segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

“Não sou eu quem me navega. Quem me navega é o mar”

            Passados alguns dias da festa mais importante de final de ano, algumas frases podem explicar o sentido da data: - “O Natal acabou” – como que querendo esquecer um momento tenso, somente protocolar; - “O Natal foi muito bom” – expressando os sentimentos de união, amor, compaixão e espiritualidade vivenciados em família e/ou entre amigos, pois a comemoração trouxe maior profundidade aos relacionamentos.
            Já o Ano Novo toca em outra dimensão de nossa vida. Meche com os compromissos que não foram cumpridos, que nos deixam a sensação de dívida; com as lembranças do tédio da rotina das mesmas preocupações que impedem a busca por mais qualidade de vida pessoal e da sociedade; com os desejos que nos parecem inexistentes.
            A composição de Hermínio Bello de Carvalho, cantada por Paulinho da Viola - “Timoneiro” - nos ajuda a compreender o que acontece com a gente neste momento.
                “Não sou eu quem me navega / Quem me navega é o mar / É ele quem me carrega / Como nem fosse levar / E quanto mais remo mais rezo / Pra nunca mais se acabar / Essa viagem que faz / O mar em torno do mar / Meu velho um dia falou / Com seu jeito de avisar: / - Olha, o mar não tem cabelos / Que a gente possa agarrar / Timoneiro nunca fui / Que eu não sou de velejar / O leme da minha vida / Deus é quem faz governar / E quando alguém me pergunta / Como se faz pra nadar / Explico que eu não navego / Quem me navega é o mar / A rede do meu destino / Parece a de um pescador / Quando retorna vazia / Vem carregada de dor / Vivo num redemoinho / Deus bem sabe o que ele faz / A onda que me carrega / Ela mesma é quem me traz”.
“Este raciocínio primitivo descreve a penetração da libido (energia psíquica) na esfera íntima da alma, no inconsciente”, conforme descreve C. G. Jung, com terríveis consequências ao ego (Símbolos da transformação. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 286).
            Somando a poesia com o entendimento da psicologia analítica, podemos afirmar: durante a travessia de 2014 chegamos a muitos “portos” desconhecidos por “rotas” que não planejamos; “remamos” em muitas direções que não queríamos; fomos conduzidos a “mares nunca dantes navegados”; se porventura as “redes” voltaram vazias ou rasgadas, pois nem sempre o mar não estava para peixes, importa trazer-nos de volta, ou estarmos ainda trazendo-nos de volta à terra firme, pois nada pior do que ficar à deriva no mar do inconsciente, naquilo que não conhecemos a respeito de nós.
            O futuro se aproxima na forma de um novo ano e emerge exigindo-nos novas e necessárias orientações e adaptações que precisamos recebê-las como inspirações, revelações ou até como ideias salvadoras das condições difíceis a que o “mar” do inconsciente nos tem carregado.
            Especialmente em situações de calamidade pessoal e social, como as que estamos enfrentando pelas péssimas previsões econômicas e políticas, precisamos “rezar mais tanto quanto mais remamos”, como se a crise não fosse terminar, pois a “viagem se faz num mar sem cabelos que a gente possa agarrar”. Isto é, como afirma Jung: “Quanto mais negativa for a posição do consciente para com o inconsciente, tanto mais perigoso se torna este último” (idem, p. 288).

Um grande abraço a todos e obrigado por acompanharem-me por mais um ano.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Bom Natal, sob a sua árvore de Natal!!!

“A psique é mais do que a consciência. [...] Perguntaríamos em vão a muitos civilizados sobre o sentido da árvore de Natal ou dos ovos coloridos da Páscoa, pois não têm a mínima noção do sentido desses costumes. Na verdade, fazem algo sem saber por quê. Inclino-me a acreditar que as coisas em geral foram primeiro feitas, e só bem mais tarde alguém interrogou-se a respeito e descobriu por que foram feitas.[...] Ainda que haja suficientes comprovantes históricos da relação simbólica entre Cristo e a árvore, ficaríamos sumamente embaraçados se (nos) perguntássemos o que significa enfeitar a árvore com velas acesas no dia do nascimento de Cristo. Provavelmente (responderíamos): ‘É apenas um costume fazer isso no Natal’. Uma resposta séria teria apresentado uma dissertação interessante e extensa sobre o simbolismo do Deus que morre, nos tempos antigos do Oriente próximo, e de sua relação com o culto da Grande Mãe e seu símbolo, a árvore; e isto só para mencionar um aspecto do complicado problema” (JUNG, C. G. A vida simbólica (I). Petrópolis: Vozes, 1997, p. 236, 241).

