domingo, 30 de junho de 2013

Com quem o “gigante adormecido” sonhou?

            Tomando o registro de Carl Gustav Jung (1875-1961): “Todo grego do período clássico trazia em si um pouco de Édipo, assim como todo alemão tem em si um pouco de Fausto” (Símbolos da transformação. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 28) - referência ao protagonista da lenda popular alemã, de um pacto com o demônio, baseada no médico, mágico e alquimista Dr. Johannes Georg Faust (1480-1540), de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) -, Dulce Helena Rizzardo Briza, psicóloga analítica, nos brinda com uma profunda análise da constituição psicocultural brasileira ao apresentar a característica que assemelha as lendas do Saci, do Curupira e da Mula-sem-Cabeça em seu: “A mutilação da alma brasileira: um estudo arquetípico” (São Paulo: Vetor, 2006).
            Segundo Briza, todo brasileiro carrega a marca da mutilação: o Saci – menino de uma perna só; o Curupira – anão com os pés virados para trás; e, a Mula-sem-Cabeça –uma mulher que se transforma em mula acéfala, que lança fogo pelo pescoço.
             Figuras da mitologia brasileira que povoam nosso inconsciente, provocando-nos um sentimento de sermos portadores de uma ferida aberta, da qual se quisermos nos restabelecer, precisamos assimilá-la à consciência individual e coletiva, isto é, nos relacionar com nosso lado ferido, para recuperarmos nossa libido nacional.
            O momento histórico registrado como “o gigante acordou”, nos leva a perguntar: Com quem o “gigante adormecido” sonhou? Acredito que a contribuição de Briza nos ajuda a dar atenção, ao menos a uma parte de nossos sonhos.
            Individual e coletivamente, somos portadores de uma mutilação no domínio de nossas subjetividades, que não só influencia como determina nossas ações e sentimentos, frente às duras realidades a que estamos submetidos, cotidianamente, nos sistemas políticos, econômicos, jurídicos, educacionais, de saúde, de mobilidade urbana, de preservação do meio ambiente, sem omitir, os espirituais representados em todas as religiões, em nossas cidades.
            Mais que figuras folclóricas, Saci, Curupira e Mula-sem-Cabeça são “os sonhos arquetípicos e lidam com os magnos problemas humanos, (que) integra o indivíduo numa sociedade e a sociedade na natureza”, conforme Joseph Campbell (O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1992, p. 6).
            O “gigante acordou”, e está nos relatando seus sonhos, que oxalá, não pretenda retornar ao “berço esplêndido”, antes, encontre caminhos que faça valer suas riquezas econômicas, suas forças renovadas e seu sentido existencial como nação.
As imagens oníricas são ricas em significados simbólicos, e aguarda que as compreendamos em seus aspectos: místicos, pois nos revela seu lado sagrado; cosmológico, incumbindo as mais diversas academias, da sociologia a teologia, uma análise profunda e responsável; sociológico, mostrando-nos seus princípios éticos e sua atuação na ordem social; e, pedagógico, pois ensina-nos como viver e participar no mundo, conforme entende Campbell quanto aos propósitos de toda a mitologia humana.
            Se formos capazes de aproveitar os significados simbólicos destes sonhos, nos manteremos acordados sob a luz de uma consciência que sabe quais são as suas feridas, mas que busca “curá-las”, e se prepara para assimilar a outros mais.

            Nos próximos artigos abordaremos, separadamente, a cada um destes sonhos, se Deus quiser. Até a próxima vez.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

“O tempo muda e do temporal surge o vento bravo”

