domingo, 19 de agosto de 2012

Bem e mal no julgamento do "mensalão"

É natural que aguardemos um julgamento “exemplar”, em todos os sentidos, de cada um dos envolvidos no famigerado “mensalão”, conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, desde a semana passada.

            Contudo, apesar do pano de fundo ético judaico-cristão de nossa sociedade, exaltar o ideal de perfeição moral em contraposição aos males humanos, não se pode negar que na realidade, vivemos uma forte relativização dos comportamentos humanos, com mais relevância no campo político.

            Tal relativização implica uma discrepância entre o ideal e a realidade dos fatos que se estabelecem, resultando numa gritante contradição da requerida e aguardada perfeição, dos julgamentos de cada um dos juízes da Corte Nacional.
            É importante esta discussão, porque o que está em curso é a discussão quanto a realidade do bem absoluto e do mal absoluto, embate das ciências humanas, e a cultura ocidental é a que mais tenta compreender esta questão.
            A imposição milenar (Santo Agostinho, 354-430 d.C.) da negação do mal pessoal, não elimina de nossas personalidades sua influência via inconsciente, antes o mal age subterrânea, independente, autônoma e eficazmente, causando-nos prejuízos pessoais, e despeja na vida coletiva um volume cada maior de sua realidade, conforme o médico, poeta e filósofo Erich Neumann (1905-1960), em seu Psicologia profunda e nova ética (Editora Paulinas, 1991).
A pregação agostiniana, um dos fundamentos da nossa cultura, de que o mal é uma simples privação de algum bem, ainda permanece um entrave a ser superado no século XXI, se pretendemos, realmente, construir uma sociedade civilizada a partir da consciência individual.
Enquanto a periculosidade do mal, de que cada um de nós é capaz de cometer, continuar afastada da consciência, continuaremos reféns da ingenuidade de que os réus, não só do “mensalão”, venham a público e confessem seu envolvimento nas “tenebrosas transações” que cometeram contra os brasileiros, como bem argumentou um dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de forma irônica, tão apropriada ao episódio histórico a que assistimos.
A irrupção da corrupção na vida política é uma das formas do mal que nos habita, toma proporções cada vez maiores, ao menos em sua publicidade. Nenhuma explicação ideológica, sociológica e/ou teológica é suficiente na abordagem ética das dimensões deste problema ontológico. Trata-se de uma infecção que nos imobiliza.
Na luta contra o mal, nos ocupamos com os seus efeitos, por isso nos vemos sem resultados animadores quando o assunto é trazido à arena popular.
Não se trata de lutar em favor do bem e contra o mal, como quer a ética judaico-cristã, acolhendo e se conformando com a ideia de que temos de conviver com a imperfeição humana, pois nada pode ser feito, mas sim, assumir que contra o mal, a luta é pessoal.
Seja qual for a decisão final dos juízes do Supremo Tribunal Federal acerca do caso, salientará a necessária e intransferível tarefa quanto ao mal que cada um de nós é cometer contra o próximo, e contra a nós mesmos.

domingo, 5 de agosto de 2012

A quem se destina a nossa cidade?

            O debate político-partidário travado na busca de eleitores pelos que pleiteiam cargos legislativos e administrativos da cidade passa necessariamente pela percepção suscitada por este questionamento.
Como em tudo, a melhor resposta a esta questão está com a protagonista da nossa história – a alma humana. A principal função da alma é buscar um sentido para tudo que nos acontece. Não há situação, individual ou coletiva, sem propósito. Se não o percebemos, sofremos.

Viver em cidade é um dos mais antigos projetos humanos cercado de problemas. Atualmente, se os temas do desenvolvimento e da sustentabilidade das atividades humanas se revelam incontornáveis fica demonstrado a fragilidade deste projeto, quase universal. Sem proteção e sem liberdade não é possível viver na cidade.

            A cidade sem proteção é uma cidade violenta. A cidade sem liberdade é uma cidade injusta. A violência gera ódio, desrespeito, constrangimento de todos os tipos. A injustiça deturpa as relações uns com outros.

