segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Sentido para o nosso tempo

Em tempos de “eu não faço a menor ideia do que tô fazendo com a minha vida”, título do novo filme de Matheus Souza e Clarice Falcão, em que aborda o ser e o estar do jovem no mundo; em um contexto onde a tecnologia revela a sua face obscura ao nos vigiar o tempo todo, deixando-nos curtir a amarga precariedade psicológica e a vulnerabilidade de todas as relações humanas decorrentes que, por exemplo, levou à morte de Mita Diran, redatora da agência de publicidade Young & Rubicam, da Indonésia, após 72 horas ininterruptas de trabalho; das exigências impostas às nossas crianças para que aprendam, precocemente, conteúdos distantes do mundo lúdico infantil como a participação em atividades extraescolares e seu envolvimento no mundo eletrônico cada vez mais cedo, para melhor enfrentarem o mundo competitivo, somos levados a acreditar que o sentimento de estarmos ativos já é um antídoto contra a sensação de vazio e de solidão.
O pano de fundo destas circunstâncias é o sentido que damos à dimensão tempo.
Se o tempo é encarado como uma dimensão linear, nada pode ser feito contra o encadeamento dos eventos. Sequencialmente alinha tudo a todos, e vice-versa. Nesse sentido o tempo é devastador, sua passagem nos atropela. É lido na virada dos anos, às meias-noites. Nada pode ser feito senão acompanhado com frieza, como a uma máquina que não pode ser ajustada. É o reino do deus Cronos. É não-autobiográfico, quer dizer, não podemos interferir e alterar os seus feitos e as suas consequências.
Entretanto, o tempo é rítmico. É a única grandeza que comunga as tradições com a contemporaneidade; possibilita a junção da revolução com o espírito conservador; não separa o sagrado do profano; une o desespero com o sorriso de alívio; harmoniza a razão com a imaginação; combina o antigo com a novidade; orquestra a mais profunda reverência com a mais vil e bizarra perversão; opera o encontro do lado sombrio (nossos defeitos), com o Sagrado que não desiste de nós, mesmo quando negligenciado.
A dimensão tempo pode ser metaforizada como os anéis formados por uma pedra lançada sobre as águas tranquilas. O lago é  a eternidade. As pedras, o tempo. As ondas, as consequências dos eventos. Nossa vida acontece nos intervalos entre o tempo e a eternidade. É preciso olhar em profundidade, do anel mais próximo de nós, para o mais ao centro, se quisermos perceber os significados dos eventos. Esse tempo não segue calendários. É o reino do deus Kairós. Nele, os relógios absolutos são obsoletos. Mais importa a mensagem que os eventos aparentemente desconexos deixam, e observar o que vai além da simples aparência dos sofrimentos provocados. Neste sentido o tempo é autobiográfico.
“A vida é uma cadeia de acontecimentos que têm sempre um significado, ou seja, que nada acontece por acaso e que tudo o que nos ocorre cumpre a função de nos colocar onde devemos estar para vivermos as experiências que precisamos. Ao nos tornarmos aquilo que somos ou podemos ser, adquirimos a sensação e o sentimento de que os eventos inesperados da vida possuem um significado, um objetivo, que pode ser vivenciado e aprendido de acordo com a nossa capacidade de adaptação e de entendimento”, afirma Angelita Corrêa Scardua, Mestre em Psicologia Social pela USP/SP.
Feliz Ano Novo!

sábado, 21 de dezembro de 2013

Por que precisamos da história do Natal?

            “O “Deus te salve” de Gabriel não traz nenhum bem, a não ser que essa saudação seja dita a mim também” - Ângelus Silesius, pseudônimo de Johannes Scheffler (1624-1667), poeta alemão, místico e teólogo.

 
            Justamente porque a história do nascimento de Jesus tem a nos fazer bem, que ela nos é narrada como:
 
            A história do nascimento de Jesus mostra quantos contrastes há em nós quando nos comparamos com ela, e o quanto ainda ela tem a nos dizer.
            A simplicidade do cenário e das pessoas desafiam a nossa vida "sofisticada", "burguesa".
       A sofisticação nos distancia da naturalidade da vida humana. Temos uma capacidade muito grande para transformar nossa vida em algo artificial. Nossas relações, até os acontecimentos que nos desagradam, somos capazes de relatar com mudanças, com vistas a não lidarmos com os fatos tais como eles ocorreram. E, esta atitude é reforçada à medida que vivemos como se a vida fosse uma novela de televisão, onde tudo é artificial e montado para dar tudo errado ou tudo certo.
            Quanto mais artificiais somos, menos gostamos da vida e menos prazer temos em viver.
            O que vemos na história do nascimento de Jesus, é que os relatos foram registrados, sem artificialidade, sem seguir um script de um diretor que pretende agradar a audiência, mas com a simplicidade do acontecimento e das pessoas envolvidas.
 
        Outro contraste da história do nascimento de Jesus, é que acreditamos que sozinhos conseguimos o que queremos.
            Não tem pensamento mais contrário à história do Natal, do que este. Pois ela nos conta o encontro de uma família, que mesmo sendo inexperiente, o casal e seu filho, vencem juntos as adversidades. Poderíamos dizer, que para os padrões de hoje, José e Maria, seriam até ingênuos, pelo que dá a entender nas entrelinhas, pelo menos eram mais puros do que nós, porque não eram artificiais, e por isso venceram juntos as dificuldades que apareceram à frente deles.
            Eles não pensavam que sozinhos conseguiriam o que queriam. Se José era homem justo e se não queria difamar Maria, por uma gravidez da qual não se envolveu, estava diante da necessidade de ficar junto de Maria, mesmo que tivesse resolvido desmanchar o contrato de casamento sem que ninguém soubesse. E, Maria quando viu que não podia passar por aquela experiência sozinha, porque tinha muito medo, mas mesmo assustada, segurou-se numa Palavra que lhe garantia de que o impossível era possível acontecer e, buscou ajuda primeiramente em sua prima Isabel, que a encorajou para ficar firme no que tinha que passar. Mas, depois, talvez passado o susto, valorizou José ao seu lado, que compreendeu o que acontecia, e aceita por ele, teve forças para enfrentar o que vinha pela frente.
 
