segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

"Rolezinhos" e o Complexo de Poder

“Polícia neles!” – assim muitos reagiram aos “rolezinhos”.
Por que chamar a polícia? Desejo por mais repressão? Entretanto é bom lembrar que há exatos 50 anos (1964), a polícia foi usada para sufocar alguns movimentos sociais que, na época, igualmente, eram interpretados como “barbárie, anarquia, rompimento com o capitalismo, confronto à ordem econômica e social da sociedade”.
Será que não podemos reagir de maneira socialmente mais responsável a esta questão, como também aos protestos programados que prometem perturbar a “cultura” do consumo, do “espetáculo” da Copa do Mundo e o “circo” das eleições?
Temos de enfrentar estas e outras situações nacionais que refletem em nosso cotidiano local com autocrítica e reflexão maduras.
Segundo Jessé Souza, sociólogo e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora: “O problema real não é nem da polícia nem das autoridades. É o apartheid social entre a classe média europeizada e as classes populares. Esse apartheid criou o tipo de polícia e a cultura da violência que temos”. E, adensando mais a questão, Souza nos lembra que a classe média detém e espera que as classes populares consumam os bens político-cultuais que produz, não decide mais as eleições majoritárias no Brasil e, promove uma pobreza moral e política de ideias porque: “desconhece que sem autoconfiança, autoestima e reconhecimento social, não existe comportamento econômico racional” (O role da ralé. O Estado de São Paulo: 19/01/14, p. E2).
A raiz do problema apontado por Souza é psicológica – a divisão entre pobres e ricos e a indiferença que gera a falta de compromissos efetivos com as condições de vida que tocam a todos nós – é a parte externa de uma realidade interna.
Trata-se do Complexo de Poder, conforme a psicologia de Carl Gustav Jung.
Complexo é uma “entidade autônoma dentro da psique” (A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 57). Isto é, muitos dos nossos comportamentos podem ser controlados por uma energia psíquica que transborda do inconsciente, causando-nos uma desarmonia muito grande em nós e, consequentemente, com todos ao redor.
Os “sintomas mentais” do Complexo de Poder se caracterizam por: egocentrismo narcísico (para exercer o poder, as necessidades alheias tendem a ser ignoradas), autoritarismo, intolerância à contradição, competitividade, apego ao Poder, acúmulo de riqueza, fala com ar de comando, corrupção, inveja, baixa tolerância a frustração, ostentação, aversão aos símplices, ambição, delírio de grandeza, etc.
Consumir é uma das emoções que mais nos tem deixado inflados, verdadeiramente “possessos”. Ricos e pobres “ficam fora de si mesmos” quando o assunto é comprar. O consumismo, a que o sistema econômico sob o comando dos governos nos impõe, é uma das faces mais visíveis do Complexo de Poder. Consequência: fraco espírito de solidariedade e pouca responsabilidade político-social.
Polícia neles? Não. As Polícias têm muitas outras tarefas que precisam ser desempenhadas. Precisamos, sim, “policiar” ao nosso próprio Complexo de Poder.
“A regra psicológica diz que, quando uma situação interior não é conscientizada, ela acontece fora, como sina. Quer dizer, quando o indivíduo permanece não dividido e não se conscientiza de suas contradições internas, o mundo tem forçosamente de representar o conflito e ser rasgado em duas metades opostas”, Jung (DVD – Matter of heart).

domingo, 19 de janeiro de 2014

Por que a reflexão é importante?

