segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Sentido para o nosso tempo

Em tempos de “eu não faço a menor ideia do que tô fazendo com a minha vida”, título do novo filme de Matheus Souza e Clarice Falcão, em que aborda o ser e o estar do jovem no mundo; em um contexto onde a tecnologia revela a sua face obscura ao nos vigiar o tempo todo, deixando-nos curtir a amarga precariedade psicológica e a vulnerabilidade de todas as relações humanas decorrentes que, por exemplo, levou à morte de Mita Diran, redatora da agência de publicidade Young & Rubicam, da Indonésia, após 72 horas ininterruptas de trabalho; das exigências impostas às nossas crianças para que aprendam, precocemente, conteúdos distantes do mundo lúdico infantil como a participação em atividades extraescolares e seu envolvimento no mundo eletrônico cada vez mais cedo, para melhor enfrentarem o mundo competitivo, somos levados a acreditar que o sentimento de estarmos ativos já é um antídoto contra a sensação de vazio e de solidão.
O pano de fundo destas circunstâncias é o sentido que damos à dimensão tempo.
Se o tempo é encarado como uma dimensão linear, nada pode ser feito contra o encadeamento dos eventos. Sequencialmente alinha tudo a todos, e vice-versa. Nesse sentido o tempo é devastador, sua passagem nos atropela. É lido na virada dos anos, às meias-noites. Nada pode ser feito senão acompanhado com frieza, como a uma máquina que não pode ser ajustada. É o reino do deus Cronos. É não-autobiográfico, quer dizer, não podemos interferir e alterar os seus feitos e as suas consequências.
Entretanto, o tempo é rítmico. É a única grandeza que comunga as tradições com a contemporaneidade; possibilita a junção da revolução com o espírito conservador; não separa o sagrado do profano; une o desespero com o sorriso de alívio; harmoniza a razão com a imaginação; combina o antigo com a novidade; orquestra a mais profunda reverência com a mais vil e bizarra perversão; opera o encontro do lado sombrio (nossos defeitos), com o Sagrado que não desiste de nós, mesmo quando negligenciado.
A dimensão tempo pode ser metaforizada como os anéis formados por uma pedra lançada sobre as águas tranquilas. O lago é  a eternidade. As pedras, o tempo. As ondas, as consequências dos eventos. Nossa vida acontece nos intervalos entre o tempo e a eternidade. É preciso olhar em profundidade, do anel mais próximo de nós, para o mais ao centro, se quisermos perceber os significados dos eventos. Esse tempo não segue calendários. É o reino do deus Kairós. Nele, os relógios absolutos são obsoletos. Mais importa a mensagem que os eventos aparentemente desconexos deixam, e observar o que vai além da simples aparência dos sofrimentos provocados. Neste sentido o tempo é autobiográfico.
“A vida é uma cadeia de acontecimentos que têm sempre um significado, ou seja, que nada acontece por acaso e que tudo o que nos ocorre cumpre a função de nos colocar onde devemos estar para vivermos as experiências que precisamos. Ao nos tornarmos aquilo que somos ou podemos ser, adquirimos a sensação e o sentimento de que os eventos inesperados da vida possuem um significado, um objetivo, que pode ser vivenciado e aprendido de acordo com a nossa capacidade de adaptação e de entendimento”, afirma Angelita Corrêa Scardua, Mestre em Psicologia Social pela USP/SP.
Feliz Ano Novo!

sábado, 21 de dezembro de 2013

Por que precisamos da história do Natal?

            “O “Deus te salve” de Gabriel não traz nenhum bem, a não ser que essa saudação seja dita a mim também” - Ângelus Silesius, pseudônimo de Johannes Scheffler (1624-1667), poeta alemão, místico e teólogo.

