segunda-feira, 31 de março de 2014

Enxergando na penumbra

            Desculpe-me, mas chamo a sua atenção, novamente, às palavras do analista junguiano James Hillman (1926-2011), publicadas no artigo anterior, referentes à consciência: “A intensificação contínua da consciência para o ego e pelo ego causa cada vez mais escuridão e inconsciência em outros domínios. A consciência difusa de um território intermediário vai-se estreitando às especificações do ego, ou então acaba caindo no abismo. Perde-se a habilidade de enxergar na penumbra, ficando também perdido o senso de maravilhar-se, próprio da criança. Assim, a função simbólica entra em declínio e o mundo se torna desmitologizado” (Uma busca interior em psicologia e religião. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 123).
            O motivo principal de retornar a estas palavras se deve a, pelo menos, três eventos recentes: a “Marcha da família com Deus e pela liberdade”, quando um grupo de manifestantes pediu a intervenção militar no País, no último dia 22/03, em São Paulo; a discussão da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos de idade, para crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo, e aos reincidentes em casos de lesões corporais ou roubo qualificado se um promotor da Vara da Infância se posicionar favorável; e, o aumento do preço das passagens do transporte coletivo em Marília, por exemplo, mesmo fora das regras do contrato de concessão.
Enamorar com a ideia do retorno dos militares ao poder para “acabar com a corrupção”; pretender que crianças e adolescentes infratores tenham uma punição mais severa como defende parte da população e, eleitoreiramente, alguns parlamentares, inclusive os que “representam” a nossa região para “acabar com a violência”; e, negar-se a discutir com transparência os contratos com as empresas que prestam o serviço de transporte coletivo na cidade, bem como em negar de participar das manifestações contrárias ao aumento da passagem, como se R$0,35 não alterasse a vida financeira de ninguém com vistas a “evitar que os meios de locomoção não sofram descontinuidade”, dão-nos a real dimensão do que uma consciência que toma decisões levada pelas ideias de um ego que se considera “iluminado” por que foi capaz de chegar a estas conclusões graças à capacidade de abstração, realmente, indica-nos que não conseguimos “enxergar na penumbra”, e que perdemos o “senso de maravilhar-se, próprio da criança”, nos dando a sensação amarga de que estamos condenados a viver num “escuro abismo”.
Os desafios que a sociedade brasileira enfrenta, respeitando as devidas proporções, exigem atitudes de pessoas que se empenharam para “enxergar na penumbra”, como: Nelson Mandela (1918-2013), Mahatma Gandhi (1869-1948), Martin Luther King Jr. (1929-1968), Albert Schweitzer (1875-1965), Herbert de Sousa (1935-1997), Ernesto Sabato (1911-2011), entre outros, que em condições igualmente complexas deixaram suas pretensões pessoais de lado, entraram em “entendimento” com os conteúdos opostos às suas vontades e impulsos pessoais e, apesar de sofrerem o preconceito social de seus contemporâneos, pelos posicionamentos tomados, não perderam “o senso de maravilhar-se” com a vida.

“Enxergar na penumbra” é vivenciar uma consciência menos perfeccionista, menos apegada às tradições e conservadorismos, mais voltada às próprias imperfeições e defeitos, aos crimes de que se é capaz de cometer; é manter viva a chama da esperança, sob o forte vendaval do desespero.

