segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Voto eleitoral e ambição

Paciente do primeiro ateliê de pintura e modelagem criado pela psiquiatra junguiana Nise da Silveira (1905-1999), do Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, o baiano Fernando Diniz tentava buscar e estabelecer vínculos com a realidade rompida, depois de uma grande decepção amorosa e forte processo de marginalização social que sofreu por ser mulato, pobre e “louco”.
Diniz (1918-1999), expressava em suas pinturas seus impulsos afetivos e os limites sociais a que estava submetido. Acerca um dos seus quadros “Árvore das Emoções”, pintura abstrata com linhas quebradas justapostas, comentou: “Trata-se de uma representação da ambição. Eu sou ambicioso”.
Mas, qual o motivo de tal admissão?
Sua vida foi marcada pela orfandade paterna, aos três anos de idade. Morava em cortiços. Acompanhava D. Augusta, sua mãe, às mansões ricas de Copacabana, onde servia como costureira. Numa destas casas conheceu Violeta, filha de um próspero advogado, com quem imaginava se casar. Entretanto, para sua mãe isto só seria possível caso se tornasse num engenheiro e conseguisse muito dinheiro, porém, deveria comportar-se bem na casa dos brancos, para que ela não perdesse o emprego.
Dos nove aos onze anos de idade viveu num asilo de freiras, na cidade de Petrópolis. De volta ao Rio, destacou-se na escola pública como um dos melhores alunos até os vestibulares de engenharia, conforme acalentava a orientação de sua mãe, quando tomou conhecimento de que Violeta se casara. Logo abandonou os estudos, passou a vagar pelas ruas, permaneceu durante muitos meses em mutismo, passou a ficar sujo e abandonou os cuidados corporais. Banhava-se nu nas águas da praia de Copacabana. Detido por “atentado violento ao pudor”, manifestou as primeiras alterações psicológicas. Em seus surtos psicóticos Diniz repetia: “Estão telefonando para a escola para dizer que sou negro, e que um negro não pode tirar primeiro lugar, nem ser engenheiro” (SILVEIRA, N. DA, & LEGALLAIS, P. Experiência de arte espontânea com esquizofrênicos num serviço de terapia ocupacional. Quaternio, 1996, p. 42).
A admissão de Fernando Diniz deve nos lembrar de nossas próprias ambições, especialmente durante o processo eleitoral a que estamos submetidos. Muitos candidatos tentarão estabelecer o mesmo “duplo vínculo” com os eleitores, como D. Augusta fizera com Fernando Diniz. Isto é, afirmarão promessas e discursos que contradirão tantas outras afirmações. Tentarão nos fazer crer em algo parecido com: “Você é inteligente, pode ser engenheiro e casar-se com a menina rica, mas você não é branco, e, é pobre. Então, esqueça disso, e me ajude a manter o meu emprego. Se eu perder o serviço (não for eleito), você não alcançará o que pretende. Apenas, comporte-se direitinho (vote em mim), por que a sua vida não vai mudar, mesmo!”.
Mensagens que criam “duplos vínculos” exacerbam intensamente as nossas ambições. Imaginamos que “tudo” podemos, mesmo quando não passa de pura ilusão que nos fazem acreditar.
Em “A Natureza da psique”, C. G. Jung amplia um pouco mais o sentido deste pensamento, ao afirmar: “Podemos não somente usar a palavra "fome" nos seus mais diversos sentidos, mas a própria fome pode assumir os mais diversos aspectos, em combinação com outros fatores. A determinante, originariamente simples e unívoca, pode se manifestar como cobiça pura e simples ou sob as mais variadas formas, tais como a de um desejo e uma insaciabilidade incontroláveis, como por exemplo, a cupidez do lucro ou a ambição sem freios” (Petrópolis: Vozes, 1986, p. 52).

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