 
            Justamente porque a história do nascimento de Jesus tem a nos fazer bem, que ela nos é narrada como:
 
            A história do nascimento de Jesus mostra quantos contrastes há em nós quando nos comparamos com ela, e o quanto ainda ela tem a nos dizer.
            A simplicidade do cenário e das pessoas desafiam a nossa vida "sofisticada", "burguesa".
       A sofisticação nos distancia da naturalidade da vida humana. Temos uma capacidade muito grande para transformar nossa vida em algo artificial. Nossas relações, até os acontecimentos que nos desagradam, somos capazes de relatar com mudanças, com vistas a não lidarmos com os fatos tais como eles ocorreram. E, esta atitude é reforçada à medida que vivemos como se a vida fosse uma novela de televisão, onde tudo é artificial e montado para dar tudo errado ou tudo certo.
            Quanto mais artificiais somos, menos gostamos da vida e menos prazer temos em viver.
            O que vemos na história do nascimento de Jesus, é que os relatos foram registrados, sem artificialidade, sem seguir um script de um diretor que pretende agradar a audiência, mas com a simplicidade do acontecimento e das pessoas envolvidas.
 
        Outro contraste da história do nascimento de Jesus, é que acreditamos que sozinhos conseguimos o que queremos.
            Não tem pensamento mais contrário à história do Natal, do que este. Pois ela nos conta o encontro de uma família, que mesmo sendo inexperiente, o casal e seu filho, vencem juntos as adversidades. Poderíamos dizer, que para os padrões de hoje, José e Maria, seriam até ingênuos, pelo que dá a entender nas entrelinhas, pelo menos eram mais puros do que nós, porque não eram artificiais, e por isso venceram juntos as dificuldades que apareceram à frente deles.
            Eles não pensavam que sozinhos conseguiriam o que queriam. Se José era homem justo e se não queria difamar Maria, por uma gravidez da qual não se envolveu, estava diante da necessidade de ficar junto de Maria, mesmo que tivesse resolvido desmanchar o contrato de casamento sem que ninguém soubesse. E, Maria quando viu que não podia passar por aquela experiência sozinha, porque tinha muito medo, mas mesmo assustada, segurou-se numa Palavra que lhe garantia de que o impossível era possível acontecer e, buscou ajuda primeiramente em sua prima Isabel, que a encorajou para ficar firme no que tinha que passar. Mas, depois, talvez passado o susto, valorizou José ao seu lado, que compreendeu o que acontecia, e aceita por ele, teve forças para enfrentar o que vinha pela frente.
 
            A história do nascimento de Jesus nos mostra outro contraste com o modo como vivemos a nossa vida: a indiferença para com os que necessitam mais que nós.
Se bem que deste, não nos diferenciamos muito – trata-se, dos donos das hospedarias, onde Maria e José buscaram abrigo. É uma pena, que nos identificamos com os donos das hospedarias, que negaram um lugar mais decente, para o menino nascer.
            Porque não havia lugar para eles na hospedaria, Jesus nasceu numa cocheira e seu berço foi um cocho, onde os animais se alimentavam.
          Como membros da classe média, chamada também de burguesia, o contraste da nossa vida com a história do nascimento de Jesus é quando nos vemos como consumidores dos produtos ligados à festa natalina, e não mais ao espírito do Natal.
            O consumo dos produtos da Festa nos distancia do espírito de solidariedade para com os que têm menos, ou nada do que temos.
            Como os donos das pensões que não consideraram que ainda que se tratava de uma mulher desconhecida, mas que estava grávida e, que tinha direito como todas as outras mulheres que já tinham sido mães, ou que como ela, também tiveram seus filhos naquela mesma noite. Preocupados com os lucros dos seus negócios, não tinham tempo para pensar nos outros.
            Nós, também, muitas vezes, durante o ano todo agimos como eles, como se outras pessoas, ainda que desconhecidas, não tivessem os mesmos direitos que temos, ou então, não nos importamos com as necessidades deles porque estamos tão envolvidos em nossos próprios interesses, que não podemos nem ao menos pensar neles.
 