            Uma cidade sem proteção e sem liberdade define a quem se destina: aos políticos corruptos e a cidadãos expurgados de seus direitos legais; aos marginais que defendem a ampliação de suas áreas de atuação e a moradores que temem desfrutar do espaço público se defendendo como podem; aos motoristas e motociclistas que menosprezam as leis de trânsito, estressados pelas condições das ruas e avenidas e indisciplinados na condução dos veículos, e a pedestres desrespeitados e inseguros; aos habitantes mais aquinhoados porque se consideram privilegiados pelas oportunidades que souberam aproveitar, e aos outros moradores mais simples que se deixam ser explorados social e economicamente; aos funcionários públicos descomprometidos com as funções a que devem responder e aos cidadãos desassistidos em suas necessidades, muitas vezes, básicas; aos prestadores de serviço aos doentes, aos jovens, aos idosos, às crianças, negligentes de suas ocupações, e a pessoas mais frágeis e entregues à própria sorte; aos empresários que abusam da confiança de seus funcionários negando-lhes melhores salários e a cidadãos que buscam aliviar suas preocupações em práticas de lazer que os mantém, ainda mais, alienados dos seus direitos, como em programas de canais de televisão a que têm acesso, por exemplo.

            A cidade que tem proteção é uma cidade estável. A cidade que tem liberdade é uma cidade desenvolvida e próspera. A estabilidade gera confiança e esperança. O desenvolvimento e a prosperidade promovem utopias (sonhos) e boas oportunidades.

            Uma cidade com proteção e com liberdade define a quem se destina: a todos que aplicam suas ideias na formação de um “mapa emocional” da cidade como um organismo coletivo, vivo e dinâmico, a partir das impressões, ainda que intuitivas, das emoções que ocupam a alma das crianças, dos jovens, dos adultos e dos idosos em torno da vida urbana. Faz-se necessário promover debates em torno do assunto para suscitar as verdadeiras fontes da democracia – o governo do povo, para o povo.

            A quem se destina a nossa cidade? – é um questionamento que precisa ser prioritário, especialmente, aos eleitores e candidatos.

Educando a indivíduos

            Educar é uma tarefa que se dá pelo exemplo, precisa ser aplicada a todos indiscriminadamente e a indivíduos específicos. Estes fatores, na maioria das vezes, não percebidos conscientemente pelos professores em suas atividades pedagógicas, operam simultaneamente na realização do processo ensino-aprendizagem.

            É do fazer cotidiano dos professores se confrontarem com alunos que indicam alguma necessidade especial. Refiro-me a estudantes que fortemente resistem à adaptação ao processo coletivo de educação, tornando-se verdadeiros “problemas”, rotulados como “esquisitos” no contexto escolar.

            Apesar de ser um tema polêmico porque parece defender privilégios sociais, culturais e econômicos temos de lidar com a sua complexidade, seja porque cada caso deve ser analisado separadamente, e a avaliação dos educadores passa, necessariamente, pela subjetividade de cada um deles, agravada pela quase total ausência de psicólogos e/ou psicopedagogos nas escolas na mediação da compreensão e na solução dos casos, ou porque é uma discussão totalmente ausente na formação acadêmica e nas reuniões de estudos dos educadores, provocando a impressão de que tal discussão é desnecessária devido às dificuldades de seu tratamento.

            Talvez o exame do assunto deva iniciar-se pelo seguinte questionamento: A singularidade psíquica de alguns estudantes interfere em sua aprendizagem? Quais são as resistências dos programas de ensino a esta realidade, e como enfrentá-las? A faculdade do pensamento lógico só pode ser apreendida pelo estudo da matemática, fonte de muitos desgastes emocionais que pode provocar danos mentais ainda maiores aos educandos e estresse no exercício do magistério?

            A resistência aos padrões educacionais vigentes na grande maioria de nossas escolas - públicas e particulares - por parte de alguns alunos tende a aumentar devido a acessibilidade às informações culturais (TV e Internet) ou às deficiências na formação dos educadores, conforme frequentes discussões acerca do fenômeno da educação, entretanto, é preciso considerar a história psíquica do aluno – os fatores psicológicos que o levam a resistir a assimilar determinados conteúdos das aulas, ou se adaptarem às condições coletivas da educação – além de fatores genético-neurológicos, como a dislexia de desenvolvimento e distúrbios de aprendizagem, por exemplo.

