terça-feira, 30 de setembro de 2014

Quando assumiremos a nossa identidade brasileira?

A colonização do nosso País se deu em condições adversas à nossa vontade. Fomos oprimidos, explorados, desrespeitados em nossa cultura, religiões e costumes, como se não tivéssemos histórias, identidades, nem vontades, nem desejos próprios. É como se a nossa certidão de nascimento, nos negasse o direito de sermos nós mesmos, o que nos deixa numa dificuldade: não sabemos o que é ser brasileiro.
Os imigrantes trouxeram sua forma própria de pensar e agir, e passamos a imitá-los, sem procurarmos por nossas próprias raízes. Parece que temos vergonha de sermos brasileiros, por que assumir nossas idiossincrasias é reconhecer nossos limites. Preferimos pensar que não temos defeitos. Daí acharmos mais fácil procurarmos alguém para culpar quando as coisas não saem da maneira que gostaríamos. Basta olharmos para o agravamento de nossos problemas: violência contra as crianças, os idosos, os jovens pobres e negros, exclusão social, descuido com o meio ambiente, corrupção em todas as esferas de poder, racismo, injustiça, descuido com a saúde, educação e transportes públicos, etc.
A energia psíquica que pode levar-nos a nos envolver e resolver estes problemas não flui, está impedida.
A saída?
“Assumir nossa doença talvez seja o início da sabedoria”, recomenda Arnaldo Jabor (A mentira virou verdade. O Estado de São Paulo: 16.09.14, C8).
Em termos junguianos, a “doença” somos nós. Ou assumimos nossa sombra coletiva, ou teremos nossa vida social possuída pela corrupção, insegurança, imoralidade com a coisa pública.
Assumir a sombra significa se aproximar com o coração aberto de tudo aquilo que nos deixa envergonhados, indignados, humilhados, desanimados, enojados.
Segundo a psicoterapeuta junguiana e mestre em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo, Maria Helena R. Mandacarú Guerra: “É necessário que tenhamos uma crise moral, pois sem ela não se pode transformar a sombra” (Brasil: sombra e cidadania. Revista Junguiana. p. 243).
Precisamos encarar os problemas do Brasil de um modo pessoal, isto é, vendo-nos como responsáveis, individualmente, por eles e, também, como as suas soluções.
É comum afirmarmos que o nosso País tem dimensões continentais devido às grandes distâncias geográficas que marcam nosso território, entretanto, não podemos nos manter emocionalmente distantes de nossos problemas políticos, sociais e econômicos. Quanto mais sentirmos que eles estão longe de nós, menos nos sentiremos responsáveis por eles, seremos mais frios, omissos e dissociados.

Não estaríamos assim reproduzindo os mesmos sentimentos e atitudes daqueles que nos colonizaram? Quando assumiremos a nossa identidade brasileira?

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Eleitores e candidatos, suficientemente bons