domingo, 21 de dezembro de 2014

O presente de Natal que vem do lixo

Árvores de Natal confeccionadas de material reciclável em Bragança Paulista, na região de Campinas, geraram discórdia entre os moradores, e já foram recolhidas para um depósito da cidade (O Estado de São Paulo. 17.12.14, p. A21).
As opiniões acerca da decoração natalina realizada pelo artista plástico Fábio Delduque, revelam o nível do desentendimento entre os moradores. Para alguns: “monstrengos de lixo”. Para outros, entretanto: “O erro é a posição geográfica. Essa árvore de Natal deveria estar em Paris, Barcelona, talvez Amsterdã”.
A decoração natalina é uma variável do mundo da arte, assim como a poesia, a música, a pintura, a escultura, o cinema, a literatura, a fotografia, a arquitetura e outras criações inovadoras da tecnologia e da ciência.
A decoração de nossos lares, templos, hospitais, lojas e de nossas ruas, nesta e em outras épocas do ano, revela o estado da nossa sensibilidade interior.
A arte expressa simbolicamente o momento da cultura, a condição psíquica coletiva e pessoal, na tentativa de compensar a unilateralidade da nossa consciência coletiva e individual.
“Partindo da insatisfação do presente, a ânsia do artista recua até encontrar no inconsciente aquela imagem primordial adequada para compensar de modo mais efetivo a carência e unilateralidade do espírito da época”, conforme C. G. Jung (O espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 71).
A arte natalina de Bragança Paulista traz à tona o estilo de vida que estamos preferindo empreender: nossos hábitos ambientais apontam para um distanciamento de nossas condições psicológicas; é como se estivéssemos desenraizados de nós mesmos. A discórdia experimentada entre os bragantinos revela a forma agressiva com que nós estamos nos relacionando com o planeta, como lidamos com o consumo e com o descarte do lixo, o “lixo” como patologia entre o ser humano e a natureza.
A arte de Delduque, como a de Vik Muniz, que trabalhou com os catadores de recicláveis da Comunidade do Jardim Gramacho, junto ao maior aterro sanitário do mundo, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, não é para nos levar a interpretar o seu significado, mas sim, a ouvir ao que as imagens têm a nos dizer, querem de nós.
“Deixamos as imagens emergirem, extasiando-nos talvez diante delas (ou rejeitando-as, como fizeram os bragantinos), e com isto nos satisfazemos. Poupa-se, em geral, o esforço de compreendê-las e o pior é que não se encaram as consequências éticas que elas suscitam. [...] As imagens do inconsciente impõem sobre ao homem uma pesada obrigação. Sua incompreensão, assim como a falta de sentido da responsabilidade ética privam a existência de sua totalidade e conferem a muitas vidas individuais um cunho de penosa fragmentação”, escreveu Jung (Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 171).
A arte chama-nos a participar do drama que o lixo quer nos comunicar, fazendo de cada um de nós um artífice de suas soluções. Como diria Nietzsche: “A arte como a redenção do que age – daquele que não somente vê o caráter terrível e problemático da existência, mas o vive, quer vivê-lo, do guerreiro trágico, do herói” (O nascimento da tragédia no espírito da música. Os Pensadores. São Paulo: 1987, p. 28).

            Feliz Natal!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Bom Natal!!!

Desejo a todos um Bom Natal!!!
Compartilhando mais a vida como irmãos, e no cuidado de nosso planeta.
Abraço.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Qual será a reação psicológica ao Relatório da Comissão Nacional da Verdade?

            A Comissão Nacional da Verdade (CNV), entregou seu Relatório Final, nesta última quarta-feira, 10 de dezembro, depois de 31 meses de intensos trabalhos. Os objetivos eram: apurar as violações aos direitos humanos, prisões sem base legal, tortura e mortes decorrentes, violências sexuais, execuções e ocultações de cadáveres; efetivar o direito à memória, à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
            O Relatório registra: 434 pessoas foram mortas ou desaparecidas durante os anos 1946-1988, período entre as duas últimas Constituições democráticas brasileiras; 210 pessoas continuam desaparecidas; 361 agentes do Estado praticaram violações de direitos humanos, no mesmo período; e, recomenda 29 medidas de continuidade das ações iniciadas pelo grupo de trabalho (O Estado de São Paulo. 11.12.14, p. A4).
            Este acontecimento histórico nacional produz sentidos novos, reforça ou rompe alguns antigos, mas principalmente, pode levar a ressignificação de posições nas relações de cada brasileiro nos campos político-sociais, ético-jurídicos, psicoculturais.
            É importante, neste contexto, manter um diálogo contínuo com as experiências psicológicas que este acontecimento provoca em nossas fantasias, pois são elas que expressam as mais puras e verdadeiras tendências de nossa personalidade, na maioria das vezes, não reconhecidas, por serem muito íntimas.
            Conforme C. G. Jung: “A psique cria diariamente a realidade. Só encontro uma expressão para designar essa atividade: a fantasia. A fantasia tanto é sentir como pensar, tanto é intuitiva como perceptiva. [...] Por isso a fantasia me parece ser a mais clara expressão da atividade psíquica específica. É, sobretudo, a atividade criadora que procura uma resposta para todas as indagações contestáveis, a mãe de todas as possibilidades, na qual se encontram vitalmente vinculados, como todos os extremos psicológicos, tanto no mundo interior como o exterior” (Tipos psicológicos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987, pp. 80-81).
            É recomendável, a esta altura da história da sociedade brasileira, que cada brasileiro aproveite o momento e considere adequadamente o que se passa em suas percepções psíquicas quanto ao que este Relatório da CNV toca em nossas fantasias.
Enquanto a consciência procura adaptar-se à vida como se nada tivesse acontecido, o inconsciente aguarda o momento mais propício - e nunca é tarde demais para rever e reaver a história - para revelar o que muitos buscavam esquecer ou que, simplesmente, fosse esquecido. Isto aconteceu, por que: “O inconsciente contém todas as combinações de fantasia que ainda não ultrapassaram o limiar de intensidade, mas que, com o decorrer do tempo e em circunstâncias favoráveis, entrarão no campo luminoso da consciência”, de acordo com Jung (A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 1).
A psique busca autorregular-se aos acontecimentos externos, e vice-versa, diante das dificuldades. O que podemos gerar além de depressão, ressentimentos, ansiedade, medo, culpa, afetos extremados, como a violência?

