segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A lição de Cronos aos professores


             Segundo Hesíodo, em “Teogonia: a origem dos deuses” (750 a. C.), Cronos assassina o pai Urano e devora seus próprios filhos, por temer a perda do trono. Sua irmã e esposa Reia, o leva para a ilha misteriosa de Lictos depois de perder o trono para um de seus filhos, Zeus, o qual se safa da ira paterna o constitui rei dos bem-aventurados, onde reina com sabedoria, justiça e amor proporcionando abundância, harmonia e felicidade.
            Cronos, um dos vários arquétipos do espírito humano, revela-se num deus devorador de todas as novidades que seus filhos podiam trazer ao mundo, e mais tarde em um deus sábio, proativo e mentor de novas perspectivas de vida.
            Se aplicado à realidade dos professores, o mito grego nos faz considerar: o professor que se identifica com o deus devorador não facilita a discussão de novas ideias, inibe as iniciativas dos alunos na busca por conhecimentos, centraliza-se como detentor do saber, e exige a submissão dos mesmos aos seus padrões de pensamento e de comportamento.
            Ao aluno fica a certeza de que não passa de objeto indesejável, com consequências desastrosas ao seu aprendizado, podendo gerar atitudes de violência contra este estado de coisas a que está submetido, se sentindo à margem do processo do ensino.
            Quanto ao relacionamento com seus colegas de magistério o professor “devorador”, por exemplo, vê-se superior aos iniciantes na carreira e/ou competem entre si, estabelece no ambiente de trabalho a inveja, a rivalidade e cobranças estranhas ao processo de ensino-aprendizagem. Estas e outras situações são as causas de estresse, falta de motivação para o trabalho, e problemas psicossomáticos, situações que confirmam os dados da pesquisa realizada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOSP), citados no artigo anterior (Quando o professor é forte – disponível no blog referido abaixo).
            Contudo, Cronos se mostra líder de uma era de avanços culturais, econômicos e sociais ao povo de Lictos, graças à sua sabedoria, justiça, benevolência e paciência, valores que são encontrados quando há uma alteração na direção da vida, para o espírito.
            É preciso recuperar o sentido das palavras do pai da administração moderna Peter Drucker (1909-2005): “Nosso desafio é tornar novamente o conhecimento um meio para o desenvolvimento humano, é ir além do conhecimento como ferramenta e recuperar a educação como o caminho para a sabedoria” (Drucker na Ásia. São Paulo: Pioneira, 1997, citado por Robson Santarém, no artigo “Puer e Senex nas relações de trabalho”, em Puer-Senex: dinâmicas relacionais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 183).
Se continuarmos a negligenciar quanto a alteração pela qual precisamos passar, por nos recusarmos a tomar ética e moralmente esta decisão, continuaremos sofrendo as tristes realidades a que estão submetidos os professores. Segundo C. G. Jung (1875-1961): “O arquétipo do espírito é certamente caracterizado como sendo capaz de efeitos tão bons quanto maus, mas depende da decisão livre, isto é, consciente da criatura humana, que o bem não se deteriore em algo satânico. Seu pior pecado é a inconsciência, mas a ela se entregam com a maior devoção até mesmo aqueles que deveriam ser mestres e modelos para os outros” (Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 2ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. 247).

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Lançamento do livro: Trabalho e estranhamento: saúde e precarização do homem que trabalha