            A história do nascimento de Jesus nos mostra outro contraste com o modo como vivemos a nossa vida: a indiferença para com os que necessitam mais que nós.
Se bem que deste, não nos diferenciamos muito – trata-se, dos donos das hospedarias, onde Maria e José buscaram abrigo. É uma pena, que nos identificamos com os donos das hospedarias, que negaram um lugar mais decente, para o menino nascer.
            Porque não havia lugar para eles na hospedaria, Jesus nasceu numa cocheira e seu berço foi um cocho, onde os animais se alimentavam.
          Como membros da classe média, chamada também de burguesia, o contraste da nossa vida com a história do nascimento de Jesus é quando nos vemos como consumidores dos produtos ligados à festa natalina, e não mais ao espírito do Natal.
            O consumo dos produtos da Festa nos distancia do espírito de solidariedade para com os que têm menos, ou nada do que temos.
            Como os donos das pensões que não consideraram que ainda que se tratava de uma mulher desconhecida, mas que estava grávida e, que tinha direito como todas as outras mulheres que já tinham sido mães, ou que como ela, também tiveram seus filhos naquela mesma noite. Preocupados com os lucros dos seus negócios, não tinham tempo para pensar nos outros.
            Nós, também, muitas vezes, durante o ano todo agimos como eles, como se outras pessoas, ainda que desconhecidas, não tivessem os mesmos direitos que temos, ou então, não nos importamos com as necessidades deles porque estamos tão envolvidos em nossos próprios interesses, que não podemos nem ao menos pensar neles.
 
              Outro contraste da nossa vida com a história do nascimento de Jesus é que as personagens da história não eram comodistas com a vida que levavam.
            Nem José, nem Maria, nem os pastores e nem os astrônomos do oriente eram pessoas acomodadas com a vida que levavam. Se fossem, não teríamos Natal.
            O que quero dizer, é que eram pessoas que tiveram que fazer adaptações em suas vidas, devido às condições que se impuseram sobre eles. Nenhuma daquelas pessoas planejou nem se quer desejou passar pelo que passaram. Todas tiveram que abrir mão de suas próprias vontades, para só então verem o que seus olhos tiveram o privilégio de ver.
            O mesmo conosco. Se não vemos coisas maravilhosas acontecerem em nossas vidas, não é porque elas não acontecem, mas sim, porque não queremos nos adaptar à vida, queremos que tudo aconteça do nosso jeito, e ai dos que nos contrariam ou que pensam diferente de nós, e assim, ficamos incomodados e, sempre insatisfeitos com o que nos acontece, porque exigimos muito dos outros e de nós mesmos, coisas que bem sabemos que não têm importância, e são totalmente irrelevantes e bem que poderiam ficar em segundo plano, e nunca serem exigidas, como condições para sermos felizes.
            A história do nascimento de Jesus se opõe às condições que tentamos impor para que a vida seja do nosso jeito.
            Maria viu que não poderia ser comodista, porque Deus se impusera a ela de maneira que não teve outro jeito senão dizer: “Eu sou a serva de Deus, que aconteça comigo o que o Senhor quer”.
            José teve de deixar seus ideais de vida,que até então poderiam ter funcionado, mas que agora teriam de serem deixados de lado; sua honestidade estava sendo provada: receber sua noiva, sem casamento e, ainda grávida.
            Ah! Se eles não tivessem compromisso com a vida! 
          E, os dois em Belém? Ao buscarem um lugar para que o menino nascesse não encontraram senão uma cocheira e tiveram que aceitar o que era possível. Podemos considerar que José possivelmente tenha buscado ajuda em seus amigos de infância, pois havia nascido naquela cidade ou de gente conhecida, mas não encontrou ninguém que os recebesse.
            E, se fossem teimosos, turrões ou comodistas certamente teriam motivos para se revoltarem, contra tudo e contra todos, só porque a vida não era o que achavam que devia ser. Mas, não teimaram, não se revoltaram, mas aceitaram o que era possível.
            A vida, às vezes, para não dizer sempre, nos coloca em situações, que o melhor a fazer é adaptar, deixar de lado o ideal tão desejado. A realidade se impõe sobre o ideal, e exige adaptações. E a nossa felicidade terá a medida de sermos capazes de nos adaptar.
            E, quanto aos pastores e os astrônomos? 
          Se ficassem em seus lugares, não fossem até Belém, seriam infiéis para com a visão que tiveram, e perderiam a oportunidade de adorar a Deus, em carne e osso.
            Nós, também, perdemos muitos privilégios só porque não queremos sair do lugar que estamos! E, por que? Só porque somos comodistas. Não há outro motivo mais justo do que este?
            As situações por piores ou mais insuportáveis que nos pareçam, nos servem para que esperemos por algum momento melhor que nos possa acontecer inesperadamente, assim como foi a descida de Deus entre os homens. E, enquanto esperamos, ganhamos paciência, assim como o menino naquela estrebaria, que ainda tinha muito por viver e crescer. Ainda que não fosse mais que uma criança, na manjedoura, mas que cresceria, muitos anos passaria, pelo menos 30 anos, até então, ser levantado entre os homens, para atrair a todos que percebendo os contrastes de suas vidas com a vida dEle, se rendessem ao pé da cruz.
            Que nosso Natal seja mais parecido com a história do nascimento de Jesus, para que seja verdadeiramente feliz!

Abaixo a teatralização do Natal

            Maria, uma jovem adolescente. José, um carpinteiro. Belém, cidade de Davi. Pastores de ovelhas. Reis do Oriente. Estrela. Manjedoura. Anjos. Estrebaria. Ouro. Incenso. Mirra.
            Algumas referências ao evento mais importante de uma das maiores religiões do mundo: “Um menino vos nasceu”, segundo a narrativa bíblica.
            Nada chama mais a atenção do mundo do que o nascimento de uma criança. Tudo para. Tudo fica em suspenso. E, no caso, se nada fosse tão extraordinário, ainda assim o Cristianismo teria a energia de atrair e aproximar as pessoas.
A criança mobiliza todos os sentimentos humanos. Basta observar uma casa onde acaba de chegar uma criança. Os pais ficam sem saber o que fazer durante algum tempo. A casa “vira de pernas pro ar”. Nada mais interessa a uma mãe, a não ser o seu rebento. Um colega, ao conduzir o primeiro filho para casa, passou na padaria e levou trinta pães, sendo que no dia anterior, como de costume, levara apenas quatro.
É uma pena que, na maioria das comemorações do Natal, suas representações se fixem na literalidade das personagens, ou dos fatos que o cercaram. Isto sinaliza uma limitação emocional quanto aos símbolos da Festa. Parece que não sabemos celebrar sem recorrer à teatralização, ou às músicas que repetem sempre a mesma coisa, sem falar da correria mercantil a que nos submetemos sem reflexão. O que está ocorrendo? Não somos capazes de imaginar os significados da data para os nossos dias?
A mensagem do Natal passa pelos nossos instintos mais profundos, até primitivos.
É preciso termos um ponto de referência fora da realidade marcada pelo excesso, pela ambição, pela indiferença, pela valorização do que se tem e não do que se é, se quisermos sentir que a vida tem algum sentido que vai além das coisas e das pessoas que nos cercam. Pois, afinal, assim nos conta a narrativa – “não havia lugar na estalagem”, por isso o Menino teve de nascer onde se recolhia os animais.
Celebrar o Natal, neste sentido, passa por um autoexame quanto às nossas reações, aos padrões de comportamento e de atitudes que tomamos frente às opiniões dos outros acerca do que nos acontece, seja em relação à família, aos negócios, à espiritualidade, aos amigos, etc.
Se não quisermos discordar de nós mesmos, daquilo que somos, temos de recorrer ao que se passa em nosso interior, pois “no mundo de fora” não é possível encontrar o apoio de que se necessita para tomar as melhores decisões; ainda que surjam represálias e humilhações, a essência de quem se é permanece preservada.
O dia nos chama a atenção para o valor da humildade que contrabalança com as comodidades da vida moderna, que acredita no poder das tecnologias, pois como nos é contado, Reis do Oriente e pastores de ovelhas foram ver o Menino.
De que forma podemos celebrar a humildade?
Se não é possível não acompanhar a evolução tecnológica (os Reis do Oriente), é preciso ter consciência de que possuímos instintos, um lado simples (os pastores de ovelhas), considerado tolo por alguns, como: a sexualidade, a fome, a reflexão, a criatividade, as atividades simples, conforme entendia C. G. Jung.
Refletindo, apenas em três deles: a fome nos faz lembrar da necessidade de autopreservação, especialmente quando a privacidade está sendo cada vez mais descartada depois do advento da internet. A criatividade é o que nos leva a buscar a melhorar o mundo. E, as atividades mais simples, como pintar, dançar, esculpir, viajar, escrever nos levam a manter vivo o gosto por mudanças no jogo diário da vida.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A "gestação" da velhice