            No princípio ficamos surpresos, perplexos e assustados. Depois, alguns reprimiram e repudiaram. Mas, agora o espírito de simpatia às ideias, a solidariedade ao movimento e o desejo de sair às ruas e juntar-se aos protestos por melhores condições de vida, está cada vez mais forte. E, tudo indica que está longe de esfriar. Com veemência, o povo brasileiro revela-se destemido.
É bom lembrar que as exigências não ficaram apenas contra os aumentos das passagens dos meios de transporte, mas que outras causas não foram esquecidas como: o combate aos corruptos, o fim do mau uso do dinheiro público (o próprio governo admite que as despesas com a Copa do Mundo, “por enquanto, estão em 28 bilhões de reais”), a não aprovação da PEC 37 (que retira o Ministério Público das investigações em casos de infrações penais), acessibilidade a um sistema de transporte mais decente, e mais investimentos em serviços públicos, especialmente, educação e saúde.
            A mensagem das ruas é muito clara: queremos participar dos processos que decidem a nossa qualidade de vida, como cantamos com os Titãs: “A gente não quer
só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade...”; que as manifestações precisam ser pacíficas, sem vandalismo nem violência, mas isto não significa a manutenção da ordem das coisas que aí está antes, precisam ser radicalmente alteradas; e, para o desespero da maioria da classe dos políticos,
já sabemos em quem não vamos votar nas próximas eleições.
            Ainda é muito cedo para afirmarmos que símbolo será produzido ao final de toda esta movimentação social e de cidadania, que a psique coletiva está engendrando no povo brasileiro.
Por enquanto, parece-me muito com o que afirmam Antônio Carlos Jobim e Edu Lobo em “Vento bravo”: “Era um cerco bravo, era um palmeiral / Limite do escravo entre o bem e o mal / Era a lei da coroa imperial / Calmaria negra de pantanal / Mas o vento vira e do vendaval / Surge o vento bravo, o vento bravo / Era argola, ferro, chibata e pau / Era a morte, o medo, o rancor e o mal / Era a lei da Coroa Imperial / Calmaria negra de pantanal / Mas o tempo muda e do temporal / Surge o vento bravo, o vento bravo / Como um sangue novo / Como um grito no ar / Correnteza de rio / Que não vai se acalmar / Vento virador no clarão do mar / Vem sem raça e cor, quem viver verá / Vindo a viração vai se anunciar / Na sua voragem, quem vai ficar / Quando a palma verde se avermelhar / É o vento bravo / O vento bravo / Como um sangue novo / Como um grito no ar / Correnteza de rio / Que não vai se acalmar / Que não vai se acalmar”.
            Como não sabemos de onde o vento vem, nem para onde vai, é bom considerar que se trata de um sopro, forte e cego para alguns, especialmente para os que o temem, mas, segundo a sabedoria dos povos antigos, pode ser mensageiro divino, de boas e novas transformações sociais, políticas, culturais, psíquicas e espirituais.

É preciso internalizar este fato histórico se quisermos que os acontecimentos façam parte de nossa experiência, pois somente um povo experiente pode organizar melhor suas reivindicações, evitar os erros do passado, manter viva a vontade de cidadãos que rejeitam as propostas daqueles que se julgam capazes de nos vestir, nos alimentar, nos divertir, tornando-nos seus dependentes, enquanto buscam beneficiar-se da situação.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sobre a morte do índio Oziel Gabriel

Para o conhecimento de todos, recebi uma mensagem do Missionário Milton de Sá, identificado com o trabalho com os indígenas brasileiros.