A pergunta de Pilatos a Jesus – “O que é a verdade?” (Evangelho de João 18.38) – é a mesma que fazemos todos os dias e, em muitas circunstâncias. Não se trata de uma dúvida para a qual não há resposta. O problema é que pensamos que há uma só maneira de responder: objetiva ou subjetivamente. E, assim, estabelecemos a unilateralidade da consciência.
Preferimos a ideia objetiva porque demarca fronteiras seguras, origina-se em alguma realidade exterior a nós que pode ser percebida em sua materialidade, como: fórmulas científicas, fatos e documentos históricos, objetos arqueológicos, lugares especiais, tradições institucionais e familiares, etc. “Navegar é preciso”, como dizia Fernando Pessoa (1888-1935).
Ideias subjetivas são passíveis de repressão ou censura porque se originam do lado de dentro da gente, fruto da imaginação, como se diz. Daí o empenho de reprimi-las, para que, principalmente, não se tornem um obstáculo à adaptação social.
Quanto mais um juízo formulado seguir uma norma exterior, maior a chance de ser acreditado e defendido como “verdade” e, quanto mais fatores subjetivos estiverem envolvidos na formulação do juízo, menores chances de ser considerado digno de confiança e de ser defendido. Segundo este critério, a ausência de fatos objetivos e/ou de ideias gerais, leva a alguns a concluir que não se trata de um pensamento. Neste sentido, conforme C. G. Jung: “o pensar subjetivamente orientado aparece como pura arbitrariedade” (Tipos Psicológicos. Guanabara Koogan, 1987, p. 403).
Entretanto, é preciso atentar para o seguinte: todas as ideias, objetivas e subjetivas, se originam na psique. Uma, por que ganhou realidade externa, e a outra, por que é real internamente. E, o inconsciente, na grande maioria das vezes, de forma diferente do ponto de vista assumido pela consciência, é o grande aliado do ego, num processo de compensação por meio de, por exemplo, fantasias, sonhos, afetos, sintomas comportamentais, para que este se ponha em termos com ambas as ideias.
Em se tratando das ideias subjetivas, dada a sua natureza, porque tentamos excluí-las, inibi-las da consciência sem refletirmos sobre seus significados, pagamos um alto preço psicológico. Sentimentos passam a ser vistos como fraquezas, que por sua vez, são considerados ignorância; a estética torna-se supérfluo, tabu ou “sonho de consumo”; o gosto pessoal em falsa modéstia e hipocrisia; a arte, banalidade que resulta em perda da criatividade; as amizades, situações desprezíveis que se desenvolvem em discriminação e intolerância; as experiências religiosas em sentimentalismos infantis que desembocam nos fanatismos e num farisaísmo velado; as paixões em enganos que dão origem a superstições intelectuais.
Só a reflexão sobre as ideias objetivas pode criar novos fatos. Quando se decompõe uma ideia objetiva encontra-se uma nova organização interna, uma nova concepção de valores, acrescentando alguma coisa ao que era defendido. Nem por isso pode ser considerada destruidora às referências anteriores, antes, a vida adquire uma dinâmica geradora de progressos. “Viver não é preciso”, como nos ensina Pessoa.
A reflexão põe em movimento a capacidade de pensar, não deixa paralisar nem regredir as ideias. Só a reflexão evita a alienação paralisante que uma posição unilateral, objetiva ou subjetiva, pode provocar. A reflexão leva a perguntar: o que é que eu, realmente penso, no fundo, sobre este assunto?

domingo, 12 de janeiro de 2014

"A luta contra o vício"

“Sou um viciado. [...] Minha autoimagem era tão negativa que eu simplesmente esperava que coisas ruins acontecessem comigo. Para vencer o vício, tive de substituir o desejo de consumir álcool e drogas pelo desejo de ser uma pessoa melhor. Aprendi que estar sóbrio é mais do que simplesmente evitar as drogas e o álcool. Trata-se de um estilo de vida cujo foco está em fazer escolhas morais, trazendo para o primeiro plano as coisas que fazem a vida valer à pena. [...] É claro que precisei de uma consciência mais desenvolvida para sustentar isso. No decorrer dos anos, minha consciência me salvou do abismo de uma vida de total abuso hedonista. [...] Aprendi que, quando sou elogiado, é o momento de me concentrar em minhas falhas. Dessa forma, impeço que meu narcisismo fuja do controle, fazendo-me achar que posso agir sem me importar com as consequências. [...] Por mais que tivesse passado cinco anos sem usar drogas, durante todo esse tempo eu não me senti à vontade comigo mesmo. Guardar os problemas para si é o pior sentimento do mundo. Quando resolvi essas questões, por meio da terapia e de conversas com a minha família, me senti um novo homem. Depois de anos de terapia, aprendi a não me recriminar tanto. Lembrei que a recaída faz parte da recuperação”, Mike Tyson (A luta contra o vício. O Estado de São Paulo: 07/01/14, A8).
O campeão internacional de boxe Mike Tyson, nos revela que o ajustamento das suas disposições internas e o mundo – origem pobre nos subúrbios de Nova Iorque, ascensão profissional, riqueza, amigos, álcool e drogas, esposa e filhos – é uma luta que provocou modificações significativas em seus valores de vida, mas, principalmente, que a “cura” só é possível com a restauração de sua consciência pessoal, isto é, a percepção de que viver é “fazer escolhas morais”, é levar em conta os próprios pontos de vista subjetivos, que num processo de dependência química deixam de ser prioritários. Isto é muito importante, pois as opiniões subjetivas dos dependentes químicos permanecem vivas, apenas a sua força determinante é menor do que a das condições objetivas exteriores, quer dizer, para a sua mentalidade não existe qualquer outra coisa... nele próprio, conforme C. G. Jung, em seu “Tipos Psicológicos”.
A substituição dos fins objetivos por subjetivos é um processo gradual, daí as recaídas. As consequências negativas que o uso e/ou abuso das drogas provocam, são coadjuvantes no processo de ampliação da consciência, pois é preciso perceber o que a falta de liberdade e de visão internas acarreta à vida, mesmo que no exterior as coisas estejam acontecendo conforme a pessoa quer.
A dificuldade, daí a necessidade da contribuição psicoterápica, é enfrentar o pensamento de que seguir a subjetividade é se colocar sob um juízo contrário a realidade exterior, pois acredita que nada é mais perturbador ao pensamento do que sentir, e vice-versa. A psicoterapia, então, harmoniza o mais possível, segundo a capacidade de cada indivíduo, os pontos de vista interiores, do que é inconsciente, com o mundo objetivo, do que é consciente, evitando a viver um único lado de sua personalidade que o impede de transformar, criativamente, suas dificuldades.
Como Tyson, para vencermos as realidades exteriores, a luta é interna e, o inimigo, somos nós mesmos.

