quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Desapego (4)


“Será que nos tornamos de tal modo uma sociedade do bem-estar que não conseguimos tolerar as vicissitudes normais da emoção humana? Como pensamos que será quando deixarmos aquilo que acreditávamos ser? Como podemos conhecer a verdade a respeito da vida, se não suportamos olhar claramente e sem a proteção das nossas ilusões?” (BREHONY, K. A. Despertando na meia idade: tomando consciência do seu potencial de conhecimento e mudança. São Paulo: Paulus, 1999, p. 178).
            Para a psicoterapeuta junguiana Kathleen A. Brehony (1949-), estamos sujeitos a experiências desagradáveis, mesmo que sejamos pessoas corretas e honestas; que as contrariedades são elementos naturais da vida, simplesmente apontam para a realidade de quem somos, e ninguém está protegido delas. Daí, a necessidade do desapego de tudo e de todos, inclusive de nós mesmos, exatamente, do sentimento de grandeza que damos a nós, e a todos e/ou tudo que nos rodeia.
            O desapego nos prepara para enfrentar a realidade do mundo humano, fazendo-nos mais versáteis, hábeis e adaptados, pois como sobreviventes de um evento que preferíamos se não tivesse dado, não é mais possível recompor a vida às condições, talvez mais suaves, vividas anteriormente, ou porque não somos mais a mesma pessoa.
            O desapego nos leva a perceber a relação existente entre dois ou mais acontecimentos, até então impossível de vinculação de causa e efeito, porque não seguiam os processos lógicos e racionais do pensamento, mas se forem apurados em comparação aos tempos anteriores, podem não só estarem relacionados, como guardar um valor emocional que não nos era permitido perceber, numa vida possuída por regras rotineiras e “normais”.
            O desapego nos requisita a realizar um trabalho semelhante ao dos alquimistas, isto é, transformar chumbo em ouro. Quer dizer, somos desafiados a transformar o lado escuro da vida como a inveja, a mentira, o roubo, a dissimulação, e todo sofrimento que isto nos causa, em algo mais produtivo como: sabedoria, produtividade, alegria, honestidade, paciência e paz.
            É verdade, aos jovens é difícil aprender esta lição. O desapego é para ser empreendido, segundo Brehony, a partir da meia idade, depois dos 35-40 anos de idade, quando a busca de significado e propósito da vida passa a ser interessante. Para a mesma autora: “Propósito é o resultado de viver cada minuto da vida com autenticidade e profundidade” (p. 205). Quanto mais autêntica e profundamente nos conhecermos como somos realmente, nossa vida perceberá qual o seu propósito na existência.
O desapego contribui com novas formas para a nossa comunidade e para o mundo, transformando o que é tido como algo “natural” em conhecimento cultural que, talvez altere a vida de todos; o que é puro instinto em espírito; o que é um simples “ponto de vista” em algo que pode colaborar para um mundo melhor.
O desapego desenvolve em nós um caráter e uma graça, até então, desconhecidos, isto é, o trato com os outros passa a ser dominado por um profundo sentimento de empatia, e abrimos mão da nossa necessidade de julgamentos negativos e de exigência de perfeição, ficamos mais delicados e ternos.
Oxalá, alcancemos este estado de graça que o desapego nos propõe.

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