segunda-feira, 24 de março de 2014

A "voz" da consciência

Dentro de nós há uma voz insistente e calma que chamamos “consciência”. Percebemo-la, especialmente, em situações que nos vemos obrigados a sacrificar nossas vontades e impulsos pessoais. Portanto, não me refiro à experiência do conhecer, mas ao superego, referido na teoria psicanalítica.
            A “voz” da consciência, às vezes, surge de modo ostensivo não deixando nenhuma dúvida quanto à melhor postura a tomar diante de uma determinada situação, outras vezes, não tão definida, manifesta-se sutilmente deixando-nos em dúvida.
A consciência é o fator psicológico que nos leva a sentir que existe um “outro” interno que faz exigências quanto a nós mesmos frente às questões ligadas ao sexo, ao poder, ao dinheiro, à política, ao que comemos e bebemos, aos estudos, aos comportamentos sociais e relacionamentos, por exemplo, e aos outros ao nosso redor.
“Pesada” para alguns, graças à ansiedade e ao sentimento de culpa, quando alguma “regra” social é infringida; “leve”, aos que se sentem cumpridores dos “deveres” sociais; “problema” e causadora de “dor” a outros, em caso de violação aos padrões coletivos considerados “certos”. Consideramos “sem consciência”: estupradores, assassinos, corruptos, pedófilos, torturadores, etc.
Conforme o analista de treinamento no Instituto C. G. Jung de Chicago (EUA), Murray Stein, a consciência nos leva a tornar abstratas todas as coisas e, experimentamos uma espécie de “iluminação moral”, isto é, nos sentimos capazes de desenvolver “um profundo e apaixonado compromisso com os valores abstratos que subjazem a uma tradição cultural ou religiosa em especial”, que passa a ser defendido como “a voz de Deus” (Consciência Solar, Consciência Lunar: Ensaio sobre os fundamentos psicológicos da moralidade, da legalidade e da noção de justiça. São Paulo: Paulus, 1998, p. 44).
Segundo Stein, isto pode resultar em algumas atitudes: 1) compreender os valores, as leis, as regras e os costumes como sendo “concretos”, isto é, questões inegociáveis, invariáveis, impossíveis de alteração, tal o apego afetivo às figuras que as representam, como: os pais, o clube de futebol, o partido político, a denominação religiosa, a teoria científica, etc.; 2) algumas pessoas podem se sentir “perfeitas”, tal o nível de zelo e exigências morais que tentam preencher e acreditam atendê-las, mais especialmente quando comparam e analisam as fraquezas alheias, o que as leva a elaborar críticas mordazes, estabelecer estruturas ideais onde tudo ocorre com perfeição, sem, contudo, perceber que nutrem um sentimento de inimizade contra todos aqueles que pensam diferentemente dele.

Posicionar-se desta maneira frente à vida é assumir uma atitude fatal. Como afirma outro analista junguiano: “A intensificação contínua da consciência para o ego e pelo ego causa cada vez mais escuridão e inconsciência em outros domínios. A consciência difusa de um território intermediário vai-se estreitando às especificações do ego, ou então acaba caindo no abismo. Perde-se a habilidade de enxergar na penumbra, ficando também perdido o senso de maravilhar-se, próprio da criança. Assim, a função simbólica entra em declínio e o mundo se torna desmitologizado” (HILLMAN, J. Uma busca interior em psicologia e religião. São Paulo: Paulinas: 1984, p. 123).

quarta-feira, 19 de março de 2014

II PsicoCine

PsicoCine
PsicoCine é um projeto que se propõe analisar e refletir sobre as produções cinematográficas que possam ser usadas como instrumento de aplicação e discussão de temas relacionadas a Psicologia,  fomentando a potencialidade do cinema como processo de criação de modos de existência, produção de subjetividades, desejos e realidades,  em sua dimensão estética, ética e psicológica.
Filme: O amor não tira férias (O Palhaço - foi adiado para o próximo mês de Abril)
Dia 29 de março de 2014
Horário: 16h00
Local: Salão Paroquial da Matriz Santo Antônio (entrada pela R. Prudente de Moraes)
Evento gratuito

domingo, 16 de março de 2014

Conheça a Clínica de Psicologia

Conheça a Clínica de Psicologia

No endereço:

http://silvioperes.wix.com/clinicadepsicologia
Seja bem vindo!