INFORMAÇÕES MISSIONÁRIAS
Como é de conhecimento e a mídia se encarregou de divulgar sobre a reintegração das terras pelos indígenas terenas. Isto se tornou manchete no Brasil, contudo a informação passada foi manipulada. Relato como realmente ocorreu à reintegração de posse da terra pela policia federal.
Estava eu e minha esposa acompanhando pela televisão quanto nos deparamos com toda a crueldade que estavam realizando aos indígenas da Aldeia de Buriti – Sidrolândia MS. Ficamos perplexos com tamanha crueldade, começamos a chorar, pois conhecemos os irmãos de lá. E a minha esposa é terena e têm parentes residindo nesta aldeia. A minha reação de imediato foi de lagrimas ao lado de minha esposa. Até a minha filha dize assim ao papai do céu, “cuida do nosso povo, não deixem fazer malzinho”, foi muito emocionalmente como pai presenciar esta expressão natural dela. Mas não estranho é o sangue indígena que ela tem que fez também sentir dor pelo seu povo, melhor nosso povo.
De imediato procurei obter mais informações realizei um telefone ao Pr. Gideão da aldeia daquela região. O relato que obtive pelo telefone transcrevo aqui:
Pastor Gideão, as coisas por ai não estão muito bem, por favor, relate a mim o que ocorreu. Miltinho (Patrício), foi horrível a policia chegou as 6:00 hs, mas viu que o número de índios era maior então deduziu que não conseguiria retirar os patrícios. Trouxeram de Campo Grande – MS, mais policiais. Quanto chegaram a ordem foi dado para ir pra cima dos indígenas, o cacique esperava pacificamente a carta para se retirar. Mas não mostraram, começaram a atirar balas de borracha e balas letais. Miltinho apenas corri como os outros, bateram nos nossos anciões, a maior covardia. E o mais triste a morte de Oziel Gabriel, meu sobrinho ferido no pé e outros patrícios feridos. Crueldade total. Nessa hora o rosto já estava cheio de lagrimas, e o sentimento de revolta no coração. Contudo cada vez me surpreendo com meu povo terena, o Pastor Gideão dize depois do conflito se reunimos na igreja para orar e pedir orientação a Deus.
Por fim disse ao Pastor Gideão que poderia contar comigo e que estaríamos juntos nesta caminhada.
Depois deste ocorrido muitas etnias, exigiam de volta a posse de suas terras. Cerca de 500 índios da etnia terena, de sete aldeias de Aquidauana, ocupam as propriedades.
No momento os índios continuam ocupando as fazendas; peço a Igrejas que continuem a interceder.
A dor em meu peito continua forte pela crueldade que o estado representado pela policia realizou. Contudo está nas mãos de Deus a justiça. Tem certeza que essa terra será devolvida aos indígenas.
Na Paz de Cristo.
Missionário Milton Ribeiro Rodrigues de Sá.

domingo, 16 de junho de 2013

A fúria humana no campo e nas ruas

          Não existe ser humano absolutamente imune à hostilidade, pois esta integra a base da nossa personalidade. Como impulso agressivo pode concretizar-se como algo destrutivo, ou não. Trata-se de um comportamento emocional que se manifesta por afetos de raiva, fúria, ódio, agressividade, raiva, quer dizer, quando nos sentimos, física e mentalmente, subjugados. Entretanto, quando manifestados, sinalizam que precisamos integrá-los à consciência.
            Os estudos acadêmicos não apontam para uma descrição precisa destes afetos, talvez porque demonstração deste fator inconsciente seja bastante variável, desde um “simples” incômodo, ressentimento, impaciência ou irritação, até a um ataque explosivo de ira ou raiva, que gera grandes prejuízos psicossomáticos como hipertensão arterial, gastrite, esofagite, doenças cardíacas, depressão (como abordamos neste espaço em novembro e dezembro de 2012 – disponível em: psijung.blogspot.com), e do sistema nervoso autônomo, quando voltada para dentro do indivíduo; mas, em pessoas feridas, mesmo “queridas”, como crianças e idosos, familiares, amigos e vizinhos, namoradas e esposas e, infelizmente, muitas vezes, em pessoas feridas e mortas, quando externalizada descontroladamente.
            Muito pouco pode ser feito contra um povo que se encontra em estado de enfurecimento, “homens-feras”, como entende C. G. Jung (1875-1961), em “Aspectos do drama contemporâneo” (Petrópolis: Vozes, 1988), ao analisar a vivência do povo alemão durante o regime hitlerista, que levado por um instinto irracional, resultou num rebaixamento cultural sem precedentes na história da humanidade.
            Ao olharmos para os últimos fenômenos sociais brasileiros, nas ruas e no campo, como o emprego da força violenta e truculenta, conforme a opinião de alguns juristas, acerca dos processos de reintegração de posse e desocupação de terras Terena em Sidrolândia, MS, que resultou na morte do índio Oziel Gabriel (parente ligado a uma família amiga), no último dia 30 de maio, e na aldeia Teles Pires, na divisa do Estado do Pará e de Mato Grosso, com assassinato do índio Adenilson Kirixi Munduruku, em um combate de garimpo ilegal, no ano passado, e pelas manifestações do Movimento Passe Livre, que reivindicam maior transparência nos ajustes dos preços dos bilhetes das empresas de transporte urbano, em várias capitais do País, e tantos outros casos em nossas famílias, locais de trabalho e cidade, vemo-nos “possuídos” ou subjugados - governantes, usuários e proprietários das empresas envolvidas, indígenas, manifestantes e policiais (Polícia Militar e Polícia Federal) - por forças sobre-humanas enraizadas em nossas profundezas psíquicas, dispostas a tudo, sem medir as consequências, a ponto de os meios de comunicação, nacionais e internacionais, empregarem uma linguagem bélica militar, para descrever os acontecimentos, como: “campos de guerra”, “bombas”, “batalha principal”, “Tropa de Choque”, “disparos de balas”, “barricadas”, “confronto”, “cantos de guerra”, “bloqueio”, “reféns”, “vítimas”, ao se referir aos locais das manifestações e aos envolvidos.
            O melhor caminho na solução de quaisquer conflitos, sem gerar consequências desastrosas dos afetos descontrolados de fúria, ódio, raiva, agressividade, não é pela repressão policial e política, no caso em questão, mas de todas as partes envolvidas, integrá-los da maneira mais consciente e racional possível.

