As máscaras carnavalescas passaram a ser
usadas nos bailes instituídos pelo papa Paulo II (1464-1471), mas somente no
final do século XIX, durante o Entrudo, festa dos bonecos gigantes em Portugal,
os foliões passaram a ser instruídos pela Igreja a adotarem comportamentos
pacíficos e a evitarem excessos ilícitos, segundo Carlos de Gouveia e Melo, num
belíssimo trabalho de doutorado na Universidade de Lisboa, acerca do uso,
diversidade e funcionalidades das máscaras (Prolixidade do funcionamento de
máscara ou do efeito-máscara. Portugal, 2011).
O carnaval
configura-se como um período de inversão da ordem dominante, durante o qual
somos levados a nos mascarar quando buscamos outras formas de representar o
encontro com a nossa sombra pessoal. Como afirmam Connie Zweig e Jeremiah Abrams:
“Cada um de nós contém [...] uma persona agradável para o uso cotidiano e um eu
oculto e noturnal que permanece amordaçado a maior parte do tempo. Emoções e
comportamentos negativos – raiva, inveja, vergonha, falsidade, ressentimento,
lascívia, cobiça, tendências suicidas e homicidas – ficam escondidos logo
abaixo da superfície, mascarados pelo nosso eu mais apropriado às
conveniências. Em seu conjunto, são conhecidos na psicologia como a sombra
pessoal, que continua a ser um território indomado e inexplorado para a maioria
de nós” (Ao encontro da sombra. São Paulo: Cultrix, 2012, p. 15).
Depois de 365
dias um “eu” se liberta dos falsos moralismos, do peso e da força das
convenções sociais e da fria racionalidade, tentando conectar-se com um eu
autêntico que vive sob as sombras, por isso, rejeitado e não reconhecido, mas
portando aspectos inconscientes bons e maus.
Esta é a
contribuição de Momo: que vivenciemos o “pensamento não dirigido”, conforme C.
G. Jung (Símbolos da transformação. Petrópolis: Vozes, 1989). Quer dizer:
através da fantasia e da imaginação podemos nos aproximar e assimilar à
consciência os elementos que nos constituem como: o “Outro dentro de nós, (através
do qual) ficamos conhecendo aspectos de nosso ser, que jamais permitiríamos que
outros nos mostrassem e jamais admitiríamos perante nós mesmos” (JUNG.
Mysterium Coniunctionis. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 251).
Segundo John
Sanford (1929-2005): “Não somos unidades homogêneas de vida psíquica, mas
possuímos uma inevitável oposição dentro da totalidade que forma o nosso ser.
Existem opostos dentro de nós, podemos chamá-los do que quisermos – masculino e
feminino, anima e animus, Yin e Yang – e eles permanecem eternamente em tensão
e estão eternamente buscando a união. A alma humana é uma grande arena em que
Ativo e Receptivo, a Luz e as Trevas, Yang e o Yin procuram unir-se e forjar
dentro de nós uma indescritível unidade de personalidade. Realizar essa união
dos opostos dentro de nós pode muito bem ser a tarefa da vida, tarefa que exige
o máximo de perseverança e de atenção assídua” (Os parceiros invisíveis (São
Paulo: Paulus, 1987, pp.147-148).
A ludicidade do
carnaval, enquanto ritual coletivo, conforme entendia o pai da sociologia
moderna Émile Durkheim (1858-1917), favorece a aproximação com aquilo que é
tido como elemento que se opõe à nossa vida. As fantasias de carnaval são a
exteriorização daquilo que está dentro de nós aguardando ser assimilado à
consciência.
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