A pergunta de Pilatos a Jesus – “O que é a verdade?” (Evangelho de João 18.38) – é a mesma que fazemos todos os dias e, em muitas circunstâncias. Não se trata de uma dúvida para a qual não há resposta. O problema é que pensamos que há uma só maneira de responder: objetiva ou subjetivamente. E, assim, estabelecemos a unilateralidade da consciência.
Preferimos a ideia objetiva porque demarca fronteiras seguras, origina-se em alguma realidade exterior a nós que pode ser percebida em sua materialidade, como: fórmulas científicas, fatos e documentos históricos, objetos arqueológicos, lugares especiais, tradições institucionais e familiares, etc. “Navegar é preciso”, como dizia Fernando Pessoa (1888-1935).
Ideias subjetivas são passíveis de repressão ou censura porque se originam do lado de dentro da gente, fruto da imaginação, como se diz. Daí o empenho de reprimi-las, para que, principalmente, não se tornem um obstáculo à adaptação social.
Quanto mais um juízo formulado seguir uma norma exterior, maior a chance de ser acreditado e defendido como “verdade” e, quanto mais fatores subjetivos estiverem envolvidos na formulação do juízo, menores chances de ser considerado digno de confiança e de ser defendido. Segundo este critério, a ausência de fatos objetivos e/ou de ideias gerais, leva a alguns a concluir que não se trata de um pensamento. Neste sentido, conforme C. G. Jung: “o pensar subjetivamente orientado aparece como pura arbitrariedade” (Tipos Psicológicos. Guanabara Koogan, 1987, p. 403).
Entretanto, é preciso atentar para o seguinte: todas as ideias, objetivas e subjetivas, se originam na psique. Uma, por que ganhou realidade externa, e a outra, por que é real internamente. E, o inconsciente, na grande maioria das vezes, de forma diferente do ponto de vista assumido pela consciência, é o grande aliado do ego, num processo de compensação por meio de, por exemplo, fantasias, sonhos, afetos, sintomas comportamentais, para que este se ponha em termos com ambas as ideias.
Em se tratando das ideias subjetivas, dada a sua natureza, porque tentamos excluí-las, inibi-las da consciência sem refletirmos sobre seus significados, pagamos um alto preço psicológico. Sentimentos passam a ser vistos como fraquezas, que por sua vez, são considerados ignorância; a estética torna-se supérfluo, tabu ou “sonho de consumo”; o gosto pessoal em falsa modéstia e hipocrisia; a arte, banalidade que resulta em perda da criatividade; as amizades, situações desprezíveis que se desenvolvem em discriminação e intolerância; as experiências religiosas em sentimentalismos infantis que desembocam nos fanatismos e num farisaísmo velado; as paixões em enganos que dão origem a superstições intelectuais.
Só a reflexão sobre as ideias objetivas pode criar novos fatos. Quando se decompõe uma ideia objetiva encontra-se uma nova organização interna, uma nova concepção de valores, acrescentando alguma coisa ao que era defendido. Nem por isso pode ser considerada destruidora às referências anteriores, antes, a vida adquire uma dinâmica geradora de progressos. “Viver não é preciso”, como nos ensina Pessoa.
A reflexão põe em movimento a capacidade de pensar, não deixa paralisar nem regredir as ideias. Só a reflexão evita a alienação paralisante que uma posição unilateral, objetiva ou subjetiva, pode provocar. A reflexão leva a perguntar: o que é que eu, realmente penso, no fundo, sobre este assunto?
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