É natural que aguardemos um julgamento
“exemplar”, em todos os sentidos, de cada um dos envolvidos no famigerado
“mensalão”, conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, desde a semana passada.
Contudo,
apesar do pano de fundo ético judaico-cristão de nossa sociedade, exaltar o
ideal de perfeição moral em contraposição aos males humanos, não se pode negar
que na realidade, vivemos uma forte relativização dos comportamentos humanos,
com mais relevância no campo político.
Tal
relativização implica uma discrepância entre o ideal e a realidade dos fatos
que se estabelecem, resultando numa gritante contradição da requerida e
aguardada perfeição, dos julgamentos de cada um dos juízes da Corte Nacional.
É
importante esta discussão, porque o que está em curso é a discussão quanto a
realidade do bem absoluto e do mal absoluto, embate das ciências humanas, e a
cultura ocidental é a que mais tenta compreender esta questão.
A
imposição milenar (Santo Agostinho, 354-430 d.C.) da negação do mal pessoal,
não elimina de nossas personalidades sua influência via inconsciente, antes o
mal age subterrânea, independente, autônoma e eficazmente, causando-nos
prejuízos pessoais, e despeja na vida coletiva um volume cada maior de sua
realidade, conforme o médico, poeta e filósofo Erich Neumann (1905-1960), em
seu Psicologia profunda e nova ética (Editora Paulinas, 1991).
A pregação
agostiniana, um dos fundamentos da nossa cultura, de que o mal é uma simples
privação de algum bem, ainda permanece um entrave a ser superado no século XXI,
se pretendemos, realmente, construir uma sociedade civilizada a partir da
consciência individual.
Enquanto a
periculosidade do mal, de que cada um de nós é capaz de cometer, continuar afastada
da consciência, continuaremos reféns da ingenuidade de que os réus, não só do
“mensalão”, venham a público e confessem seu envolvimento nas “tenebrosas
transações” que cometeram contra os brasileiros, como bem argumentou um dos
ministros do Supremo Tribunal Federal, de forma irônica, tão apropriada ao
episódio histórico a que assistimos.
A irrupção da
corrupção na vida política é uma das formas do mal que nos habita, toma
proporções cada vez maiores, ao menos em sua publicidade. Nenhuma explicação
ideológica, sociológica e/ou teológica é suficiente na abordagem ética das
dimensões deste problema ontológico. Trata-se de uma infecção que nos
imobiliza.
Na luta contra o
mal, nos ocupamos com os seus efeitos, por isso nos vemos sem resultados
animadores quando o assunto é trazido à arena popular.
Não se trata de
lutar em favor do bem e contra o mal, como quer a ética judaico-cristã,
acolhendo e se conformando com a ideia de que temos de conviver com a
imperfeição humana, pois nada pode ser feito, mas sim, assumir que contra o
mal, a luta é pessoal.
Seja qual for a
decisão final dos juízes do Supremo Tribunal Federal acerca do caso, salientará
a necessária e intransferível tarefa quanto ao mal que cada um de nós é cometer
contra o próximo, e contra a nós mesmos.