“Não é apenas o passado que nos condiciona, mas, também o futuro, que muito tempo antes já se encontra em nós e lentamente vai surgindo em nós mesmos” (JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 115).
“Depois que ‘trintei’, nunca mais contei!”; “Depois dos ‘enta’, é só agüenta!”; “Quem me dera ter de volta os meus 15-18 anos!”
Frases como estas nos comunicam a ideia de que poderia-teria-deveria vivenciar muitas outras experiências das quais, por vários motivos, ficaram para trás.
Parece que o maior incômodo é que a velhice se aproxima implacavelmente e, será um período repleto de dissabores, privações e de experiências negativas.
Ser capaz de se alegrar com o passado, ainda que não tenha sido tão feliz, é o desafio que se impõe a todos que se encontram na faixa dos 40-50 anos.
Somos, sim, incapazes de abrir mão da obstinada ideia de nos mantermos apegados a uma felicidade “perfeita” e dos hábitos egoístas que nos deram a identidade que acreditamos não sabemos viver sem ela, por isso lutamos tanto para que tudo permaneça como “sempre” foi, sem considerar, entretanto, a possibilidade de que só é possível alcançar uma personalidade mais rica e ampla sacrificando um ego construído “às duras penas”, ainda que subjetivamente sintamos que algo mais precioso pode ser alcançado.
Neste período da vida (aos 40-50, mais ou menos), é preciso acompanhar aos sutis movimentos do inconsciente. Segundo C. G. Jung (1875-1961), este processo se dá “muitas vezes como que uma espécie de mudança lenta do caráter da pessoa, outras vezes são traços desaparecidos desde a infância que voltam à tona; às vezes também antigas inclinações e interesses habituais começam a diminuir e são substituídos por novos” (A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 345).
É como se dá com o curso do sol: o astro-rei ascende das profundezas noturnas do inconsciente e se encanta com toda sua energia que é capaz de emitir para o universo, mas é incapaz de prever que caminha ao zênite. Ao chegar no ponto mais culminante, inicia seu processo de declínio, quando recolhe dentro de si seus próprios raios para iluminar a si mesmo, diminuindo a luz e o calor, até o completo ocaso.
Esta é uma verdade psicológica. Nossa psique nos faz ver que mudanças interiores se processam num nível bastante profundo. E, não há ninguém que nos alerte para este movimento interior, o que provoca, em alguns, desespero para que nada seja alterado. A sensação é de olhar para frente e não saber o que vai ser, e olhar para trás sentindo que muita coisa ficou incompleta ou não é mais possível ser realizada.
“Não podemos viver a tarde de nossa vida segundo o programa da manhã, porque aquilo que era muito na manhã, será pouco na tarde, e o que era verdadeiro na manhã, será falso no entardecer”, afirma Jung (idem, p. 348).
A gestação da nossa velhice está em processo desde nossa infância. Ao perceber os sutis sinais emitidos de seu aparecimento é preciso acompanhá-los com a alma sedenta por aprender um novo jeito de ser no mundo, sem medo das alterações que ocorrerão, mas tendo a perspectiva de que se está assimilando um sentido de vida mais amplo.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Conheça a Clínica de Psicologia

No endereço:
http://silvioperes.wix.com/clinicadepsicologia
Seja bem vindo!

O "mergulho" nosso de cada dia

As peças publicitárias de um grande banco inglês tocam num tema bastante interessante. Homens, mulheres e, a mais recente delas, um menino, refletem quanto ao que deixaram de experimentar porque resolveram não gastar algum dinheiro disponível, reservando-o para um futuro distante. Todas as personagens como que “mergulham” nas profundezas de seus inconscientes pessoais, trazendo à tona os conteúdos que em algum dia foram conscientes, mas que reprimiram ou se esqueceram de viver, devido às decisões que tomaram frente à vida. Entretanto, percebem que estão absolutamente sozinhos e órfãos diante da realidade ou da proximidade da morte, e resolvem dar “uma virada” na tentativa de “nascerem” para uma vida, até então, não vivida. 
Tal experiência é mais comum do que imaginamos. Desde que “comemos do fruto do conhecimento do bem e do mal” conforme o mito judaico-cristão, o desafio da ampliação da consciência se impõe. À medida que ficamos mais velhos, as comemorações de aniversário se acumulam ou, cada final de ano acontece, o “mergulho” nosso de cada dia se torna cada vez mais inevitável, levando-nos a “profundidades” que nos pareciam não existir, graças à capacidade inesgotável de refletir, duvidar e experimentar, pois só assim nos tornamos mais conscientes.
Como, recentemente, alguém disse: “Não gosto de falar sobre idade, porque percebo o quanto a vida já passou, já foi!”
Temer, tentar evitar ou bloquear o ritmo do “mergulho” impede o crescimento da consciência que a confrontação psíquica quer nos produzir. Queremos certezas e não dúvidas, resultados e não experimentos. Não queremos conhecer o estado de divisão interior a que os problemas nos induzem. É como se existisse um segundo eu, que nos diz o quanto o primeiro tomou o seu lugar. Percebemos que estamos “divididos”, que não somos os únicos “donos em nossa casa”. Ser adulto é duvidar a respeito de si mesmo, suportar quando discorda de si e, aceitar aquilo que é diferente e estranho daquilo que acredita ser. É não se tornar alheio daquilo que pode ser no futuro, só porque teme sacrificar o presente. É sempre bom olhar para o passado, para que os conteúdos que acreditamos que ficaram para trás tornem à superfície. Nossas necessidades insatisfeitas questionam as convicções defendidas com unhas e dentes, e até, os nossos princípios morais e de vida são revistos.
“Depois que sofri um acidente de carro deixei para trás uma pessoa que nunca deveria deixar. Eu era mais curioso, mais interessado pela vida, em descobrir e ter novas experiências. Fiquei mais previsível, temeroso e inseguro. Perdi a capacidade de me adaptar aos imprevistos e, me adaptei às convicções dos outros”, disse-me outra pessoa.
É preciso tomar alguma atitude quanto aos conteúdos que deixamos para trás, quanto àquilo que nos tornamos por ter-nos separado do que era a nossa essência, pois “os aspectos da vida que poderiam ser igualmente vividos, mas jazem no depósito de velharias, em meio a lembranças recobertas de pó; muitas vezes, no entanto, são brasas que continuam acesas por baixo de cinzas amarelecidas”, conforme C. G. Jung, em “A natureza da psique” (Vozes: Petrópolis, 2000, p. 345), somente aguardando um “mergulho” para dar à vida o seu sentido original.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Aspectos psicológicos do endividamento financeiro