              Outro contraste da nossa vida com a história do nascimento de Jesus é que as personagens da história não eram comodistas com a vida que levavam.
            Nem José, nem Maria, nem os pastores e nem os astrônomos do oriente eram pessoas acomodadas com a vida que levavam. Se fossem, não teríamos Natal.
            O que quero dizer, é que eram pessoas que tiveram que fazer adaptações em suas vidas, devido às condições que se impuseram sobre eles. Nenhuma daquelas pessoas planejou nem se quer desejou passar pelo que passaram. Todas tiveram que abrir mão de suas próprias vontades, para só então verem o que seus olhos tiveram o privilégio de ver.
            O mesmo conosco. Se não vemos coisas maravilhosas acontecerem em nossas vidas, não é porque elas não acontecem, mas sim, porque não queremos nos adaptar à vida, queremos que tudo aconteça do nosso jeito, e ai dos que nos contrariam ou que pensam diferente de nós, e assim, ficamos incomodados e, sempre insatisfeitos com o que nos acontece, porque exigimos muito dos outros e de nós mesmos, coisas que bem sabemos que não têm importância, e são totalmente irrelevantes e bem que poderiam ficar em segundo plano, e nunca serem exigidas, como condições para sermos felizes.
            A história do nascimento de Jesus se opõe às condições que tentamos impor para que a vida seja do nosso jeito.
            Maria viu que não poderia ser comodista, porque Deus se impusera a ela de maneira que não teve outro jeito senão dizer: “Eu sou a serva de Deus, que aconteça comigo o que o Senhor quer”.
            José teve de deixar seus ideais de vida,que até então poderiam ter funcionado, mas que agora teriam de serem deixados de lado; sua honestidade estava sendo provada: receber sua noiva, sem casamento e, ainda grávida.
            Ah! Se eles não tivessem compromisso com a vida! 
          E, os dois em Belém? Ao buscarem um lugar para que o menino nascesse não encontraram senão uma cocheira e tiveram que aceitar o que era possível. Podemos considerar que José possivelmente tenha buscado ajuda em seus amigos de infância, pois havia nascido naquela cidade ou de gente conhecida, mas não encontrou ninguém que os recebesse.
            E, se fossem teimosos, turrões ou comodistas certamente teriam motivos para se revoltarem, contra tudo e contra todos, só porque a vida não era o que achavam que devia ser. Mas, não teimaram, não se revoltaram, mas aceitaram o que era possível.
            A vida, às vezes, para não dizer sempre, nos coloca em situações, que o melhor a fazer é adaptar, deixar de lado o ideal tão desejado. A realidade se impõe sobre o ideal, e exige adaptações. E a nossa felicidade terá a medida de sermos capazes de nos adaptar.
            E, quanto aos pastores e os astrônomos? 
          Se ficassem em seus lugares, não fossem até Belém, seriam infiéis para com a visão que tiveram, e perderiam a oportunidade de adorar a Deus, em carne e osso.
            Nós, também, perdemos muitos privilégios só porque não queremos sair do lugar que estamos! E, por que? Só porque somos comodistas. Não há outro motivo mais justo do que este?
            As situações por piores ou mais insuportáveis que nos pareçam, nos servem para que esperemos por algum momento melhor que nos possa acontecer inesperadamente, assim como foi a descida de Deus entre os homens. E, enquanto esperamos, ganhamos paciência, assim como o menino naquela estrebaria, que ainda tinha muito por viver e crescer. Ainda que não fosse mais que uma criança, na manjedoura, mas que cresceria, muitos anos passaria, pelo menos 30 anos, até então, ser levantado entre os homens, para atrair a todos que percebendo os contrastes de suas vidas com a vida dEle, se rendessem ao pé da cruz.
            Que nosso Natal seja mais parecido com a história do nascimento de Jesus, para que seja verdadeiramente feliz!