Mais uma vez, as palavras de Jung podem contribuir para a nossa reflexão: “A psique não apenas reage, ela dá sua resposta própria às influências que atuam sobre ela” (Freud e psicanálise. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 278).

domingo, 7 de dezembro de 2014

O que o dinheiro e sua fascinação pode fazer com a gente?

            Cada vez que o assunto corrupção político financeira aparece na imprensa brasileira surge uma caudalosa enxurrada de novas fisionomias envoltas por outras, bem conhecidas, à frente do “corrompreendedorismo”.
O neologismo cunhado pelo jornalista Eugênio Bucci, trata-se do: “círculo virtuoso que se presume no “empreendedorismo” preciso do gatilho vicioso da propina, do impulso baixo do suborno, dos préstimos providenciais e degradantes”, como verificado no processo instalado na Petrobrás (Observatório da Imprensa: 02/12/2014, edição 827).
            Não é difícil imaginar que os beneficiários (indivíduos, empresas e partidos políticos) do esquema de corrupção desfrutassem de um aparente sucesso, gozando de todas as mordomias que o dinheiro (bilhões de reais) podia-lhes proporcionar.
            O sucesso em seus empreendimentos empresariais, familiares e pessoais pode ter-lhes dado a consciência de que eles eram, exatamente, aquilo que lhes pareciam. Envoltos num complexo de orgulho pessoal - do ponto mais alto da arrogância -, provavelmente, não pensavam que pudessem sair das páginas sociais para as policiais dos jornais de todo o País.
Isto nos faz lembrar aquilo que C. G. Jung afirma: “Elas pensam que é tudo o que há e não conseguem ver que há certos fatos coletivos subjacentes, fatos que são a causa real do complexo. Pessoas que têm pouco dinheiro podem explicar seu complexo de dinheiro pela vontade de possuí-lo. Mas poderíamos também dizer que não é aquilo que se pode fazer com o dinheiro, é a fascinação do ouro que cria o complexo de dinheiro. Ambas as explicações são verdadeiras. A diferença entre um problema pessoal e um coletivo é que um problema pessoal deriva inteiramente de nós mesmos, das nossas próprias insuficiências pessoais. Mas um problema coletivo chega a nós devido ao fato de que vivemos em coletividade” (Seminários sobre Visões. 1933, p. 19).
No processo de exagerada sensação da própria importância, igualmente, podemos vivenciar aquilo que John R. O’Neill apresenta como uma experiência na qual: “Deixamos de ouvir e de observar a nós mesmos além das extravagâncias frenéticas do ego; fracassamos em nossas tarefas de aprendizado profundo; e nossa verdadeira identidade se distorce, se entorta e até se perde por completo”.

            Como experiente diretor de carreiras no mundo de negócios, educação, consultoria e atividades de capital de risco nos EUA, O’Neill nos ajuda a refletir sobre alguns sinais de arrogância que podemos desenvolver: 1. “Quando começamos a tomar certos ares de ego inflado, tais como acreditar que podemos fazer avaliações infalíveis acerca dos outros ou evitar erros humanos; 2. quando acusamos a pessoa que traz informações contrárias às nossas de excêntrica, lerda de espírito, invejosa ou incapaz de captar o panorama geral; 3. quando o ego começa a se afirmar em demonstrações de autoridade tais como preocupar-se em ser chamado de “senhor”, ter assento em lugar de prestígio e voz ativa nas reuniões; 4. quando rotulamos aqueles que pensam diferente de nós como errados, maus ou inimigos – é a arrogância operando sob o disfarce da bondade” (O lado obscuro do sucesso. Ao encontro da sombra. São Paulo: Cultrix, 2012, p. 131).