domingo, 9 de junho de 2013

Grupo X Indivíduo

            “Mesmo um grupo pequeno é regido por um espírito sugestivo de grupo que, sendo bom, pode ter efeitos sociais benéficos, às custas no entanto da independência mental e moral do indivíduo. O grupo enaltece o eu, isto é, a pessoa torna-se mais corajosa, mais pretensiosa, mais segura, mais atrevida e imprudente, mas o si-mesmo é minimizado e relegado ao plano de fundo em beneficio da média geral. Por isso todos os fracos e inseguros querem pertencer a sociedades e organizações, se possível a países com 80 milhões de habitantes. Aí sim o indivíduo é grande porque é idêntico a todos os outros, mas perde seu si-mesmo (isto é, a alma que é cobiçada e tomada pelo demônio!) e sem livre arbítrio individual. Mas o grupo só imprensa o eu contra a parede quando este não mais concorda com o grupo em suas opiniões. Por isso a tendência do indivíduo no grupo é concordar o máximo possível com a opinião geral ou, então, impor sua opinião ao grupo. A influência niveladora do grupo sobre o indivíduo é compensada pelo fato de que um deles se identifica com o espírito do grupo e se torna líder. Por isso haverá no grupo sempre conflitos de prestígio e poder que se baseiam no egoísmo exacerbado da pessoa grupal” (JUNG, C. G. Cartas de C. G. Jung. Volume II. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 387).
            Desculpe-me pela longa citação, mas não poderia omitir nenhuma palavra de tão sábia e atual postura (carta de Jung para Hans A. Illing, de 1955), quanto ao processo de adaptação social a que todos nós estamos sujeitos.
            Desde a infância nos adaptamos às normas coletivas, mas a adaptação social se torna um grande problema quando nos dirigimos pela opinião do grupo, e não precisa ser necessariamente a da maioria e permanecer neste nível, ainda que pudéssemos nos diferenciar. Basta percebermos que estamos sozinhos ou acompanhados por um pequeno grupo, que tendemos a nos ajustar à opinião majoritária. Fenômeno recorrente no meio político, eclesiástico, educacional e científico.
            Quando você deixa de ser você mesmo para se orientar pelas opiniões de um grupo, você prejudica as suas relações com as outras pessoas.
Por que?
Porque você adapta as perspectivas das suas próprias condições e problemas às perspectivas das condições e problemas de outras pessoas, ficando dependente delas.
Porque você abafa a voz crítica interna, sujeitando-se a boatos, mexericos; entretanto, ainda que o que se ouve seja verdadeiro, você pode optar pelo lado errado e contrário ao movimento do si-mesmo (Self), isto é, ao poder transpessoal que transcende ao que considera bom e melhor para você, perdendo a oportunidade de renovar sua vida e trazer novo sentido à sua existência.
Porque você se aventura a ficar fanático, compensando suas dúvidas por “certezas” que tomam o lugar do Sagrado, incorrendo no perigo de blasfêmia.
Porque resignar-se, você passa a duvidar de si mesmo, do quanto de vida verdadeira carrega dentro de si mesmo.
Porque deixa de reconhecer, com humildade, que o mundo não é só seu.
Porque toda vez que “conflitos de prestígio e poder” estiverem presentes, você não possui mais a energia transformadora do amor.

