terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Deixe um lugar para as surpresas


           Toda vez que pensamos sobre o futuro ficamos ansiosos.
A vontade de prevenir nos leva a prever.
“O que vem por aí?” – é a pergunta do momento. Mas, a resposta que tanto ansiamos é: Quem vai cuidar da gente se alguma coisa não sair conforme as nossas expectativas?
Na realidade, ansiedade não passa de uma pretensão de controlar as contingências, e isto camufla nossa busca por estabilidade, ou ao menos, a espera por alguém que nos guie na vida.
Administramos a ansiedade sem perceber que esta só aumenta à medida que se pretende diminuí-la, desejando até mesmo a sua total sujeição.
Para sentirmos que temos controle sobre a ansiedade desejamos “tudo de bom” uns aos outros, com uma “certeza” de que o simples desejar é suficiente para garantir que a “sorte” ou o “sucesso” sejam ininterruptos.
Contudo, quanto ao futuro deveríamos considerar a única coisa possível e necessária: sermos nós mesmos.
Ser você mesmo, segundo o historiador das religiões Joseph Campbell (1904-1987) é: “aquela sensação profunda de estar presente, de fazer o que você decididamente deve fazer para ser você mesmo” (Mito e transformação. São Paulo: Ágora, 2008, p. 25).
Para sermos nós mesmos precisamos mudar o foco da atenção: das tensões geradas pelo controle sobre circunstâncias imprevisíveis como obter mais dinheiro, alcançar maior prestígio social, por exemplo, para questões ligadas à vida interior, pois aquilo que nos parece inalterável devido aos prognósticos, pode se alterar como um vento suave. Tudo muda muito rapidamente. Uma profissão, antes considerada promissora perde espaço para outra que ganha maior importância devido às mudanças sociais, ambientais, familiares, econômicas, etc.
“Fazer o que você decididamente deve fazer para ser você mesmo” questiona os valores da cultura na qual estamos inseridos. Pode nos levar a mudanças que para alguns são “drásticas”, mas que ampliam o sentido da vida. É cruzar um caminho por onde ninguém passou, apesar das curvas e perigos.
Na verdade não existem trilhas confiáveis por onde andar. O caminho é feito enquanto se caminha. O seu caminho é só seu; em meu caminho não cabe você. Não existe nada mais seguro do que o caminho que vem de dentro. Mas, e as tradições? Elas não servem para ser seguidas, somente indicam por onde muitos já passaram.
É preciso viver a vida como ela é: limitada, grossa, monstruosa, feia, difícil, para transformá-la. A entrega ao incognoscível exige abstenção de qualquer exigência. Recomenda-se: humildade. Amargura, dureza, rancor, impaciência, auto-importância são ferramentas inúteis na destreza com a vida. É preciso deixar lugar para as surpresas para não cair em desespero nem em depressão.

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