, cidades, florestas e as espécies, tem a forma humana. Mas, cuidado. Esta situação não é para estimular a aversão a nós mesmos. A misantropia pode fortalecer os discursos das indústrias e das agências financeiras mundiais, ávidas por sufocar as boas intenções de proteção e preservação do meio ambiente, e vender seus produtos. A aversão ao ser humano, devido à maldade inerente a nossa natureza, gera a cultura da depressão, ou seja, de como é impossível corrigir nossas atividades exterminadoras, temos de nos conformar a ela, e continuar sob a luz bruxuleante do fracasso, e ao culto da idealização da natureza.
            O “machado” simboliza a tecnologia e seus avanços sobre a nossa alma, alterando, para sempre, a paisagem e nós mesmos. Adaptados às técnicas, as consideramos partes da natureza, e não mais produtos de nossas mentes e mãos, na opinião do psicólogo junguiano Andrew Samuels (A psique política. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995).
Para Roger Bastide (1898-1974), a crença na tecnologia se fortalece à medida que a razão humana ofusca a importância dos mitos, e toma o seu lugar. Para ele: “Entre as coisas e os homens, um novo corpo, intermediário se substituiu ao antigo, composto de cidades de cimento e ferro, de usinas fechadas, de máquinas de viver, de comer, de dormir, de fazer amor. As fumaças escondem o céu, o ar e água se emporcalham com nossos dejetos, os postes elétricos tomam o lugar de árvores vivas, as paisagens já não passam de cartazes de propaganda, as lâmpadas de neon apagaram as estrelas, e nós nos agitamos numa floresta de correias de transmissão, engrenagens giratórias, bielas e bate-estacas” (Roger Bastide. O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 105).
            Se do inconsciente vieram os “machados” que nos machucam e nos matam, dele também vêm ideias e medidas que facilitam o desenvolvimento sustentável do planeta. Cada ser humano é capaz de reconhecer o que é essencial, o que é prioritário e o que tem valor perene para si e para as futuras gerações.
É preciso considerar que é o consumismo egocêntrico que fundamenta a ordem social e moral de nossos tempos, e que quanto mais intransigentes forem nossas percepções neste campo, maiores serão as exigências a uma mudança de posicionamento frente às demandas da natureza que nos impõem limites cada vez menores às nossas ambições.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A cidade e o seu mito (2)


            Na semana passada (disponível no blog) refletimos que todo fato histórico-social, coletivo ou individual, está associado à experiência psíquica inconsciente que o originou. Esta se forma involuntariamente, isto é, nossas capacidades racionais não interferem na elaboração de nossos mitos, não inventam nada, mas podem contribuir com o processo de conscientização e de nosso desenvolvimento pessoal e social.
            Quanto a nossa cidade podemos afirmar que a sua pedra fundamental é a fabulosa obra “Marília de Dirceu” de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1809), na qual revela um amor que não se concretizou, e escrita num cenário político marcado por lutas contra a corrupção e a violência dos administradores da cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto (MG), que terminou com o seu exílio na África.
            Este é o pano de fundo ou o mito que movimenta a alma mariliense diariamente, mas que no período pré-eleitoral toma relevância devido à significação da escolha de seus representantes e administradores.
            Os mitos comunicam, através de imagens, mensagens que nos desafiam a serem integradas à consciência, se quisermos verdadeiramente uma alteração de destino, caso contrário, podem tomar uma dimensão destrutiva em nossas vidas.
            O processo de assimilação à consciência de um mito da cidade é o maior empreendimento democrático que um povo pode realizar em seu benefício.
            Como afirma Roger Bastide, pioneiro da sociologia da religião no Brasil: “Ao homem, que já não pode apoiar-se em mais nada, pois nada mais tem sentido, só resta apoiar-se em si mesmo e fazer jorrar de sua revolta novas flores míticas” (O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 103).
            Esta consideração pode nos parecer esdrúxula, mas isto se dá tão somente porque nos importamos mais com as máquinas, especialmente as de alta tecnologia como a informática, para as quais transferimos a linguagem simbólica de nossas almas, sem, contudo, nos tranquilizarmos, antes ficarmos sim, mais e mais desesperados e manipulados pelos poderosos dos negócios e pelos políticos sem escrúpulos.