Por que nos endividamos?
Quem não sabe das altas taxas de juros do cartão de crédito, do cheque especial ou do famigerado agiota, ou realmente não quer saber e nem procura por estas informações, ou simplesmente não se importa com o crescimento da dívida, mas, mesmo assim, se queixa de não ser capaz de viver sem dívidas. Entretanto, como se sabe, todas as necessárias informações quanto a estas cobranças estão disponíveis, bastando uma simples solicitação.
O psicólogo analítico Alex Borges Rocha, nos lembra que apesar de no Brasil a moeda se chamar “Real”, o dinheiro é cada vez mais “virtual”; que num tempo as pessoas recebiam o salário em “dinheiro vivo” e manipulando-o percebiam as reais possibilidades orçamentárias. Se o tivessem, comprava-se. Se não, não comprava.
Realmente, não é  difícil perceber o quanto algumas pessoas perderam a dimensão real, tangível, palpável, concreta do dinheiro. É como se o mesmo fosse algo subjetivo, virtual, quase irreal. Daí, cada vez mais, falamos ou ouvimos frases do tipo: “Hoje, eu não tenho, mas acho que vou ter no dia tal, então vou comprar, depois vejo o que faço”. “No mês seguinte, vai entrar um dinheiro, então...”. “O negócio era tão bom, que tive uma intuição, e no final tudo vai dar certo!” “Quero comprar tal coisa, mas agora não tenho dinheiro, então, passo o cartão, dou cheque pré-datado, entro no cheque especial, faço um carnê”. “Poxa, também, sou filho de Deus. Mereço um prêmio”.
Realmente, tratar o dinheiro dessa maneira fica difícil viver sem dívidas, uma meta distante, impossível de ser alcançada.
Parece-me que a questão não se resume a manter-se distante dos templos de consumo, especialmente nesta época do ano, mas trata-se de algo que se passa numa camada mais interior.
Para Rocha: “É sabido que quem vive dentro de um orçamento planejado não entra em dívida, mas tem que lidar com a frustração. [...] Saber qual é o real poder de compra é criar consciência de quanto se ganha e quanto se gasta” (O psicólogo clínico e o dinheiro. Revista Hermes, nº 17. São Paulo: Instituto Sedes Sapientiae, 2012, p. 14).
Quanto mais baixo o nível de suportar a frustração, maior deve-se aumentar as entradas financeiras, e não o número de parcelas.
O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), nos lembra: “Neurose é um estado de desunião consigo mesmo, causado pela oposição entre as necessidades instintivas e as exigências da cultura, entre os caprichos infantis e a vontade de adaptação, entre os deveres individuais e coletivos. A neurose é um sinal de parada para o indivíduo que está num caminho falso, e um sinal de alarme que o induz a procurar um processo de cura pessoal” (Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 356).
quem devo mais: a mim mesmo, ou às expectativas alheias? “Preciso” ou “desejo”? Por que cobrar de outras pessoas aquilo que só eu posso pagar-me?
“O dinheiro é um dos grandes determinadores [...] do valor que temos com relação a coisas e pessoas”, conforme o rabino Nilton Bonder (A Cabala do dinheiro. Rio de Janeiro: Imago, 1991, p. 153).
Fazer e pagar dívidas indicam quem sou nesta vida, e o que a vida é para mim.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

XXIX InterQuinta_Jung – Debate

         Exibirá o filme: “A Beira do Caminho”, seguido de debate.
Sinopse: A emocionante história de João, um homem que encontra na estrada uma saída para esquecer os dramas de seu passado. Por acaso ou sorte, seu caminho se cruza com o de um menino em busca do pai que nunca conheceu. A partir desse encontro, nasce uma bela relação que movimentará o delicado equilíbrio construído por João para enfrentar seus fantasmas. De Breno Silveira, o diretor de 2 filhos de Francisco, à beira do caminho evoca e se inspira em letras de sucesso de Roberto Carlos.

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                                                            Informações Técnicas

Título: A Beira do Caminho
Ano de Lançamento: 2012                                                                            Recomendação: 14 anos
Direção: Breno Silveira                                                                                   Gênero: Drama
Duração: 82 minutos
País de Origem: Brasil
        
Elenco: João Miguel; Vinicius Nascimento; Dira Paes; Ângelo Antonio.

Data da Exibição: 28/11/2013
Horário: 20h00      
Local: Sala de Projeção Municipal, piso superior da Biblioteca Municipal. Entrada pela Av. Rio Branco.

Comentários:

Débora Azinari Golmia: Bacharel em Direito pela Universidade de Araraquara. Fotógrafa Técnica Pericial pela Academia da Polícia Civil do Estado de São Paulo, onde atua há 18 anos na Polícia Científica de Marília. Psicóloga formada pela Unimar com atuação Clínica.

Entrada Franca- Vagas Limitadas

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Sobre o Dia da Consciência Negra