            Há um desejo inato, nos seres humanos, de mudar a realidade social e política.
Este potencial pode ser estimulado ou reprimido. E, sempre desbloqueado!
Se reprimido, para onde vai a energia política?
Para muitos, pode ser que se dirija para a esperança que apareça um líder heróico para conduzir o País às transformações. Entretanto, a confiança numa liderança que encarna a função de herói gera uma população passiva e uma elite sedenta de poder.
A passividade da população frente aos líderes que aceitam o papel de herói provoca, pelo menos, dois problemas: 1. impede a aprender com os erros, mesmo diante de muitos prejuízos sociais, econômicos e políticos; 2. só estimula a velha prática de buscar os culpados.
Como eleitores é nossa responsabilidade deixar de lado o cinismo e o “complexo de vira-lata”, como entendia o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980): “o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima” (À sombra das chuteiras: crônicas de futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 51).
Diante dos desafios que a nossa sociedade tem pela frente, não podem ser vencidos com cinismo e fraca autoestima.
Concordo com a reflexão do britânico Andrew Samuels (1949-), psicólogo junguiano e consultor político: “Para alterar as nossas ideias sobre os líderes também significa alterar as nossas idéias sobre nós mesmos como cidadãos. Muito tem sido escrito sobre a apatia (passividade) recentemente. Mas há um sentido em que o problema é muito maior do que podemos imaginar: aspiramos, acreditamos em soluções perfeitas – que leva, inevitavelmente, à decepção com a política e à repressão do potencial político de cada um de nós. O que parece ser apatia é na verdade um difuso sentimento de impotência, muitas vezes associada a uma intensa autocrítica. Sentindo que não podemos alcançar tudo aquilo que sabemos que precisa ser feito – que não temos nem o poder, nem as habilidades necessárias para resolver os problemas assustadores de pobreza, injustiça, espoliação do meio ambiente – desistimos da política, recuamos em nossas vidas privadas (deixando nossas aspirações e valores políticos suspensos) e não fazemos nada. Se pudermos aceitar que a perfeição política e dos políticos é inatingível, se perguntarmos a nós mesmos apenas se somos suficientemente bons cidadãos (assim como só podemos esperar líderes suficientemente bons), podemos ser libertos da sensação de desespero que nos paralisa no presente, de modo que nossas esperanças políticas e impulsos possam despertar” (www.andrewsamuels.com).

            Se o potencial da energia política de muitos brasileiros está reprimido, é possível desbloqueá-lo, e os movimentos sociais que ganharam as ruas e praças em nosso País, em junho passado, são nossas maiores referências, mesmo que nos pareçam demasiadamente agressivas. Entretanto, é bom levar em conta, aquilo que o mesmo Andrew Samuels, nos adverte, em outro lugar: “Podemos chegar a ver a agressão como um impulso politicamente reparador, compreendendo que a agressão incorpora frequentemente não apenas intensos desejos de relacionamento, mas desejos igualmente intensos de participação numa atividade política ou social. Ser autenticamente agressivo, raivoso, e ainda ser capaz de fazer parte de processos sociais e políticos, é uma meta psicológica e ética da mais alta ordem” (A psique política. Rio de Janeiro: Imago, 1995, p. 79).

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

IJUSP - Palavra Trocada - MEDO

Democracia como exercício psicológico da natureza humana

            Se quisermos estruturas sociais e políticas do Brasil mais justas, fortalecidas e integradas à diversidade de interesses, precisamos pensar muito mais como indivíduos responsáveis pela própria individualidade e, menos na estrutura montada pelos políticos chamada “presidencialismo de coalizão”.
Segundo Carl Gustav Jung (1875-1961): “Uma verdadeira democracia é, na verdade, uma instituição altamente psicológica que leva em conta a natureza humana, oferecendo espaços para as necessidades de conflito dentro dos limites da própria nação” (Aspectos do drama contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 46).
O pensamento de Jung no debate político ressalta que a vida humana se dá no embate entre Eros e Poder, isto é, entre o amor – princípio que rege as nossas relações em todos os níveis, iniciado em nossos lares – e, as atitudes de cada um frente aos acontecimentos, ao subordinar todas as influências e experiências a uma supremacia da opinião própria com total desprezo pelas opiniões alheias principalmente quando são contrárias às nossas. Quer dizer, quando há a sobreposição de impulsos, sentimentos e pensamentos subjetivos de uma pessoa sobre a maioria, no caso, numa administração pública, a vontade de poder assume características egoístas que impõe um movimento de subserviência e/ou rebaixamento do outro, para que seus fins sejam alcançados, ainda que os da maioria sejam prejudicados.
Infelizmente, não faltam exemplos na vida pública brasileira, quer no município, no estado e na federação, para nos convencer da supremacia dos sentimentos mais egoístas sobre a população em geral.
A perda da possibilidade de ser individual no processo político que vai além do período das campanhas partidárias põe em risco a dinamicidade da vida, isto é, um ego que se embriaga com o poder, perde a capacidade de sentir, valorizar, tolerar, conviver com as diferenças, experimenta o gosto da soberba, da arrogância, do isolamento.
Amor e poder fazem a vida fluir, e quanto mais equilibrado for este movimento melhor para a vida individual, e para a sociedade.
Se a política brasileira sofre o desequilíbrio destas duas forças psíquicas é porque eleitores e administradores não dão a devida atenção à sua condição de indivíduos. Aqueles porque escolhem candidatos que lhe são parecidos em seus impulsos, e os outros, porque se deixam levar pelos interesses egoísticos.
Contudo, é bom lembrar que os movimentos populares que ganharam as ruas em junho passado demonstram que este fenômeno pode estar arrefecendo. Boa notícia para a democracia, mas péssima para os políticos que tentam deter o movimento da plena cidadania se agarrando ao poder.