            Conforme Carl Gustav Jung (1875-1961), o pano-de-fundo do histórico psíquico das crianças são as condições psicológicas de seus pais, avós e de outros antepassados, não atendidas completamente ou que não foram respondidas, e aguardam alguma providência por parte das crianças. Obviamente, em certas questões domésticas, os professores pouco podem fazer. “Em geral é no educando mesmo que o mal deve ser curado. Em tal caso importa encontrar o acesso à sua psique peculiar, a fim de que ele se abra à influência exterior. (...) Se quisermos provocar alguma alteração, precisamos passar para a consciência os fatos inconscientes, a fim de podermos submetê-los a uma correção” (O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1983, pp. 158-159).

            Jung esclarece, entretanto, que a educação a indivíduos deve levar em conta que em determinados casos “bons conselhos” podem alterar o funcionamento das famílias, em outros, porém, as intervenções devem ser realizadas por especialistas, para evitar danos maiores.

A alma da cidade


          Não se pode negar a existência de um profundo entrelaçamento da alma humana com a cidade. Psyché e polis são duas faces da mesma moeda. Não existe matéria sem alma, nem alma sem matéria. A solução das nossas dificuldades urbanas e a nossa sobrevivência passam pela psyché da cidade que habitamos.
O inconsciente com suas patologias e a necessidade de assimilá-las à consciência se manifestam na vida urbana, conforme o psicólogo junguiano Gustavo Barcellos.
O estado de nossa alma é manifestado ou ocultado no uso que fazemos de nossas ruas e praças, seja como motoristas e/ou pedestres; em nossos lares, junto aos familiares, vizinhos e amigos; na organização e/ou desorganização de nossas instituições públicas e privadas desde escolas, salões de festas, hospitais, casas bancárias e comerciais, até aos departamentos policiais; na carência e excesso de “espiritualidade”; na voracidade do consumo; nos jornais, revistas, canais de rádio e televisão ganha som e cores; e, atualmente, presente nos discursos dos candidatos a cargos executivos e legislativos da cidade.
Como afirma Barcellos: “O espaço público, no mais das vezes, volta-se contra nós, com feiura, desintegração e morte. [...] Negócios paranoicos, edifícios catatônicos e anoréxicos, consumo e lazer maníacos, instituições opressoras, burocracia esquizoide, linguagem convencional, ambientes urbanos hostis, enormidades delirantes, cifras deprimidas e uma constante repressão da beleza, para não dizer, da alma” (Voos e raízes: ensaios sobre psicologia arquetípica, imaginação e arte. São Paulo: Ágora, 2006, pp. 97-98).
Este estado de coisas revela a ausência ou distanciamento da alma nos processos de construção da vida urbana, isto é, como se nada nem a nós mesmos, tivéssemos algum significado ou pudéssemos compreender e alterar a realidade que produzimos.
Enquanto a alma permanece excluída em nossos processos urbanos, tornamos possível o que menos queremos: violência nas ruas e praças, quebra das boas relações entre familiares e vizinhos, perseguições políticas, desrespeito a coisa pública, perpetuidade de preconceitos sociais, estabelecimento de práticas que criam cidadãos de segunda categoria, promoção de práticas aéticas e imorais, desemprego crescente, traição e decepções de amizades que carregavam bons sentimentos.
A alma da cidade tem melhores planos do que aqueles que estamos executando. A alma da cidade possui uma inteligibilidade diferente, e mais profunda para as difíceis questões com que nos deparamos. A alma da cidade nos contém. Nós estamos na alma da cidade. Precisamos ouvi-la, reconhecê-la, senti-la. Sofremos porque a desconhecemos, a negligenciamos, não acolhemo-la.
Estas considerações não são fantasias abstratas, apenas complexas. Sua necessidade e urgência nos mostra que precisamos aprofundá-las.