Como não guardar a fantasia no armário: exercício prático

            Do que você se fantasiou neste carnaval? Palhaço, pirata, melindrosa, médico, pierrô, colombina, baiana, padre, índio, fantasma, feiticeiro, ladrão, toureiro, diabo, malandro? Não se fantasiou? Ficou em casa? Participou do retiro espiritual? Não importa. O importante é manter contato com a fantasia que carregamos dentro de nós, buscar pelo seu significado, no sentido de assimilar à consciência os elementos que, na maior parte do tempo, preferimos inibir.
            Talvez as palavras do papa Francisco, há poucos dias, numa conversa informal com outros sacerdotes em Roma, nos ajude a compreender o que quero dizer.
Francisco contou que no enterro de seu confessor, há alguns anos atrás, em Buenos Aires: “Enquanto organizava as flores (no caixão), despertou o ladrão que todos levamos conosco, e tomei-lhe a cruz”, que a carrega até hoje, em uma pequena bolsa debaixo de sua batina, no desejo de ter a “metade da misericórdia” do sacerdote morto (O Estado de São Paulo. 08/03, A27).
            Não importa, “santos” ou “pecadores”, carregamos dentro de nós fantasias que nos “despertam” com o objetivo de serem assimiladas à consciência.
O então cardeal Jorge Mario Bergoglio, pelo menos naquele dia, vestiu a fantasia de um “ladrão” esperto. Entretanto, não a guarda no armário, antes, procura compreender os seus sentidos psicológicos. E, conclui: “Cada vez que algum mau pensamento sobre alguém me assalta, minha mão se dirige para ela (a cruz), sempre”.
O papa Francisco, dessa maneira, assimila à sua consciência um conteúdo, talvez até então inconsciente, levando-o a um desenvolvimento psicológico mais amplo e dinâmico, a ser “misericordioso”.
Como afirma C. G. Jung: “O ego se acha confrontado com um fator psíquico, um produto cuja existência se deve principalmente a um evento inconsciente, e por isto se encontra, de algum modo, em oposição ao ego e as suas tendências” (A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 20).
            Não é possível refrear a confrontação da psique, daí a necessidade de realizar um exercício, através da imaginação.
Trata-se de uma atividade que nos leve a unir-nos àquilo que nos parece oposto a nós, mas que possui o poder de nos transformar em pessoas, psicologicamente, mais saudáveis. Do contrário: “A fantasia criadora, se não mantida dentro de limites adequados, pode degenerar em anormalidades perniciosas. Mas esses limites não devem ser artificialmente impostos pelo intelecto ou pelo sentimento racional. São limites colocados pela necessidade e pela realidade irrefutável”, segundo o mesmo Jung (Tipos psicológicos. 4ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987, p. 88).
Receba bem a imagem que se apresenta em sua fantasia, não tente censurar nem despreze o seu conteúdo. Mostre disposição em escutar o que ela tem a dizer. Expresse-lhe todos os sentimentos que tiver: raiva, medo, alegria, tristeza, decepção, ansiedade, ódio, rancor, agressividade. Interaja com ela, perguntando e argumentando. Se entregue ao inesperado. Estabeleça limites éticos e de responsabilidade, lembrando de seus valores de caráter mais profundos, preservando vivos os seus relacionamentos. Procure de algum modo, tornar o processo imaginativo o mais “concreto” possível. 

sábado, 8 de março de 2014

Não guarde a fantasia no armário

A festa de Carnaval proporcionou um encontro com o seu lado oposto, tenha você se fantasiado, ou até mesmo, participado de algum retiro espiritual. O encontro com o seu lado oposto tem muito a comunicar a você.
            Considere o Carnaval como uma oportunidade dos instintos, mais íntimos, oferecerem elementos que podem ampliar a sua consciência; saber um pouco mais quem se é. Trata-se de outra maneira de ter contato e desenvolver a capacidade de julgar, cuidando para não ser levado por opiniões coletivas, de se identificar com a fantasia a ponto de fundir-se com ela, ou de depreciar a si mesmo, porque não fez uma boa escolha do ponto de vista estético ou, por considerá-la incompatível com o que pensa a seu respeito. “Não é o reconhecimento do produto individual, mas sua apreciação subjetiva, a compreensão do seu significado e do seu valor para o sujeito”, que mais importa, conforme C. G. Jung (A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 17).
            Se considerar incompatível, por tratar-se de conteúdos irracionais, indesejáveis ou inesperados, é porque ou se empenhou em desconsiderá-la ou porque inibiu seus significados. Ainda para o próprio Jung: “Só uma parte diminuta dos conteúdos é de valor extraordinário, seja do ponto de vista coletivo seja do ponto de vista subjetivo. Conteúdos destituídos de valor coletivo podem ter um valor imenso, quando considerado sob o ponto de vista individual” (idem, p. 18).
            Neste caso, mais importa aquilo que você considera como significativo para a sua própria vida, sem se importar com a sensibilidade do resto da sociedade, pois se tratam de conteúdos de tonalidade afetiva próprios.
            Leve em conta que a sua fantasia, como expressão do inconsciente pessoal ou coletivo, trata-se do lado oposto ao que se pensa, propondo um confronto para levá-lo(a) a compreender o seu valor como fator para enriquecer a sua vida. Neste momento, segundo Jung: “O ego se acha confrontado com um fato psíquico, um produto cuja existência se deve principalmente a um evento inconsciente, e por isto se encontra, (apenas) de algum modo, em oposição ao ego e as suas tendências” (idem, p. 20).
            Quanto mais numerosas forem as sugestões que a fantasia lhe sugerir, melhor, pois são aspectos que precisam ser assimilados à consciência, tornando a vida mais interessante e, distante de atitudes unilaterais responsáveis por transtornos mentais indesejáveis, dos quais gostaria de se libertar. Está em questão a renovação da personalidade em todos os domínios da vida.
            É importante ouvir o que o lado oposto tem a dizer. Escrever o que “o/a outro/a” tem a dizer, é um método recomendado por Jung. Os pontos de vista do outro/a, ainda que contrastantes, precisam ser comparados e discutidos, a fim de distingui-los de você mesmo, mas enriquecendo-o/a.
            Comece perguntando: Que influência a fantasia exerce sobre mim?