Se assim não for, faz-se necessário preocupar-nos de outra afirmação de Jung: “Não há mais lugar para a decisão ética do homem singular, apenas para a comoção cega de uma massa obnubilada, onde a mentira passa a constituir o princípio próprio das ações políticas (Presente e futuro. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 13).

Michel Maffesoli - Lançamento: Homo Eroticus

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Conheça a Clínica

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Seja bem vindo!

Por que tudo está como está?

A julgar os discursos dos candidatos e seus partidos políticos parece querer convencer-nos que a realidade do País é fruto de decisões e ações dos que ocupam o poder central, como se não existissem outros 200 milhões de cidadãos. Que os acertos e os erros são de total e exclusiva responsabilidade dos governantes.
Até a “situação” propõe “mudar para melhor” como se fosse possível fazer mudanças e, mais uma vez, sem o envolvimento de cada um de nós.
A “oposição” apresenta o mesmo plano: “Podemos mudar tudo que está aí, para você. Acredite. Nós sabemos como fazer. Só queremos que você confie em nós. Dê-nos um voto de confiança. Com a gente, tudo vai melhorar”.
Candidatos e partidos políticos quererem nos fazer crer que podem resolver tudo sem a nossa efetiva participação. Ou, como se não pudéssemos perceber que se trata de mais um mecanismo de colocar o Brasil a serviço de determinados grupos ávidos de poder e que prometem certas vantagens especialmente econômicas aos mais carentes?
Mas será que é assim mesmo? Não interferimos nós, nas diversas conjunturas do País para tornar as condições de vida boas ou ruins?
Esta condição psicossocial é vivenciada por todas as nações do mundo.
No final dos anos 1950, C. G. Jung enfrentou este problema na desenvolvida e moderna democracia suíça, que o levou a registrar: “O que uma nação toda faz é sempre o resultado daquilo que muitos indivíduos fizeram. Também não se pode educar uma nação. Só é possível ensinar ou mudar o coração do indivíduo. É verdade que uma nação pode ser convertida para coisas boas ou más, mas neste caso o indivíduo está agindo meramente sob uma sugestão ou sob a influência da imitação e, por isso, seus atos não têm valor ético. Se não se muda o indivíduo, nada é mudado. [...] E cada um espera que o outro seja o primeiro a agir. Por isso ninguém começa. Somos por demais modestos, preguiçosos ou irresponsáveis para admitir que podemos ser os primeiros a fazer a coisa certa. Se todos sentissem a mesma coisa, haveria ao menos uma grande maioria de pessoas pensando que a responsabilidade é coisa boa. Sob essas circunstâncias os piores males da humanidade já teriam sido resolvidos” (Cartas: 1956-1961. Volume III. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 173).
O psiquiatra suíço, então, resgata a responsabilidade social do indivíduo. É como se respondesse a questão: Por que tudo está como está? Para ele é necessário preservar a consciência pessoal sem identificar-se à massa coletiva. A nossa dignidade pessoal está em assumir a nossa individualidade, se quisermos ter nossos direitos respeitados.

Em 1947, Jung escreveu: “Há um telos (propósito) em cada comunidade [...] mas este telos é a soma de todos os tela individuais. Toda pessoa tem o seu telos e, na medida em que procura realizá-lo, é um autêntico cidadão. A comunidade não é nada sem o indivíduo e, se a comunidade consiste de indivíduos que não realizam o seu telos individual, então a comunidade não tem telos ou um telos muito ruim. Eis a razão por que o conformismo social se transforma em idolatria quando se torna um fim em si mesmo” (Cartas: 1946-1955. Volume II. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 70).