sábado, 1 de junho de 2013

A importância psicológica da Comissão da Verdade

          A Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada pela Lei nº 12528/2011, e instituída em 16/05/12, tem estimulado a muitas pessoas e seus familiares a relatarem, na maioria das vezes com muita emoção, os sofrimentos experimentados durante os anos de ditadura militar entre os anos 1946-1988. Exemplo: depoimentos da cineasta Lúcia Murat, e da historiadora Dulce Pandolfi. (Vale conferir em: http://www.territorioeldorado.limao.com.br/noticias/not269194.shtm).
Segundo John R. van Eenwyk, da Universidade de Medicina de Washington e diretor do International Trauma Treatment Program (ITTP): “O principal objetivo da tortura é perturbar, senão destruir a continuidade da vida (entes queridos foram mortos, culturas destruídas, relacionamentos danificados, meios de subsistência eliminados), a tal ponto que a remediação ou é extremamente cara (em termos financeiros, de tempo e esforços), ou simplesmente, impossível. A tortura, efetivamente, elimina qualquer vestígio de confiança que existe nos sobreviventes, em sua capacidade de controlar os impulsos da vida” (http://www.cgjungpage.org/index2.php?option=com_content&task view&id=183&pop=1&page=0&Itemid=40).
É importante, para o bem-estar psicossocial do País, considerar que o trabalho da CNV é uma tentativa de restabelecer as pontes político-sociais destruídas pela força do Estado contra milhares de cidadãos, como oportunidade de a psique/alma nacional estabelecer símbolos de compensação contra as atrocidades cometidas em nome da lei e/ou dos que comandavam as ações de repressão. Quer dizer: o legado da CNV será um símbolo a mais para que tais práticas NUNCA MAIS encontrem lugar em nossa, tão nova quanto sofrida, democracia.
Enquanto a consciência procurava se adaptar à vida como se nada tivesse acontecido, o inconsciente aguardava o momento mais propício - e nunca é tarde demais para rever e reaver a história - para revelar o que muitos buscavam esquecer ou que, simplesmente, fosse esquecido. E, isto aconteceu, por que: “O inconsciente contém todas as combinações de fantasia que ainda não ultrapassaram o limiar de intensidade, mas que, com o decorrer do tempo e em circunstâncias favoráveis, entrarão no campo luminoso da consciência”, de acordo com C. G. Jung (1875-1961), em A natureza da psique (Petrópolis: Vozes, 2000, p. 1).
A psique/alma busca autorregular-se aos acontecimentos externos, e vice-versa, diante das dificuldades que nos surgem, graças à capacidade irreprimível de fantasiar, ou seja, de imaginar ativamente como a vida pode melhorar, com o propósito de evitar males maiores como a depressão, ressentimentos, desprezo pela criatividade, permanência na baixeza da natureza humana, ansiedade, medo, culpa, perda de uma espiritualidade viva e que oferece sentido à vida, desenvolvimento da energia vital, afetos extremados, como a violência, por exemplo. Mais uma vez, conforme Jung: “A psique não apenas reage, ela dá sua resposta própria às influências que atuam sobre ela” (Freud e psicanálise. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 278).

Tanto os sobreviventes quanto os agentes da repressão, e/ou familiares de ambos, à maneira de cada um, têm reagido emocionalmente aos terrores sofridos e perpetrados. Aqueles pela humilhação sofrida resgatando a autoestima, os outros pelo reconhecimento de terem participado em atos de violência contra os direitos humanos, em sinal de autocrítica visando a integração do lado sombrio da sua psique.