            Neste processo, não basta ser inteligente. É necessário ter autoconfiança e coragem, menos escrúpulos espirituais ou moralistas, e menos ainda, preguiça ou covardia. Antes, encontre a coragem de ser o que se é. E, não tente aplicar as conclusões a que você chegar a outras pessoas, porque cada um tem a sua própria psicologia.

domingo, 2 de março de 2014

Carnaval: encontrando a nós mesmos

            Nas ruas e salões de todo o País assistimos aos desfiles dos arquétipos humanos simbolizados em cada aparato carnavalesco, dos confetes e serpentinas às grandes escolas de samba e blocos carnavalescos, animando a cada folião.
            No corpo do pensamento psicológico desenvolvido por C. G. Jung, arquétipo é uma entidade psíquica preexistente a todos nós, dotada de energia tal, que é capaz de ativar fatores interiores que podem transformar nossas vidas conscientes, devido as emoções que o nosso corpo sente, e nos parecem não serem nossas.
Os arquétipos são “verdadeiras personalidades psíquicas que possuem uma realidade diferenciada (JUNG, C. G. Estudos alquímicos. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 44), por isso ao nos encontrar, seus impactos nos causam, ao menos no primeiro momento, algum estranhamento, espanto, admiração, êxtase ao invadirem autonomamente nosso ego fria e arrogantemente intelectualizado; entretanto, ainda segundo Jung, não são elas que estão em nós, ao contrário, nós que estamos nelas. “Para mim, a alma é um mundo no qual o eu está inserido”, afirma ele na mesma obra (p. 55).
            Os arquétipos se nos apresentam através de imagens, e o Carnaval é mais um dos momentos em que sensorialmente percebemos suas presenças.
Aparentemente inofensivas e/ou ingênuas, entretanto, o significado simbólico dos Pierrôs, Colombinas, Piratas, Baianas, entre outras fantasias, são carregadas de energias que podem nos beneficiar, bem como, nos prejudicar. Nossas emoções mais primitivas ficam à flor da pele, algumas nos enchem de prazer, outras nos dão a sensação de estarmos “possuídos” por algo mais forte. Alguns se sujeitam a influência das emoções, de tal maneira a terem a vida transformada que, dependendo das consequências, terão de arcar com elas, se arrependerem e, depois repararem o mal que sofreu e fez sofrer. Outros, entretanto, poderão ter uma ampliação de suas consciências, se refletirem quanto ao significado de suas emoções, antes de se deixarem levar por elas.
            Se quisermos compreender o significado das imagens que acessam nossos conteúdos mais íntimos, devemos experimentar o que têm a nos dizer a respeito de nós mesmos, e incluí-los à consciência, ou seja, trazer à luz o que está nas sombras, a fim de provocar uma mudança em nossa personalidade.
            Durante a festa, as fantasias nos mostram aquilo que não queremos ser, bem como os nossos talentos e verdadeiros dons e, se não as reconhecemos, nossas atitudes podem ser ingênuas, mas os problemas que criamos com isto, tornam-se cada vez mais complexos e difíceis. Assim, o baile de carnaval continuará depois da Quarta-feira de Cinzas, quer dizer, as fantasias ganharam notoriedade, muito mais do que, simplesmente, para nos divertir, mas, para as chamarmos pelos seus verdadeiros nomes e darmos um significado pessoal a cada uma delas.

            “Alguém se encontra diante de um perigo que deve ser superado. Fraqueza e impaciência nada conseguirão [...] Só quando se tem coragem de ver as coisas diretamente tais como são na realidade, sem se deixar enganar ou iludir, é que surge uma luz que permite reconhecer o caminho para o sucesso” (I Ching, Bollingen Edition, p. 25, apud, Abrams, J. A hora do salto da sombra. Rev. Hermes, nº 17, 2012, p. 107).