O livro “TRABALHO E ESTRANHAMENTO: Saúde e Precarização do Homem-que-Trabalha” (Editora LTr, 2012), organizado por Giovanni Alves (UNESP/RET), André Luís Vizzaccaro-Amaral (UEL/RET) e Daniel Pestana Mota (ADESAT/RET), será lançado, entre os dias 05 e 09/11/2012, no Congresso Internacional da Asociación Latinoamericana de Abogados Laboralistas (ALAL: http://www.alal.com.br/materia.asp?cod_noticia=6098), em Salvador-BA, Brasil.
A obra, constituída coletivamente, conta com a colaboração de protagonistas e de novos pesquisadores dos campos das ciências sociais e humanas, jurídicas e da saúde relacionadas ao mundo do Trabalho, como Giovanni Alves (UNESP), Luiz Salvador (ALAL), Ricardo Antunes (UNICAMP), Edith Seligmann-Silva (USP-Aposentada), Jorge Luiz Souto Maior (USP/TRT-15), José Roberto Montes Heloani (UNICAMP), Maria Elizabeth Antunes Lima (UFMG), Margarida Barreto (PUC-SP/FCM-SANTA CASA-SP), Francisco José Trillo Párraga (UNIVERSIDAD DE CASTILLA-LA MANCHA-ESPAÑA), Renata Paparelli (PUC-SP), Sergio Augusto Vizzaccaro-Amaral (RET), José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (TRT-15), Sandra Fogaça Rosa Ribeiro (UNOESTE), André Luís Vizzaccaro-Amaral (UEL), Daniel Pestana Mota (RET), Olímpio Paulo Filho (Advocacia Trabalhista e Previdenciária), Sandro Eduardo Sardá (MPT-12) e Heiler Ivens de Souza Natali (MPT-09).
Em breve o livro estará disponível nas principais livrarias do país.

Giovanni Alves (UNESP/RET/ADESAT/GPEG-UNESP)
André Luís Vizzaccaro-Amaral (UEL/RET/ADESAT/GPEG-UNESP)
Daniel Pestana Mota (RET/ADESAT)
Organizadores

Quando o professor é forte

       Recentemente a APEOSP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) publicou os seguintes resultados de uma pesquisa acerca da saúde do professor na rede estadual de ensino: “18% dos professores têm depressão e 57% deles acabam se afastando das aulas. Outros 23% sofrem de ansiedade ou síndrome do pânico. A hipertensão arterial atinge mais de 30% da categoria na rede estadual” (http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias/as-licoes-da-professora-janete-para-sobre-viver-na-profissao/). Infelizmente, não difere muito na rede municipal de ensino.
          Os motivos apontados são: baixa remuneração salarial, precárias condições de trabalho, superlotação das salas de aula, situações de ameaça e violência praticadas por parte de alguns alunos. Por estas e outras razões, a profissão é cada vez mais relegada na lista de preferência de emprego.
            É importante registrar outro fator que contribui para esta condição a que o professor está submetido: a imagem do professor, nem sempre positiva, que os meios de comunicação apresentam à sociedade.
"Muitos jornalistas acreditam que o professor é um profissional que nunca está pronto, que precisa de uma melhor formação e que, por isso mesmo, não serve muito como fonte confiável de informação para as reportagens. O efeito mais nefasto dessa imagem é a crença por parte dos educadores de que eles são mesmo despreparados para lidar com os alunos, com os conteúdos e com os contextos socioeconômicos. E, se o professor não acredita em si, despreza o próprio trabalho e entra em classe inseguro, o ensino e a aprendizagem fatalmente não terão um bom desempenho”, conforme afirma a jornalista Kátia Zanvettor Ferreira, em tese de doutorado – “Quando o professor é notícia: imagens do professor e imagens do jornalismo” – apresentada na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, no último mês de julho (http://www.apeoesp. org.br/teses-e-dissertacoes/jornalista-apresenta-doutorado-na-usp-sobre-a-imagem-dos-professores-na-midia/).
            Acreditar e esperar por medidas que alterem a realidade biopsicossocial dos professores por parte das autoridades que respondem pelo sistema educacional brasileiro, é no mínimo, ser ingênuo.
O pleno exercício de nosso direito e o cumprimento de nossos deveres chama-nos à resiliência. Se os problemas são inevitáveis, apesar de criarmos alguns, admitamos, podemos nos fazer fortes através de atitudes, como por exemplo: maturidade, nos afastando do comodismo de buscar os culpados por tudo que acontece de errado conosco; individualidade e não egoísmo individualista, se quisermos que nos respeitem na condição de pessoas que procuram integrar à personalidade todos os elementos necessários para uma vida de realizações; criatividade em tomar iniciativas inovadoras, elemento inerente à profissão, sem temer os desafios que podem nos trazer, ao contrário, investir em novas potencialidades, bem como naquelas já conquistadas muitas vezes às duras penas, visando garantir o futuro próprio e da profissão; espontaneidade, quer dizer, estarmos abertos para o novo, mesmo que isto signifique sermos menos rígidos com os alunos, com os colegas e com nós mesmos, se quisermos nos livrar da depressão, por exemplo; e, autonomia, permanecendo de pé pelas próprias forças, sem perder a ternura com os outros e o amor a nós mesmos.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Com e sob o poder



