Você se conhece através dos outros. E,
os outros são diferentes de você. São os outros que fazem você sentir-se
participante de um grupo, do mundo. “Que coisa esquisita seria um corpo, se
tivesse um único membro! Assim foi que Deus fez muitos membros, mas ainda é um
corpo só. O olho nunca pode dizer à mão: ‘não preciso de você’. A cabeça não
pode dizer aos pés: ‘não preciso de vocês” (I Coríntios 12.19-21).
A alteridade nos
aproxima de nós mesmos, e amplia o conhecimento sobre nós mesmos: nossas
potencialidades e fragilidades, nossas competências e deficiências, nossas
grandezas e pequenez, nossas luzes e sombra. Tanto no campo pessoal como coletivo,
individual como social, de uma só pessoa como de uma nação.
Mas, quando
pensamos no outro, no diferente, temos de enfrentar em nosso País, a grave
questão do racismo, infelizmente.
Jaqueline Gomes
de Jesus, doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, pela
Universidade de Brasília (UnB), traz a contribuição de vários estudiosos acerca
do racismo, que o definem como: “Um conjunto de estereótipos, preconceitos e
discriminações de cunho depreciativo, relacionado a características fenotípicas
e/ou étnicas de pessoas e grupos, que incorrem na hierarquização e na exclusão
de pessoas e grupos com relação a outros, tanto em nível individual quanto
grupal, coletivo e institucional. A atitude do preconceito se aproxima, em
termos de mobilização psíquica, da experiência de fobias específicas e,
portanto, do sentimento do asco, do nojo, que, no contexto das relações
humanas, pode ser definido como uma sensação extrema de repulsa interpessoal.
[...] Assim, como um tipo complexo de fobia, o racismo tem entre seus elementos
o medo do contato com pessoas negras” (O Desafio da Convivência: Assessoria de
Diversidade e Apoio aos Cotistas (2004-2008). Revista Psicologia: Ciência e
Profissão, 2013, 33 (1), p. 224).
É importante
perceber que o ego, o centro da personalidade consciente, é que formula os
estereótipos, os preconceitos, as discriminações. Os estabelecemos por que
queremos, por que escolhemos fazê-los, e deles tiramos proveito pessoal, assim
revelamos o quanto somos egocêntricos. Por isso a psicologia está envolvida na
questão, oferecendo-nos uma possibilidade de alcançar uma solução.
“O processo de
psicoterapia procura alterar os referenciais egocêntricos, introduzindo o ponto
de vista do Si-mesmo. Quando a terapia é bem sucedida, ocorre uma salutar
mudança dos referenciais conscientes egocêntricos para o ponto de vista mais
amplo do Si-mesmo”, conforme John A. Sanford (Mal: o lado sombrio da realidade.
São Paulo: Paulinas, 1988, p. 17). Para o psicólogo junguiano e pastor
anglicano Sanford (1929-2005), o Si-mesmo, “é a parte central do todo da
personalidade que abrange o ego e o supera” (idem).
Se considerarmos
que as ações que intervém no sistema segregacionista que mediam as relações raciais
em nossa sociedade, precisamos participar delas, tomando-as como caminhos
indicados pelo Si-mesmo.
O Si-mesmo é o
portador da energia psicossocial que pode transformar a nossa sociedade, mas
começando com cada um de nós. Você está disposto?