Abaixo a teatralização do Natal

            Maria, uma jovem adolescente. José, um carpinteiro. Belém, cidade de Davi. Pastores de ovelhas. Reis do Oriente. Estrela. Manjedoura. Anjos. Estrebaria. Ouro. Incenso. Mirra.
            Algumas referências ao evento mais importante de uma das maiores religiões do mundo: “Um menino vos nasceu”, segundo a narrativa bíblica.
            Nada chama mais a atenção do mundo do que o nascimento de uma criança. Tudo para. Tudo fica em suspenso. E, no caso, se nada fosse tão extraordinário, ainda assim o Cristianismo teria a energia de atrair e aproximar as pessoas.
A criança mobiliza todos os sentimentos humanos. Basta observar uma casa onde acaba de chegar uma criança. Os pais ficam sem saber o que fazer durante algum tempo. A casa “vira de pernas pro ar”. Nada mais interessa a uma mãe, a não ser o seu rebento. Um colega, ao conduzir o primeiro filho para casa, passou na padaria e levou trinta pães, sendo que no dia anterior, como de costume, levara apenas quatro.
É uma pena que, na maioria das comemorações do Natal, suas representações se fixem na literalidade das personagens, ou dos fatos que o cercaram. Isto sinaliza uma limitação emocional quanto aos símbolos da Festa. Parece que não sabemos celebrar sem recorrer à teatralização, ou às músicas que repetem sempre a mesma coisa, sem falar da correria mercantil a que nos submetemos sem reflexão. O que está ocorrendo? Não somos capazes de imaginar os significados da data para os nossos dias?
A mensagem do Natal passa pelos nossos instintos mais profundos, até primitivos.
É preciso termos um ponto de referência fora da realidade marcada pelo excesso, pela ambição, pela indiferença, pela valorização do que se tem e não do que se é, se quisermos sentir que a vida tem algum sentido que vai além das coisas e das pessoas que nos cercam. Pois, afinal, assim nos conta a narrativa – “não havia lugar na estalagem”, por isso o Menino teve de nascer onde se recolhia os animais.
Celebrar o Natal, neste sentido, passa por um autoexame quanto às nossas reações, aos padrões de comportamento e de atitudes que tomamos frente às opiniões dos outros acerca do que nos acontece, seja em relação à família, aos negócios, à espiritualidade, aos amigos, etc.
Se não quisermos discordar de nós mesmos, daquilo que somos, temos de recorrer ao que se passa em nosso interior, pois “no mundo de fora” não é possível encontrar o apoio de que se necessita para tomar as melhores decisões; ainda que surjam represálias e humilhações, a essência de quem se é permanece preservada.
O dia nos chama a atenção para o valor da humildade que contrabalança com as comodidades da vida moderna, que acredita no poder das tecnologias, pois como nos é contado, Reis do Oriente e pastores de ovelhas foram ver o Menino.
De que forma podemos celebrar a humildade?
Se não é possível não acompanhar a evolução tecnológica (os Reis do Oriente), é preciso ter consciência de que possuímos instintos, um lado simples (os pastores de ovelhas), considerado tolo por alguns, como: a sexualidade, a fome, a reflexão, a criatividade, as atividades simples, conforme entendia C. G. Jung.
Refletindo, apenas em três deles: a fome nos faz lembrar da necessidade de autopreservação, especialmente quando a privacidade está sendo cada vez mais descartada depois do advento da internet. A criatividade é o que nos leva a buscar a melhorar o mundo. E, as atividades mais simples, como pintar, dançar, esculpir, viajar, escrever nos levam a manter vivo o gosto por mudanças no jogo diário da vida.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A "gestação" da velhice