             Não é possível nos livrarmos da ideia de que o poder tem um lado humano e subjetivo, apesar de normalmente procurarmos chamá-lo de autoridade, comando, lugar ou centro de tomada de decisão. Estes sinônimos são usados para camuflar a realidade de que o poder exerce forte influência sobre nossas vidas, seja por aqueles que o detém ou pelos que se submetem a ele. Preferimos os sinônimos técnicos a encarar a face humana do poder. Por isso os subalternos têm olhos baixos ao cruzar com os poderosos, evitam o olho-no-olho. Mas, numa sociedade comunitária, na qual estamos inseridos, isto não favorece a prática de privilégios e a manutenção de cidadãos de segunda classe?
            Desde os primeiros tempos, o poder é experimentado na vida familiar, onde o pai é considerado o representante da lei - aquele que determina os limites daquilo que é ou não permitido. Mais do que o pai individual, é a dinâmica paterna, isto é, o predomínio do pensamento racional sobre a subjetividade em nosso dia a dia, que estabelece forte tensão entre o conceito e a relação com o poder, conforme Thaís A. Máximo, doutora em psicologia social pela Universidade Federal da Paraíba (O poder e suas faces. Associação Brasileira de Psicologia Social. Belo Horizonte, MG, 2010).
            O que nos diferencia enquanto pessoas e grupos é a detenção do poder: os que o têm em suas mãos, e aqueles que se submetem.
Por isso, a sociedade precisa sempre questionar as decisões que beneficiam a alguns, e prejudicam os interesses da maioria. Quanto maior a rigidez do uso do poder, maiores serão as barreiras sociais a serem superadas. Quanto menos importância for dada às opiniões contrárias, menos significado terá o indivíduo e a possibilidade de ouvi-lo. E, o mais grave, quanto mais o indivíduo considerar-se impotente frente ao poder, até mesmo pelos seus representantes, menos será reconhecido como protagonista dos fatos que envolvem a sua vida e a de seus pares.
Na vivência social o poder está, inseparavelmente, ligado à personalidade do líder e à sua competência, podendo dar ou não coesão e sustentação aos que representa.
No caso da democracia, o poder precisa buscar legitimidade dos meios de controle que aplica em seu exercício, para haver um verdadeiro desenvolvimento de todos. Daí a necessidade de ficarmos atentos à manipulação daqueles que se encontram à frente da coletividade.
Como observou Zygmunt Bauman (1925-), sociólogo polonês: “Quanto maior a minha margem de manobra, maior o meu poder. Quanto menos liberdade de escolha tenho, mais fracas são minhas chances na luta pelo poder” (A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro, Zahar, 2008, p. 47).
C. G. Jung (1875-1961), tratando do caos que o abuso do poder trouxe ao mundo por ocasião da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), aconselha a percebermos em nós mesmos a tensão que a relação com o poder gera, com o propósito de adquirir consciência acerca de quem somos. Não basta os protestos, que pouco contribuem para uma real transformação das condições sociais negativas que o uso do poder provoca em toda a sociedade, como também, até mesmo as autoridades espirituais podem estar distantes da alma, e como hoje, afinadas ao discurso dos poderosos (Aspectos do drama contemporâneo. Petrópolis, Vozes, 1988).