sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A “boa colheita” de um delírio


            De onde as pessoas tiram tantas certezas a respeito do amanhã? Pois é muito comum ouvirmos: “Vai dar tudo certo!”
Parece que as pessoas não aceitam a possibilidade de que as coisas possam não sair como esperavam e por isso, quando tudo ocorre como planejavam atribuem o sucesso ao simples desejo de terem querido que tudo desse certo, sem perceberem, no entanto, que o infortúnio também pode nos acontecer.
Desculpe, mas ingenuidade não garante certeza de coisa alguma. A ingenuidade não é o melhor recurso para enfrentar o pessimismo, a depressão, nem muito menos, como forma de superstição.
A reflexão que nos importa é: por que não queremos admitir a total falta de controle sobre todas as coisas e/ou situações?
Admitamos: atribuímos à nossa presunção o caráter de ingenuidade.
Em nenhuma situação podemos ser presunçosos, porque nenhuma circunstância é simples. Argumentos a favor dos avanços tecnológicos não passam de presunção, portanto, nos afastam do necessário limite a que a vida está sujeita.
Para Friedrich Nietzsche (1844-1900) a presunção é: “erva daninha que arruína toda boa colheita dentro de nós” (Humano, demasiado humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 195). Do mesmo filósofo alemão: “Há espíritos livres e insolentes, que gostariam de ocultar e negar que são corações destroçados, orgulhosos, incuráveis” (Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 169).
Carl Gustav Jung (1875-1961) nos ajuda a compreender esta questão quando se refere ao perigo de nos entusiasmarmos em relação às coisas e/ou situações da vida, boas ou más (lembrando que entusiasmo quer dizer “Deus em nós”), a ponto de não sentirmos a infinita diferenciação entre nós e a divindade.
Toda vez que transgredimos os limites da humanidade somos presunçosos. Na linguagem psicológica, a presunção é um delírio.
            Segundo a teoria junguiana, delírio é: “Um julgamento baseado no intelecto ou no sentimento, ou que deriva de percepções reais. Mas, na realidade, isto é, baseado em fatores inconscientes dentro dele (o paciente)” (SAMUELS, A. Dicionário Crítico de Análise. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1988, p. 60).
            Para citar apenas um exemplo de delírio: devido ao “grande” número de cirurgias da vesícula terem sido bem sucedidas, graças as avanços médicos nesta área – “percepções reais” - intelectual e/ou sentimentalmente julgamos ser uma coisa “simples”. Portanto, todos que passam por situações semelhantes não devem sentir medo, nem insegurança.
            Relacionando as ideias de Nietzsche e Jung: se compreendermos o significado simbólico dos nossos delírios, podemos fazer uma “boa colheita”.
            Podemos fazer uma “boa colheita”, ao nos perguntarmos, por exemplo: Por que queremos que todas as nossas situações sejam somente positivas? Para nos sentirmos melhores do que o nosso próximo?
As experiências que a vida nos oferece, ainda que não sejam as melhores, podem encher nossos celeiros de sabedoria, paciência, amor e respeito pela própria existência.

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