Desde que o homem percebeu a realidade do outro, apresenta e desenvolve em seus relacionamentos, variando intensidades, os mesmos padrões emocionais, de atitudes e de imagens sobre quem é o outro para si. Isto é, a convivência com o outro é uma experiência arquetípica, ou ainda, psiquicamente somos equipados com padrões primordiais quanto ao contato e relacionamento com outras pessoas.
É disto, justamente, que aborda o Dia Nacional da Consciência Negra. Trata-se de uma reflexão quanto à necessária percepção da realidade do outro e dos diferentes pólos que estas relações proporcionam. Tal reflexão vai além das ações afirmativas nos campos culturais, econômicos e sociais. Passa pelo campo psíquico, a saber, a vivência do Arquétipo da Alteridade.
No campo pessoal, se a vivência do Arquétipo Matriarcal leva-nos a um relacionamento maternal, ou seja, a adotar cuidados como uma mãe trata e se apega aos filhos que, na maioria das vezes, pela grande intimidade que se estabelece, impede o desenvolvimento pessoal do outro e, a vivência do Arquétipo Patriarcal leva-nos a um relacionamento paternal, isto é, a assumirmos uma posição mais abstrata, distanciada, assimétrica e elitista, que tantos de prejuízos psicológicos aos filhos, a vivência do Arquétipo da Alteridade nos chama para um relacionamento dialético, isto é, de aproximações, de comparações respeitosas e mútuas, de trocas de valores, de confrontos com o diferente, de flexibilidades.
No caso do País, sob a regência do Arquétipo Patriarcal, estabelecemos uma sociedade hierarquizada, desigual e elitista, a partir da adoção da pregação jesuítica e, mais tarde, pelos diversos protestantismos históricos que se estabeleceram com o início do período republicano, os quais não se importavam, e até alguns se beneficiavam, do funcionamento de uma estrutura escravocrata durante mais de 300 anos, legando-nos um sistema cultural, comercial, social e religioso desigual. Sob a regência do Arquétipo Matriarcal, organizou-se uma sociedade dependente de superpotências, trazendo como consequência um forte sentimento de autocomiseração, a partir da vinda da família real e da corte portuguesa, com sua força armada responsável pelo genocídio dos povos indígenas, pela exploração de nossas riquezas minerais para pagamento de dívidas que financiavam a classe dominante, na organização política oligarca, na divisão das terras em províncias dependentes de um sistema econômico-financeiro corrupto e indiferente para com os miseráveis. Ambos legaram um povo pobre de heróis, com uma memória sociopolítica míope, deixando à mostra as vísceras da miséria, da injustiça, da violência, da corrupção, do abandono e diferenças sociais, um princípio de alteridade violentado.
“É com essa capacidade de avaliação da relação Matriarcal-Patriarcal, pelo Arquétipo da Alteridade que nos permite ver a luz e a sombra da civilização e onde há que se penetrar e buscar resgatar as feridas da humanização”, afirma Carlos Alberto Botelho Byington, em O processo de humanização, os arquétipos e a transformação cultural (Terra Brasilis: Pré-história e arqueologia da psique. São Paulo: Paulus, 2006, p. 226).
Quer dizer: Casa Grande e Senzala, antes separadas pelas forças dominantes, são irmãs univitelinas à espera de um resgate psíquico, apesar das complexidades implicadas e, exige tempo e paciência, mas, principalmente, perseverança e luta para diminuirmos o fosso que insiste persistir.
Só o Arquétipo da Alteridade pode nos conduzir, a bom termo, num processo humanitário e humanizador. A nossa identidade cultural apresenta aspectos que contém todos os elementos necessários para a vivência do Arquétipo da Alteridade, e suas benfazejas riquezas distribuídas em todas as nossas regiões, a saber: a musicalidade com seus ritmos maravilhosos, a diversidade religiosa ameríndia, africana e européia, a festividade definida pela alegria extrovertida, e a singularidade da maravilhosa Língua Portuguesa, com sua variedade regionalista.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A psique e o mundo virtual

            “A fé que se tem no nosso mundo e no poder do ser humano tornou-se – apesar de afirmações em contrário – a verdade prática e, por enquanto, inabalável” (JUNG, C. G. Um mito moderno sobre coisas vistas no céu. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 15).
            Com isto, o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), critica o espírito soberbo que guia a prática científica quanto aos avanços tecnológicos alcançados, e desprezo acadêmico sistemático e sistêmico quanto a outras formas de conhecimento acumulados durante milênios da história humana.
            A Cibercultura é parte de uma realidade da qual parece não haver mais volta, devido a sua onipresente influência sobre nós, definidos pelas contingências do mundo tangível. Experiências pessoais e reais parecem ficar, cada vez mais, no passado, mesmo quando datam de milhões de anos.
            A utilização da tecnologia das comunicações virtuais tem gerado novos sofrimentos psíquicos. Pelo mundo afora encontramos núcleos de pesquisas quanto à psicologia e suas interfaces com a informática, que estudam o agravamento do medo, da depressão, da paranoia, da angústia, do ciúme, da síndrome do pânico, do transtorno bipolar, do TOC, da TPM, entre outros, mesmo diante de tanto avanço tecnológico.
            As facilidades oferecidas pelos serviços virtuais – informações, acessos aos serviços públicos, privados e bancários, compras on-line, sistemas de comunicação – já estão motivando o aparecimento do fenômeno “Digital Detox”, uma espécie de “dieta digital, desconexão, abandono da rede, um afastamento da tecnologia e das mídias digitais [...] para restabelecer algum equilíbrio nas vidas dos usuários [...] que desenvolvam atividades como aulas de culinária, pesca e leitura de um livro em papel, conversar, ler e jogar jogos [...] a serem mais conscientes do uso da tecnologia” (Masuma Ahuja. Precisa de um descanso da internet? Estadão:15/11/13, p. B16).
            Outro grave problema do mundo dos websites: a fixação em tudo que é de ordem material. A tecnologia eletrônica nos separou do calor humano e do sagrado. Somos vítimas da nossa fantasia de que formamos uma espécie independente uns dos outros e da dimensão transcendente, não porque inexistem, mas meramente porque resolvemos que podemos viver sem eles.
            Submetidos à exaustão das informações em forma de imagens, permitimos nossa consciência livre e imaginação criadora fique amordaçada a experiências sem sentido. Tanto no plano coletivo quanto individual, o desafio é resgatar o sentido da vida, se abrir ao prazer e à alegria do outro, sem o medo que o apego ao poder produz.
Temos de enfrentar as condições a que o mundo WWW pode nos conduzir, marcado pelos pensamentos obsessivos, caso não queiramos ser vencidos pelas partes que insistimos mantê-las distantes de nossa vida – calor humano e a presença da transcendência, da qual perdemos o apetite, por acreditar que todos os mistérios foram desvendados com o advento do computador.
            As mídias nos querem fazer crer que somos “alguma coisa chapada, sem profundidade, sem significado e cuja consciência se limita ao imediato, superficial e consumível”, como afirma Maria da Graça Serpa, psicóloga, membro do Instituto Junguiano do Rio Grande do Sul (O mito de Perseu e da Medusa e os processos de petrificação. Cadernos Junguianos. v. 6, n. 6, agosto 2010. São Paulo: AJB, 2010).