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Emoções e eleições

“Esse Estado brasileiro, como está estruturado e como a Constituição previu há 25 anos, não atende mais a sociedade. O que era esperança, na década de 1980, pode se transformar em frustração. A tendência de uma frustração, o risco social é se transformar em fúria. E, quando a fúria ganha as ruas, nenhuma ideia de Justiça prevalece. Quando o Estado, Executivo, Legislativo e Judiciário, não funciona bem, as leis não estão sendo cumpridas, os serviços não estão sendo prestados, o que é a esperança vira frustração. A frustração vira ira, porque ele (cidadão) se sente frustrado, tantas vezes, que ele vai perdendo entusiasmo e aí é perigo. O Estado não pode ser causa da infelicidade de ninguém. O direito existe para que as pessoas possam se fazer felizes, para que elas tenham chance de ser feliz, para que elas vão dormir sem medo” -  ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (O Estado de São Paulo: 26.08.14, A9).
            É importante aprofundarmos esta reflexão da ministra Cármen Lúcia, uma vez que segundo o biólogo e cientista político britânico Dominic Johnson: “Os Estados não são mais racionais do que as pessoas, são suscetíveis a ideias exageradas de sua própria virtude, da sua capacidade de controlar os acontecimentos, e o futuro” (http://dominicdp johnson.com/projects/project_3.html).
            E, através das campanhas eleitorais, aí postas, é possível perceber a avalanche de “exageros” apresentada ao País, aumentando o risco apontado pela ministra.
            Em “Eros e Pathos: amor e sofrimento”, Aldo Carotenuto (1933-2005), ex-professor da Universidade de Roma, e diretor da Rivista di psicologia analítica e do Giornale storico di psicologia dinamica, ajuda-nos a compreender a raiz do problema: “O verdadeiro poder não é o exercício sobre as coisas, mas sobre os homens. [...] o desejo de ter autoridade sobre os homens é verdadeiro e autêntico ‘pecado mortal’, que não admite ‘remissão’”, (São Paulo: Paulus, 1994, p. 186).
            Neste contexto, a Psicologia ganha relevância, pois conforme Sigmund Freud (1856-1939): “Há incontáveis pessoas civilizadas que se recusam a cometer assassinato ou a praticar incesto, mas que não se negam a satisfazer sua avareza, seus impulsos agressivos ou seus desejos sexuais, e que não hesitam em prejudicar outras pessoas por meio da mentira, da fraude e da calúnia, desde que possam permanecer impunes” (O futuro de uma ilusão. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 92).
Segundo Carl Gustav Jung (1875-1961): “Se o Estado de direito sucumbe, por exemplo, a um acesso de fraqueza, a massa pode esmagar a compreensão e reflexão ainda presente em indivíduos isolados, levando fatalmente a uma tirania autoritária e doutrinária” (Presente e futuro. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 02).
Acredito que a resposta mais adequada vem de onde menos esperamos. Da subjetividade humana, das nossas emoções mais profundas. Esperança e felicidade protegem o cidadão da barbárie e dos governos autoritários.

“Sonho impossível”, dos norte-americanos Joe Darion (1917-2001) e Mitch Leigh (1928-2014), do espetáculo Man of La Mancha, que o brasileiro Chico Buarque traduziu, reserva-nos uma parte viva da resposta: “Sonhar um sonho impossível. Lutar quando é fácil ceder. Vencer o inimigo invencível. Negar quando a regra é vender. Sofrer a tortura implacável. Romper a incabível prisão. Voar num limite improvável. Tocar o inacessível chão”.

XX Simpósio Regional: Psicologia, Espiritualidade e Saúde

XX SIMPÓSIO REGIONAL - PSICOLOGIA, ESPIRITUALIDADE E SAÚDE