            Nenhum partido político, nem os candidatos a prefeito ou a vereador que começam a mostrar o rosto nas mídias eletrônicas e de rua pode anular o mito sobre o qual a cidade de Marília está fundada. Antes, são os primeiros a assimilarem a mensagem, a saber: a sedução dos amantes pode terminar em nada, deixando um vazio muito grande em suas vidas, e o zelo por uma administração restrita ao cumprimento dos deveres morais no trato da coisa pública pode provocar repúdio, perseguição, inimizades e morte. A movimentação dos partidos e candidatos em busca de apoios e votos, como também, os sentimentos que dominam o pensamento dos eleitores estão povoados pelas imagens do mito “Marília de Dirceu”. Candidatos que tentam seduzir com promessas se frustram e debocham das expectativas dos eleitores. Eleitores que se deixam seduzir, facilmente descuidam da probidade que deveria cobrar de seus administradores e representantes, perpetuando assim as consequências destrutivas do mito da cidade, a saber, um homem infeliz no amor, e frustrado na política.
É hora de integrar as imagens que o mito da cidade nos oferece, e diminuirmos o mais possível a dissociação das nossas energias psíquicas enquanto grupo humano.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A cidade e o seu mito


Neste período pré-eleitoral não podemos negligenciar as fontes histórico-sociais que deram origem à nossa cidade se quisermos não só compreender os movimentos dos partidos e candidatos, como também, os sentimentos que dominam o pensamento dos eleitores.
Todo fato histórico-social, quer seja coletivo ou individual, está associado à experiência psíquica inconsciente que o originou. Esta se forma involuntariamente, isto é, nossas capacidades racionais não interferem na elaboração de nossos mitos, não inventam nada, mas podem contribuir com o processo de conscientização e de nosso desenvolvimento pessoal e social.
Segundo um dos pais fundadores da Universidade de São Paulo (USP), o sociólogo e antropólogo Roger Bastide (1898-1974): “A mitologia é uma necessidade ontológica do homem. (...) O homem continuará sendo, sim, uma máquina de fabricar mitos, o que não é grave enquanto o mito continuar sendo a expressão de nossa luta contra a incompletude, e da nossa necessidade de “ser” plenamente. O perigo reside nessa máquina ser teleguiada de fora para dentro” (O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 100, 110).
            Sendo assim, a origem de uma cidade narra o mito fundante que serve como pano de fundo dos sentimentos das pessoas, e quando este é negligenciado o seu oposto se registra na história dos seus habitantes.
A antiga cidade de Jerusalém, por exemplo, se destinava a ser uma cidade da paz, da justiça e de defesa da liberdade, mas como historicamente se negou a viver o seu mito fundador descrito pelo rei Davi no Salmo 122, ficou conhecida como aquela que mata os profetas, abandona suas crianças e velhos; contudo, apesar disso, lhe-é prometido um futuro glorioso – ser um modelo terreno nos céus, conforme o Apocalipse (21.1-6).
Quanto a Marília, porém, podemos dizer que cento e trinta e sete anos (1792) antes de Antônio Pereira da Silva, José Pereira da Silva e Bento de Abreu Sampaio Vidal (1872-1948), lançarem os seus primeiros fundamentos urbanos (1929), no alto da Serra dos Agudos, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1809), registrava o seu “Marília de Dirceu”.
Se tomarmos como o registro mitológico de nossa terra seus primorosos versos, virtuoso representante do Arcadismo Brasileiro, temos o seguinte:
“Dirceu” enaltece o amor por “Marília”, Doroteia Joaquina de Seixas (1767-1853), mas que não se realiza, pois a família da jovem relutava com o relacionamento; em meio a um cenário político que culminou com sua deportação de Vila Rica, hoje Ouro Preto (MG), para Moçambique (África) devido à militância no movimento social da Inconfidência Mineira (1789), por combater o governo de Luís da Cunha Menezes, reconhecidamente corrupto e “brutal em seu autoritarismo” (Marília de Dirceu. São Paulo: Publifolha, 1997, pp. 7-8).
            Este é o pano de fundo ou o mito que movimenta a alma mariliense diariamente, mas que no período pré-eleitoral toma relevância devido à significação da escolha de seus representantes e administradores.
            Devido à importância do tema, continuaremos nos próximos artigos. Até lá!