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Oportunidades que as drogas podem proporcionar

            Em “A Pipa e a Flor” (São Paulo: Loyola, 2004), Rubem Alves nos brinda com uma parábola que trata da experiência humana com as drogas.
A Pipa, aos poucos, enfeitiçada pelos olhos da Flor, substitui a imensidão dos céus pela altura dos muros que cercam o quintal; perde o desejo daquilo para o que fora criada, submetendo-se às vontades, cada vez mais exigentes da “florzinha”.
É muito difícil manter a integridade física, moral, social, psicológica e espiritual, diante do brilho das promessas que as drogas – álcool, cocaína, cigarro, cerveja, crack, maconha – oferecem.
Entretanto, o “encurtamento da linha”, os efeitos que o uso/abuso das drogas provoca à vida, constitui-se numa oportunidade para alguns questionamentos.
O que o “baseado”, o “copo”, a “garrafa”, o “cigarro”, a “seringa”, a “carreira”, a “pedra” fala comigo – o que é que há em mim que me faz sentir ser tão parecido com a droga? Que não sou forte o suficiente para assumir as consequências que ela causa em mim e naqueles que estão perto de mim?
O uso/abuso das drogas me colocou em contato com coisas a meu respeito que não estava preparado, com um antídoto para enfrentar com responsabilidade ética e moral o seu poder fascinante e perigoso, e me fez conhecer coisas a meu respeito que não estava na hora de saber – que “coisas” são estas?
Entrei num local interno/dentro de mim e tomei “algo” que não deveria tomar – o que é? – e, o que fazer com isto? – qual o melhor destino que preciso dar a isto? Entregar aos outros – familiares, amigos e sociedade – e deixar que eles façam alguma coisa com aquilo que é meu e, que só eu posso cuidar? Por que não assumir o cuidado comigo e com aquilo que saiu de mim, se estas coisas sou eu mesmo?
Será que o susto de ter as mãos cheias destas coisas não é suficiente para que eu não continue trazendo de lá de dentro o que precisa ficar lá?
Por que tornar como única opção o uso/abuso das drogas – não existem outras dimensões em minha vida? Por que não aceitar as que existem? Como posso perceber outras dimensões para viver?
Fugir às dificuldades de assumir as frustrações, os limites, a baixa auto-estima, por que não tomar estas situações como formas de assumir a vida como ela é, e não como gostaria que ela fosse? Por que rejeitar a vida como ela é, se não é possível transferir as responsabilidades para outros, porque eles também têm suas frustrações, limitações e dificuldades?
Por que penso “grande” a meu respeito – qual o meu real tamanho diante de mim, da minha vida? Não sou grande o suficiente para não sofrer? Então, por que penso que sou tão forte o suficiente para enfrentar a dependência química? Por que sou tão fanático em acreditar que sou mais forte que as drogas? Por acaso, sou “Deus”? Se sou, por que ser tão destrutivo assim, como posso me tornar uma força benéfica, construtiva, libertária, agregadora?
Qual é o meu objetivo quando pensamentos desastrosos me veem à mente? Se tive esses pensamentos, qual a conclusão a que devo chegar? O que significa para mim o fato de eu ter me metido nisso tudo, e chegar até a este ponto? Onde está a mão de Deus em tudo isto, para o quê ela está apontando a meu respeito, que só agora posso enxergar, apesar de todos os sofrimentos?
Quem vencerá a luta da vida: o egoísmo imoderado, ou a ética com a própria vida? Qual o meu significado pessoal nesta vida?

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

100 anos de Vinícius de Moraes

Vinícius de Moraes nasceu no dia 19 de outubro de 1913, no Rio de Janeiro. Lá se vão 100 anos.
Poeta, diplomata, escritor, jornalista, letrista, dramaturgo, cronista, compositor, intérprete e ..., Vinícius, acima de tudo um apaixonado pela vida e por tudo que ela oferece, mas em especial as pessoas: amigos, operários, artistas, intelectuais, gente humilde, boêmios, e é claro, mulheres – “com todas delicado e atento”, até mesmo com as “feias”, e quando as abandonava.
A paixão o levou a experimentar altos e baixos, quer dizer, todas as suas dimensões; conheceu o céu e o inferno do amor, e como disse: “Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavaleiro e ser de sua dama por inteiro”.
“Vinícius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural”, conforme Carlos Drummond de Andrade (CASTELLO, J. Vinícius de Moraes: O poeta da paixão: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 11). Como afirma C. G. Jung (1875-1961): “O poeta é, por assim dizer, idêntico ao processo criativo, tanto faz que ele se tenha colocado deliberadamente à frente da moção criadora ou que esta o tenha tomado por inteiro como instrumento, fazendo-o perder qualquer consciência deste fato. Ele é a própria realização criativa e está completamente integrado e identificado com ela com todos os seus propósitos e todo o seu conhecimento” (O espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 61).
O “poetinha” se deixou ser experimento das emoções, servindo-nos de sinal quanto à necessidade de colocar a intelectualidade em seu devido lugar. Aliás, esta era usada para produzir imagens de seu estado de alma. Assim ele declarou: “Acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor-paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito” (LISPECTOR, C. De corpo inteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 18).
Para Jung: “Nada é mais nocivo e perigoso para a vivência imediata do que o conhecimento” (idem, p. 66). Não são ideias que mudam o mundo, mas a arte que transcende qualquer compreensão consciente e, quanto melhor, quando se dirige contra a norma estabelecida pela racionalidade, que precisa ceder lugar à fenomenologia psíquica, a criatividade, a gênese de toda ciência.
Nada mais influenciava Vinícius Moraes. A criatividade em forma de poesia o levou a servir a humanidade. A criatividade foi a sua maior paixão, sua única e exigente “dama”. Ele escreveu: “Porque a poesia foi para mim uma mulher cruel em cujos braços me abandonei sem remissão, sem sequer pedir perdão a todas as mulheres que por ela abandonei. (...) Porque haverá nos olhos, na boca, nas mãos, nos pés de todos uma ânsia tão intensa de repouso e de poesia, que a paixão os conduzirá para os mesmos caminhos, os únicos que fazem a vida digna: os da ternura e do despojamento” (MORAES, V. Para viver um grande amor: crônicas e poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 171).

Devo registrar que a minha inspiração hoje foi o texto de Dulce Helena Rizzardo Briza, analista didata e autora de referências da psicologia analítica, encontrado em: Vinícius, o poeta do amor; Jung, o poeta da alma (Cadernos Junguianos, Associação Junguiana do Brasil. nº 5, setembro. São Paulo: 2009, pp. 44-57).

