De repente, a criança muito bem-educada, calma em seus gestos e palavras, de modo geral quieta em seus comportamentos, generosa com seus irmãos, primos e colegas, cumpridora de seus deveres e obrigações domésticas e escolares, revela uma face “oculta” que confunde a cabeça de todos: fala palavrões que “nunca” se ouviu em casa, agride física e verbalmente a qualquer pessoa conhecida ou não, desobedece aos pais e professores, fica irrequieta perturbando a “paz” da casa, da escola, da igreja ou de onde estiver, perde a calma e se comporta de maneira estranha ao habitual.
Esta situação,
naturalmente gera algumas questões: O que está acontecendo com ela? Com quem
aprendeu tudo isto? Por que fez isto? Como agir nestas situações?
Se forem
descartadas as possibilidades de ordem psíquica, hereditária (não em todos os
casos) e de eventos traumatizantes (separações dos pais, morte de algum deles,
acidentes físicos), é preciso olhar à volta. O meio ambiente e as influências
dos pais certamente estão por trás destes eventos.
Conforme C. G.
Jung (1875-1961), a criança pode apresentar dois tipos de personalidades: “Artificial,
que imita tudo aquilo que acontece ao seu redor”, ou uma “personalidade dupla,
por um lado são razoáveis e adaptadas, mas ao mesmo tempo existe alguém do
outro lado que é completamente diferente” (Seminários sobre sonhos de crianças.
Petrópolis: Vozes, 2011, p. 262).
A criança com
“personalidade artificial” pensa mais ou menos assim: É melhor ser e se
comportar da mesma maneira como os meus pais e os outros são e fazem, porque é
mais fácil, e não posso ser e me comportar à minha maneira senão não serei
amado por ninguém.
Note que a
adaptação social, neste caso, se dá com um mínimo de esforço. Se a criança
sentir que “precisa” aprender outro jeito de ser e de fazer as coisas que ela
não vê nos adultos à sua volta, logo preferirá seguir o movimento que encontra
ao seu redor, por considerá-lo mais fácil. Para ela afirmar seu próprio modo de
ser representará uma enorme dificuldade. Mas, à medida que cresce perceberá que
há momentos em que terá de ser ela mesma, que não é possível mentir o tempo
todo, especialmente quando for namorar ou se casar, se quiser ser sincero na
relação íntima.
Enquanto que as
crianças com “personalidade dupla”, se quiserem chamar atenção preferirão
demonstrar aquilo que o meio ambiente aprova, elogia, prefere, seja de ordem
intelectual ou emocional, conforme os talentos que possui.
Se os pais, a
escola e/ou a igreja aprovam “alguns” comportamentos e desaprovam outros, a
criança poderá apresentar um caráter totalmente oposto no lugar que achar mais
conveniente. Mas, isto gera um grande sofrimento psíquico a ela, mas não sabe
como expressá-lo. E mais: não podemos ser ingênuos em relação às crianças.
Para Jung, crianças bem-educadas podem
desenvolver pensamentos extravagantes que pertencem ao lado desconhecido de
suas personalidades, ou seja, quando querem obedecer aos pais, acontece algo
que as atrapalha; se sabem que devem fazer a lição escolar, de repente,
simplesmente a “vontade” desaparece; sabem que precisam se comportar bem na
escola, mas não conseguem; sentem que não podem bater no primo e/ou na colega,
mas batem assim mesmo, sem saber porquê, e sofrem por isso.
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