domingo, 5 de janeiro de 2014

A solução está dentro de cada um de nós

Se considerarmos os problemas econômicos e sociais, como os que o País e a Cidade enfrentam, apenas pela perspectiva político-partidária especialmente em período eleitoral, no caso do Brasil, que foi antecipado em quase dois anos, a oposição está coberta de razão. Entretanto, é majoritária a opinião dos cientistas políticos: aqueles que deveriam fazer verdadeira oposição ao(s) governo(s) nada fizeram, no sentido de mobilizar a opinião pública para reverter as dificuldades, porque falta-lhe um projeto alternativo e, lideranças significativas que atraiam os cidadãos. Porém, o problema é muito mais grave do que isto: os partidos de oposição têm o mesmo objetivo dos governantes: “cuidar do povo”, como demonstram as mensagens publicitárias dos governos federal, estadual e municipal: “Melhorar sua vida, nosso compromisso”; “A gente cuida da saúde. A gente cuida de você”; “Marília, crescendo com a sua gente”. A farsa está aí. Motivo, puramente, eleitoreiro. Contudo, as manifestações de rua, ocorridas em junho e julho do ano passado, deixaram o seu recado: sabemos em quem não vamos votar nas próximas eleições. A insatisfação continua e só cresce. O povo ensaiou o “Vento bravo”, de Tom Jobim e Edu Lobo: “Como um sangue novo / Como um grito no ar / Correnteza de rio / Que não vai se acalmar”. Oxalá!
Esta questão vai além de buscar quem está certo e quem está errado. Atitudes moralistas intensificam ainda mais a prática imoral. Nosso conceito de moralidade pública precisa ser atualizado. É preciso ultrapassar a barreira da ideia de que o mal existe somente do lado de fora, e são os outros. Frases como: “Se não fossem “eles”, as condições seriam melhores” – levam-nos a fingir que a questão não é pessoal. Nem, tão pouco se trata de “falta” de religiosidade. Moralidade e religiosidade nada construíram ou constroem solidamente, que a vilania da natureza humana não é capaz de solapar.
Se as confissões religiosas e a moral vigente não conseguiram resolver, é um problema que cabe a elas decidirem se ainda desejam permanecer num caminho que tem como destino o que já se sabe: o fracasso e, consequente, rejeição por parte da maioria das pessoas. Afinal, o Mestre dos mestres, já disse: “Se o sal perde o gosto, deixa de ser sal e não serve para mais nada. É jogado fora e pisado pelas pessoas que passam” (Evangelho de Mateus 5.13).
Acredito que a solução passa pelo que Jung escreveu: “Tudo aquilo pelo qual as pessoas lutam no mundo exterior, também é uma luta no interior de cada um de nós. É preciso admitir finalmente que a humanidade não é um amontoado de individualidades separadas, mas possui um grau de coletividade psicológica tão elevado que o individual parece uma variação sutil. Como, porém, julgar corretamente este assunto se não conseguirmos admitir que ele também é problema nosso? Quem for capaz de admitir isso procurará em primeiro lugar a solução dentro de si mesmo. E é dessa forma que surgem as grandes soluções. [...] Quem aprendeu a examinar os fundamentos e panos de fundo de seu pensar e agir, e adquiriu uma visão profunda e salutar da maneira como os impulsos biológicos inconscientes torcem nossa lógica, perde o gosto por lutas de gladiadores e disputas públicas, resolvendo o assunto dentro de si mesmo” (JUNG, C. G. A vida simbólica: escritos diversos. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 394).
Enfrentemos o desafio!