Crianças e adultos em (des)sintonia

Desde os primeiros contatos com os adultos, as crianças testam se são ou não correspondidas em suas diversas maneiras de estarem no mundo como seres vivos e reais, capazes de provocar trocas interpessoais e subjetivas. É como se as crianças tivessem um “dial”, através do qual percebem se estão ou não sintonizados à vida, à sua existência. Não diferente com os adultos, afinal, quase sempre “desconfiamos” se somos ou não aceitos no meio social em que estamos ou que pretendemos participar. A diferença é que as crianças não fazem escolhas, mas são postas nas situações que a natureza lhes impôs, no caso, terem os pais que têm. Portanto, é responsabilidade dos pais ou dos cuidadores, graças às suas vivências e maturidade afetiva, oferecerem um espectro mais amplo de trocas interpessoais e subjetivas às crianças, se quiserem que os pequenos vivam de modo mais “sintonizado” possível, segundo Mario Jacoby (Psicoterapia junguiana e a pesquisa contemporânea com crianças: padrões básicos de intercambio emocional. São Paulo: Paulus, 2010).
            Adultos e crianças estão, a todo tempo, procurando sintonizarem-se uns aos outros, desde os olhares e movimentos dos braços em direção à mãe na tenra infância, e nas diversas tonalidades dos choros das crianças e das vozes dos adultos, passando pelos gestos e/ou pelos silêncios de ambos, em constante avaliação, se são ou não correspondidos suficientemente.
            Quanto mais “dessintonizado” for o relacionamento entre as crianças e os adultos, especialmente com os seus pais e/ou cuidadores, os problemas de ordem psíquica aparecem e se desenvolvem.
            A pergunta que se impõe é: Como a criança experimenta as dessintonias com os adultos?
Mesmo precocemente a criança sente os perigos de ter pessoas se aproximando de suas experiências subjetivas – se são portadoras de riquezas mentais com as quais podem se relacionar com segurança, ou se representam ameaças que distorcem ou se apropriam, indevidamente, das suas experiências internas.
As crianças percebem se os adultos são ou não autênticos com elas, se podem ou não confiar neles, e é assim que desenvolvem a confiança nos outros e em si mesmas.
Assim, pais e/ou cuidadores precisam saber interpretar as necessidades sociais das crianças que podem ou não serem atendidas, procurando evitar as mensagens duplas na comunicação do que eles querem delas. Quer dizer: os adultos precisam atentar quanto às reais intenções que as crianças têm em relação a eles e aos outros, para que suas interferências sejam bem sucedidas.
Mensagens duplas deixam as crianças desorientadas, pois não sabem qual a melhor escolha a tomar, se há momentos em que se sentem aceitas e rejeitadas em outros, e muitas vezes pelas mesmas atitudes, sem saberem os reais motivos, ficando sempre ao sabor dos humores dos adultos.
Não é difícil prever que os distúrbios psíquicos, neste contexto, são danosos. É como se uma experiência afetiva alienígena se implantasse na estrutura mental da criança, levando-a a revelar-se uma pessoa diferente daquilo que ela poderia ser, se precisou ser corrigida e não foi, como também, se bastava ser estimulada naquilo que não tinha tanta importância, mas que foi reprimida.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

XXVIII InterQuinta_Jung – Debate

            Exibirá o filme: “Minhas Tardes Com Marguerite”, seguido de debate.

Sinopse: Germain é um cinquentão quase analfabeto. Marguerite é uma senhora apaixonada por livros. Quarentas anos e muitos quilos os separam. Um dia, por acaso, ele senta ao lado dela em um banco no parque. Ela recita em voz alta versos dando assim, a ele a chance de descobrir a magia dos livros, que nunca fizeram parte de sua vida. Mas Marguerite está perdendo a visão e pelo carinho e afeto que serão criados dessa relação, Germain irá aprender a ler, para mostrar que pode fazer, quando ela não puder mais.

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                                                                        Informações Técnicas

                                                                            Título: Minhas Tardes com Margueritte
                                                                             Ano de Lançamento: 2010                                                                                                               Recomendação: 12 anos                                                                                                    Direção: Jean Becker                                                                                                                       Gênero: Drama
                                                                                     Duração: 82 minutos
                                                                                      País de Origem: França
                                                                        

Elenco: Gerárd Depardieu; Gisèle Casadesus; Maurane; Patrick Bouchitey.

Data da Exibição: 31/10/2013
Horário: 20h00      
Local: Sala de Projeção Municipal, piso superior da Biblioteca Municipal. Entrada pela Av. Rio Branco.

Comentários:

Rosângela Prado Muller: Psicóloga especialista em Saúde Pública e Psicologia Judiciária; mestre em Distúrbios da Comunicação Humana.

domingo, 20 de outubro de 2013

Criança também sofre


            De repente, a criança muito bem-educada, calma em seus gestos e palavras, de modo geral quieta em seus comportamentos, generosa com seus irmãos, primos e colegas, cumpridora de seus deveres e obrigações domésticas e escolares, revela uma face “oculta” que confunde a cabeça de todos: fala palavrões que “nunca” se ouviu em casa, agride física e verbalmente a qualquer pessoa conhecida ou não, desobedece aos pais e professores, fica irrequieta perturbando a “paz” da casa, da escola, da igreja ou de onde estiver, perde a calma e se comporta de maneira estranha ao habitual.

Esta situação, naturalmente gera algumas questões: O que está acontecendo com ela? Com quem aprendeu tudo isto? Por que fez isto? Como agir nestas situações?

Se forem descartadas as possibilidades de ordem psíquica, hereditária (não em todos os casos) e de eventos traumatizantes (separações dos pais, morte de algum deles, acidentes físicos), é preciso olhar à volta. O meio ambiente e as influências dos pais certamente estão por trás destes eventos.

Conforme C. G. Jung (1875-1961), a criança pode apresentar dois tipos de personalidades: “Artificial, que imita tudo aquilo que acontece ao seu redor”, ou uma “personalidade dupla, por um lado são razoáveis e adaptadas, mas ao mesmo tempo existe alguém do outro lado que é completamente diferente” (Seminários sobre sonhos de crianças. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 262).

A criança com “personalidade artificial” pensa mais ou menos assim: É melhor ser e se comportar da mesma maneira como os meus pais e os outros são e fazem, porque é mais fácil, e não posso ser e me comportar à minha maneira senão não serei amado por ninguém.

Note que a adaptação social, neste caso, se dá com um mínimo de esforço. Se a criança sentir que “precisa” aprender outro jeito de ser e de fazer as coisas que ela não vê nos adultos à sua volta, logo preferirá seguir o movimento que encontra ao seu redor, por considerá-lo mais fácil. Para ela afirmar seu próprio modo de ser representará uma enorme dificuldade. Mas, à medida que cresce perceberá que há momentos em que terá de ser ela mesma, que não é possível mentir o tempo todo, especialmente quando for namorar ou se casar, se quiser ser sincero na relação íntima.

Enquanto que as crianças com “personalidade dupla”, se quiserem chamar atenção preferirão demonstrar aquilo que o meio ambiente aprova, elogia, prefere, seja de ordem intelectual ou emocional, conforme os talentos que possui.

Se os pais, a escola e/ou a igreja aprovam “alguns” comportamentos e desaprovam outros, a criança poderá apresentar um caráter totalmente oposto no lugar que achar mais conveniente. Mas, isto gera um grande sofrimento psíquico a ela, mas não sabe como expressá-lo. E mais: não podemos ser ingênuos em relação às crianças.
Para Jung, crianças bem-educadas podem desenvolver pensamentos extravagantes que pertencem ao lado desconhecido de suas personalidades, ou seja, quando querem obedecer aos pais, acontece algo que as atrapalha; se sabem que devem fazer a lição escolar, de repente, simplesmente a “vontade” desaparece; sabem que precisam se comportar bem na escola, mas não conseguem; sentem que não podem bater no primo e/ou na colega, mas batem assim mesmo, sem saber porquê, e sofrem por isso.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Crianças psicopatas. Como tê-las?