“Não é apenas o passado que nos condiciona, mas, também o futuro, que muito tempo antes já se encontra em nós e lentamente vai surgindo em nós mesmos” (JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 115).
“Depois que ‘trintei’, nunca mais contei!”; “Depois dos ‘enta’, é só agüenta!”; “Quem me dera ter de volta os meus 15-18 anos!”
Frases como estas nos comunicam a ideia de que poderia-teria-deveria vivenciar muitas outras experiências das quais, por vários motivos, ficaram para trás.
Parece que o maior incômodo é que a velhice se aproxima implacavelmente e, será um período repleto de dissabores, privações e de experiências negativas.
Ser capaz de se alegrar com o passado, ainda que não tenha sido tão feliz, é o desafio que se impõe a todos que se encontram na faixa dos 40-50 anos.
Somos, sim, incapazes de abrir mão da obstinada ideia de nos mantermos apegados a uma felicidade “perfeita” e dos hábitos egoístas que nos deram a identidade que acreditamos não sabemos viver sem ela, por isso lutamos tanto para que tudo permaneça como “sempre” foi, sem considerar, entretanto, a possibilidade de que só é possível alcançar uma personalidade mais rica e ampla sacrificando um ego construído “às duras penas”, ainda que subjetivamente sintamos que algo mais precioso pode ser alcançado.
Neste período da vida (aos 40-50, mais ou menos), é preciso acompanhar aos sutis movimentos do inconsciente. Segundo C. G. Jung (1875-1961), este processo se dá “muitas vezes como que uma espécie de mudança lenta do caráter da pessoa, outras vezes são traços desaparecidos desde a infância que voltam à tona; às vezes também antigas inclinações e interesses habituais começam a diminuir e são substituídos por novos” (A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 345).
É como se dá com o curso do sol: o astro-rei ascende das profundezas noturnas do inconsciente e se encanta com toda sua energia que é capaz de emitir para o universo, mas é incapaz de prever que caminha ao zênite. Ao chegar no ponto mais culminante, inicia seu processo de declínio, quando recolhe dentro de si seus próprios raios para iluminar a si mesmo, diminuindo a luz e o calor, até o completo ocaso.
Esta é uma verdade psicológica. Nossa psique nos faz ver que mudanças interiores se processam num nível bastante profundo. E, não há ninguém que nos alerte para este movimento interior, o que provoca, em alguns, desespero para que nada seja alterado. A sensação é de olhar para frente e não saber o que vai ser, e olhar para trás sentindo que muita coisa ficou incompleta ou não é mais possível ser realizada.
“Não podemos viver a tarde de nossa vida segundo o programa da manhã, porque aquilo que era muito na manhã, será pouco na tarde, e o que era verdadeiro na manhã, será falso no entardecer”, afirma Jung (idem, p. 348).
A gestação da nossa velhice está em processo desde nossa infância. Ao perceber os sutis sinais emitidos de seu aparecimento é preciso acompanhá-los com a alma sedenta por aprender um novo jeito de ser no mundo, sem medo das alterações que ocorrerão, mas tendo a perspectiva de que se está assimilando um sentido de vida mais amplo.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Conheça a Clínica de Psicologia

No endereço:
http://silvioperes.wix.com/clinicadepsicologia
Seja bem vindo!

O "mergulho" nosso de cada dia

As peças publicitárias de um grande banco inglês tocam num tema bastante interessante. Homens, mulheres e, a mais recente delas, um menino, refletem quanto ao que deixaram de experimentar porque resolveram não gastar algum dinheiro disponível, reservando-o para um futuro distante. Todas as personagens como que “mergulham” nas profundezas de seus inconscientes pessoais, trazendo à tona os conteúdos que em algum dia foram conscientes, mas que reprimiram ou se esqueceram de viver, devido às decisões que tomaram frente à vida. Entretanto, percebem que estão absolutamente sozinhos e órfãos diante da realidade ou da proximidade da morte, e resolvem dar “uma virada” na tentativa de “nascerem” para uma vida, até então, não vivida. 
Tal experiência é mais comum do que imaginamos. Desde que “comemos do fruto do conhecimento do bem e do mal” conforme o mito judaico-cristão, o desafio da ampliação da consciência se impõe. À medida que ficamos mais velhos, as comemorações de aniversário se acumulam ou, cada final de ano acontece, o “mergulho” nosso de cada dia se torna cada vez mais inevitável, levando-nos a “profundidades” que nos pareciam não existir, graças à capacidade inesgotável de refletir, duvidar e experimentar, pois só assim nos tornamos mais conscientes.
Como, recentemente, alguém disse: “Não gosto de falar sobre idade, porque percebo o quanto a vida já passou, já foi!”
Temer, tentar evitar ou bloquear o ritmo do “mergulho” impede o crescimento da consciência que a confrontação psíquica quer nos produzir. Queremos certezas e não dúvidas, resultados e não experimentos. Não queremos conhecer o estado de divisão interior a que os problemas nos induzem. É como se existisse um segundo eu, que nos diz o quanto o primeiro tomou o seu lugar. Percebemos que estamos “divididos”, que não somos os únicos “donos em nossa casa”. Ser adulto é duvidar a respeito de si mesmo, suportar quando discorda de si e, aceitar aquilo que é diferente e estranho daquilo que acredita ser. É não se tornar alheio daquilo que pode ser no futuro, só porque teme sacrificar o presente. É sempre bom olhar para o passado, para que os conteúdos que acreditamos que ficaram para trás tornem à superfície. Nossas necessidades insatisfeitas questionam as convicções defendidas com unhas e dentes, e até, os nossos princípios morais e de vida são revistos.
“Depois que sofri um acidente de carro deixei para trás uma pessoa que nunca deveria deixar. Eu era mais curioso, mais interessado pela vida, em descobrir e ter novas experiências. Fiquei mais previsível, temeroso e inseguro. Perdi a capacidade de me adaptar aos imprevistos e, me adaptei às convicções dos outros”, disse-me outra pessoa.
É preciso tomar alguma atitude quanto aos conteúdos que deixamos para trás, quanto àquilo que nos tornamos por ter-nos separado do que era a nossa essência, pois “os aspectos da vida que poderiam ser igualmente vividos, mas jazem no depósito de velharias, em meio a lembranças recobertas de pó; muitas vezes, no entanto, são brasas que continuam acesas por baixo de cinzas amarelecidas”, conforme C. G. Jung, em “A natureza da psique” (Vozes: Petrópolis, 2000, p. 345), somente aguardando um “mergulho” para dar à vida o seu sentido original.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Aspectos psicológicos do endividamento financeiro

