Na
semana passada (disponível no blog) refletimos que todo fato histórico-social, coletivo
ou individual, está associado à experiência psíquica inconsciente que o
originou. Esta se forma involuntariamente, isto é, nossas capacidades racionais
não interferem na elaboração de nossos mitos, não inventam nada, mas podem
contribuir com o processo de conscientização e de nosso desenvolvimento pessoal
e social.
Quanto
a nossa cidade podemos afirmar que a sua pedra fundamental é a fabulosa obra
“Marília de Dirceu” de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1809), na qual revela um
amor que não se concretizou, e escrita num cenário político marcado por lutas
contra a corrupção e a violência dos administradores da cidade de Vila Rica,
hoje Ouro Preto (MG), que terminou com o seu exílio na África.
Este
é o pano de fundo ou o mito que movimenta a alma mariliense diariamente, mas
que no período pré-eleitoral toma relevância devido à significação da escolha
de seus representantes e administradores.
Os
mitos comunicam, através de imagens, mensagens que nos desafiam a serem
integradas à consciência, se quisermos verdadeiramente uma alteração de
destino, caso contrário, podem tomar uma dimensão destrutiva em nossas vidas.
O
processo de assimilação à consciência de um mito da cidade é o maior empreendimento
democrático que um povo pode realizar em seu benefício.
Como
afirma Roger Bastide, pioneiro da sociologia da religião no Brasil: “Ao homem,
que já não pode apoiar-se em mais nada, pois nada mais tem sentido, só resta
apoiar-se em si mesmo e fazer jorrar de sua revolta novas flores míticas” (O
sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.
103).
Esta
consideração pode nos parecer esdrúxula, mas isto se dá tão somente porque nos
importamos mais com as máquinas, especialmente as de alta tecnologia como a
informática, para as quais transferimos a linguagem simbólica de nossas almas,
sem, contudo, nos tranquilizarmos, antes ficarmos sim, mais e mais desesperados
e manipulados pelos poderosos dos negócios e pelos políticos sem escrúpulos.
Nenhum
partido político, nem os candidatos a prefeito ou a vereador que começam a
mostrar o rosto nas mídias eletrônicas e de rua pode anular o mito sobre o qual
a cidade de Marília está fundada. Antes, são os primeiros a assimilarem a
mensagem, a saber: a sedução dos amantes pode terminar em nada, deixando um
vazio muito grande em suas vidas, e o zelo por uma administração restrita ao
cumprimento dos deveres morais no trato da coisa pública pode provocar repúdio,
perseguição, inimizades e morte. A movimentação dos partidos e candidatos em
busca de apoios e votos, como também, os sentimentos que dominam o pensamento
dos eleitores estão povoados pelas imagens do mito “Marília de Dirceu”. Candidatos
que tentam seduzir com promessas se frustram e debocham das expectativas dos
eleitores. Eleitores que se deixam seduzir, facilmente descuidam da probidade
que deveria cobrar de seus administradores e representantes, perpetuando assim
as consequências destrutivas do mito da cidade, a saber, um homem infeliz no
amor, e frustrado na política.
É hora de
integrar as imagens que o mito da cidade nos oferece, e diminuirmos o mais
possível a dissociação das nossas energias psíquicas enquanto grupo humano.
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