         Para o psiquiatra, psicanalista e filósofo francês Henri Ey (1900-1977), as atitudes das mães quanto ao desmame e o controle dos esfíncteres, por exemplo, determinam quão tolerantes às frustrações podem ser as crianças, uma vez que, através destas experiências elas podem desfrutar prazer e benefícios ao adquirem novos comportamentos e novos atos por si mesmos (Manual de psiquiatria. Rio de Janeiro: Masson/Atheneu, 1985).
É como se o controle dos esfíncteres fosse a primeira experiência que temos com os nossos corpos, ainda “inéditos”. “Inauguramos” a nossa presença no mundo, e os pais, funcionam como a nossa melhor “plateia”. Pais com atitudes ambivalentes, ora indulgentes, ora severos nestes momentos “inauguradores”, ou ainda, ausentes, distantes, fracos, autoritários, apressados para que as crianças “aprendam logo a se controlar”, criam-nas carentes, podendo evoluir para uma psicopatia.
            Conforme Ey, o psicopata é alguém que tem como única opção descarregar a tensão interior que vivencia sem controle de seus pensamentos mais elaborados, pois ficam “capturados como reféns” de seus comportamentos inadequados.
            Para Alberto Pereira Lima Filho, psicólogo analítico e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Católica de São Paulo (PUC/SP), para o indivíduo psicopata “inexiste a internalização de conflitos”, e por isso, revela comportamento desprovido de emoção no momento do ato, quer dizer, apresenta uma atitude “fria”, revela-se primitivo, ávido e intolerante ao que deseja e não é possível ser realizado, sem culpa, incapaz de elaborar sua pulsão. Para ele: “O ato psicopático é imediato (não mediatizado pela linguagem) não há elaboração mental. O gesto é executado sem o conhecimento do Eu, dando ao observador a impressão de um vazio mental; o sujeito é incapaz de explicar o gesto (como justificativas, apresenta palavras estereotipadas ou racionalização secundária); contraste entre bom nível de cultura (adaptação prática) e incapacidade de processar verbalmente a vivência emocional da crise (atuação)” (O pai e a psique. São Paulo: Paulus, 2002, p. 314).
            Em “A criança como indivíduo” (Cultrix: São Paulo, 2006), o psiquiatra inglês Michael Fordham (1905-1995), um dos maiores expoentes no estudo de crianças na psicologia analítica, ao atender as necessidades do/a filho/a, na hora certa, a mãe o/a conduz ao processo de encontrar-se com o seu (da criança) Self, que ela representa. Se tal representação for positiva e satisfatória, a criança afasta a possibilidade de apresentar alguma psicopatia, sendo assim, protagonista de seu próprio processo de desenvolvimento mental.
Os pais, então, são um dos maiores fatores na formação da estrutura do Eu das crianças, descartando questões genéticas e traumáticas involuntárias. Por isso, é importante que mães e pais prestem atenção em algumas de suas atitudes para com as crianças, desde os seus primeiros dias de vida, ainda “estreantes”, se não quiserem passar pelo sofrimento de conviver com um/a filho/a psicopata.

            Ampliando um pouco mais o espectro das fases de vida das crianças, isto nos leva a considerar: a formação do caráter e o desenvolvimento da consciência moral das crianças iniciam muito mais cedo do que imaginamos, e por isso, os pais precisam resistir às demandas intrometidas dos parentes, estranhos e meios de comunicação.

domingo, 6 de outubro de 2013

A que as crianças estão sujeitas!

            Se o comportamento inadequado de uma criança origina-se de algum transtorno psíquico: “É preciso compreender aquilo que, na organização de uma personalidade psicopática, provém de predisposições somáticas, de más condições sociais e o que provoca reações psicológicas do indivíduo, tornando-o incapaz de equilibrar em si mesmo sua pessoa e seu destino” (EY, H. Manual de psiquiatria. Rio de Janeiro: Masson/Atheneu, 1985, p. 369, apud LIMA FILHO, A. P. O pai e a psique. São Paulo: Paulus, 2012, p. 304).
            É bom se cercar de posicionamentos sem extremos como este para evitar tendências de “rotular” as pessoas, principalmente quando se trata de crianças, com diagnósticos que, na maioria das vezes, não representam mais do que as angústias dos pais e/ou responsáveis, inclusive de professores. Entretanto, é importante ressaltar: as teorias são auxiliares na orientação quanto às análises que precisam ser realizadas, contudo, como adverte Carl Gustav Jung (1875-1961): “A teoria é o melhor disfarce para a falta de experiência e para a ignorância, mas as consequências são deprimentes: mesquinhez, superficialidade e sectarismo científico” (JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 10).
Com tal posicionamento, Jung defende a ideia de que o desenvolvimento humano é muito “elástico”, podendo apresentar significativas alterações em todas as fases da vida e, em especial, na infância, por que suas disposições são polivalentes.
            Para fins didáticos, destaco o estudo de Alberto Pereira Lima Filho, psicólogo analítico e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no qual nos apresenta a contribuição do neuropsiquiatra basco Julian Ajuriaguerra (1911-1993), em seu Manual de Psiquiatria Infantil, no qual categorizou os distúrbios antissociais em: 1. Personalidades subnormais (simples desvios da personalidade; possui uma relativa adaptação, mas as formas extremas são patológicas, incluindo pobreza de juízo e incompatibilidade social); 2. Psicopatas (ignoram responsabilidades; não distinguem o verdadeiro do falso; falta persistente de autocrítica; falta de aprendizagem pela experiência; incapacidade de amar; sentimentos superficiais; dureza e brutalidade evidentes); 3. Personalidades antissociais (indivíduos predadores que perseguem fins mais ou menos criminais); 4. Transtornos de caráter e do comportamento (transtornos de conduta mais estáveis, interiorizados e resistentes aos tratamentos do que “perturbações transitórias situacionais”); 5. Delinquência juvenil (puro atentado à lei; roubo, delitos de violência – agressão física e homicídio; delitos sexuais – estupro e prostituição; fuga e vagabundeio; toxicomania.
            Variados são os fatores que levam alguns indivíduos a apresentarem tais distúrbios: genéticos – hereditários; traumáticos – mortes, separações e perdas emocionais repentinas e significativas; sociais – gravidez indesejada por ambos os pais, negação de afeto em tenra infância, convivência temporária ou permanente com parentes ou estranhos, relações pouco harmoniosas entre os pais, violência doméstica e meios de comunicação; e, ambiente familiar – mães inseguras no cuidar do filho, crescente diminuição da importância do papel do pai em nossa sociedade, independência precoce, inclusive financeira, o que leva as crianças a se sentirem donas de si próprias muito cedo e num mundo à parte de seus pais.