Por que nos endividamos?
Quem não sabe das altas taxas de juros do cartão de crédito, do cheque especial ou do famigerado agiota, ou realmente não quer saber e nem procura por estas informações, ou simplesmente não se importa com o crescimento da dívida, mas, mesmo assim, se queixa de não ser capaz de viver sem dívidas. Entretanto, como se sabe, todas as necessárias informações quanto a estas cobranças estão disponíveis, bastando uma simples solicitação.
O psicólogo analítico Alex Borges Rocha, nos lembra que apesar de no Brasil a moeda se chamar “Real”, o dinheiro é cada vez mais “virtual”; que num tempo as pessoas recebiam o salário em “dinheiro vivo” e manipulando-o percebiam as reais possibilidades orçamentárias. Se o tivessem, comprava-se. Se não, não comprava.
Realmente, não é  difícil perceber o quanto algumas pessoas perderam a dimensão real, tangível, palpável, concreta do dinheiro. É como se o mesmo fosse algo subjetivo, virtual, quase irreal. Daí, cada vez mais, falamos ou ouvimos frases do tipo: “Hoje, eu não tenho, mas acho que vou ter no dia tal, então vou comprar, depois vejo o que faço”. “No mês seguinte, vai entrar um dinheiro, então...”. “O negócio era tão bom, que tive uma intuição, e no final tudo vai dar certo!” “Quero comprar tal coisa, mas agora não tenho dinheiro, então, passo o cartão, dou cheque pré-datado, entro no cheque especial, faço um carnê”. “Poxa, também, sou filho de Deus. Mereço um prêmio”.
Realmente, tratar o dinheiro dessa maneira fica difícil viver sem dívidas, uma meta distante, impossível de ser alcançada.
Parece-me que a questão não se resume a manter-se distante dos templos de consumo, especialmente nesta época do ano, mas trata-se de algo que se passa numa camada mais interior.
Para Rocha: “É sabido que quem vive dentro de um orçamento planejado não entra em dívida, mas tem que lidar com a frustração. [...] Saber qual é o real poder de compra é criar consciência de quanto se ganha e quanto se gasta” (O psicólogo clínico e o dinheiro. Revista Hermes, nº 17. São Paulo: Instituto Sedes Sapientiae, 2012, p. 14).
Quanto mais baixo o nível de suportar a frustração, maior deve-se aumentar as entradas financeiras, e não o número de parcelas.
O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), nos lembra: “Neurose é um estado de desunião consigo mesmo, causado pela oposição entre as necessidades instintivas e as exigências da cultura, entre os caprichos infantis e a vontade de adaptação, entre os deveres individuais e coletivos. A neurose é um sinal de parada para o indivíduo que está num caminho falso, e um sinal de alarme que o induz a procurar um processo de cura pessoal” (Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 356).
quem devo mais: a mim mesmo, ou às expectativas alheias? “Preciso” ou “desejo”? Por que cobrar de outras pessoas aquilo que só eu posso pagar-me?
“O dinheiro é um dos grandes determinadores [...] do valor que temos com relação a coisas e pessoas”, conforme o rabino Nilton Bonder (A Cabala do dinheiro. Rio de Janeiro: Imago, 1991, p. 153).
Fazer e pagar dívidas indicam quem sou nesta vida, e o que a vida é para mim.