Paciente do primeiro ateliê de pintura e
modelagem criado pela psiquiatra junguiana Nise da Silveira (1905-1999), do
Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, o baiano Fernando Diniz
tentava buscar e estabelecer vínculos com a realidade rompida, depois de uma
grande decepção amorosa e forte processo de marginalização social que sofreu
por ser mulato, pobre e “louco”.
Diniz
(1918-1999), expressava em suas pinturas seus impulsos afetivos e os limites
sociais a que estava submetido. Acerca um dos seus quadros “Árvore das
Emoções”, pintura abstrata com linhas quebradas justapostas, comentou:
“Trata-se de uma representação da ambição. Eu sou ambicioso”.
Mas, qual o
motivo de tal admissão?
Sua vida foi
marcada pela orfandade paterna, aos três anos de idade. Morava em cortiços.
Acompanhava D. Augusta, sua mãe, às mansões ricas de Copacabana, onde servia
como costureira. Numa destas casas conheceu Violeta, filha de um próspero
advogado, com quem imaginava se casar. Entretanto, para sua mãe isto só seria
possível caso se tornasse num engenheiro e conseguisse muito dinheiro, porém,
deveria comportar-se bem na casa dos brancos, para que ela não perdesse o
emprego.
Dos nove aos
onze anos de idade viveu num asilo de freiras, na cidade de Petrópolis. De
volta ao Rio, destacou-se na escola pública como um dos melhores alunos até os
vestibulares de engenharia, conforme acalentava a orientação de sua mãe, quando
tomou conhecimento de que Violeta se casara. Logo abandonou os estudos, passou
a vagar pelas ruas, permaneceu durante muitos meses em mutismo, passou a ficar
sujo e abandonou os cuidados corporais. Banhava-se nu nas águas da praia de
Copacabana. Detido por “atentado violento ao pudor”, manifestou as primeiras
alterações psicológicas. Em seus surtos psicóticos Diniz repetia: “Estão telefonando para a escola para dizer que sou negro, e que
um negro não pode tirar primeiro lugar, nem ser engenheiro” (SILVEIRA, N. DA, & LEGALLAIS, P. Experiência de arte
espontânea com esquizofrênicos num serviço de terapia ocupacional. Quaternio,
1996, p. 42).
A admissão de Fernando Diniz deve nos lembrar de nossas
próprias ambições, especialmente durante o processo eleitoral a que estamos
submetidos. Muitos candidatos tentarão estabelecer o mesmo “duplo vínculo” com
os eleitores, como D. Augusta fizera com Fernando Diniz. Isto é, afirmarão
promessas e discursos que contradirão tantas outras afirmações. Tentarão nos
fazer crer em algo parecido com: “Você é inteligente, pode ser engenheiro e
casar-se com a menina rica, mas você não é branco, e, é pobre. Então, esqueça
disso, e me ajude a manter o meu emprego. Se eu perder o serviço (não for
eleito), você não alcançará o que pretende. Apenas, comporte-se direitinho
(vote em mim), por que a sua vida não vai mudar, mesmo!”.
Mensagens que
criam “duplos vínculos” exacerbam intensamente as nossas ambições. Imaginamos
que “tudo” podemos, mesmo quando não passa de pura ilusão que nos fazem
acreditar.
Em
“A Natureza da psique”, C. G. Jung amplia um pouco mais o sentido deste
pensamento, ao afirmar: “Podemos não somente
usar a palavra "fome" nos seus mais diversos sentidos, mas a própria
fome pode assumir os mais diversos aspectos, em combinação com outros fatores.
A determinante, originariamente simples e unívoca, pode se manifestar como
cobiça pura e simples ou sob as mais variadas formas, tais como a de um desejo
e uma insaciabilidade incontroláveis, como por exemplo, a cupidez do lucro ou a
ambição sem freios” (Petrópolis: Vozes, 1986, p. 52).
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