domingo, 4 de maio de 2014

Podemos interferir em nossa história!

            Se a energia psíquica não se restringe a de natureza sexual, conforme o pensamento da psicologia analítica de C. G. Jung, mas inclui todos os aspectos da natureza humana como: a mente, o corpo, a linguagem, a sexualidade, a alimentação, o mito, a religião, a arte, os jogos, o trabalho, o amor, o ódio, e todas as atividades ligadas à cultura, precisamos considerar que isto é altamente importante para a saúde psicológica de um indivíduo, mas também para um grupo social como a uma família, a uma empresa, a um partido político, a uma denominação religiosa, a uma agremiação esportiva, a uma cidade, até a um país.
            É que a libido é um fator psíquico dinâmico, isto é, provoca transformações e deslocamentos em um único indivíduo, mas também na vida de uma coletividade.
Quanto à história, narrada pelo passar dos tempos, a energia psíquica pode nos segurar no passado, como nos por em direção ao futuro. Quer dizer: podemos repetir pensamentos e decisões como as do passado, distante ou próximo, gerando assim uma ação regressiva, como se viver fosse olhar pelo “retrovisor”, levando-nos a repetir fatos e acontecimentos, ou podemos renovar-nos, assumindo novas posturas frente às realidades que se nos apresentam.
Neste sentido, é possível dar outro significado ao que passou, seja na história de cada um de nós, da cidade e do País. Não há outra opção de contar a nossa própria história, senão contando-a de outro jeito.
Experimente pedir a uma criança para imaginar a chegada dos pioneiros de Marília, por exemplo, e verá como a sua leitura será diferente. Muito provavelmente, ela contará que haveria mais solidariedade aos kaingang; mais honestidade nos negócios, na geração de riquezas; a forma emocional de lidar com o poder, mais democrática.
Mas, cada um de nós é chamado a fazer, hoje, uma releitura para que experimentemos o poder transformador disponível na energia psíquica, que nos leve a uma vida urbana mais calorosa, mais saudável, com mais “alma”.
Não podemos deixar passar a vontade de protagonizarmos a nossa própria história. Não podemos delegar a história da nossa cidade àqueles que se mostram comprometidos para que o passado continue se repetindo. Não podemos aceitar as ideias do: “dane-se”, “o que é que eu posso fazer?”
As vozes críticas precisam permanecer. Não podemos nos calar. Podemos sim, nos orgulhar de nossa própria história e da nossa cidade, deixando-nos mover pela energia psíquica em nós atuante. As decepções não são para proibir nossos sonhos, mas para nos tornar mais fortes. Podemos interferir sempre em nossa história!
Isto nos co-move, isto é, nos mobiliza a uma ação diferenciada das que costumeiramente temos tomado frente a nós mesmos. Precisamos olhar-nos com outros olhos. Olhar a nossa negatividade camuflada de empreendorismo, a nossa destrutividade mascarada de progressismo, a nossa perversidade travestida de solidariedade.

Somos capazes de lidar com a dureza dos corações de nossos governantes e resistir com imaginação, coragem e amor pelas futuras gerações que não param de chegar.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

“Alto Cafezal”: um feitiço a ser enfrentado

            Por que um psicólogo escreve a respeito de questões históricas ligadas à formação urbana de Marília? Devido ao meu relacionamento com o mundo; porque não é apenas o mundo que está em jogo, mas eu próprio e todos os meus sentimentos. Não se trata de rememorar fatos antigos, desejando alívio da consciência através de uma simples compreensão dos mesmos, mas, sim, em admitir que o mal se nos avizinha há muito tempo. Com C. G. Jung, aprendo: “Por mais que tentemos concentrar-nos no mais pessoal da pessoa, a nossa terapia não teria sentido sem a pergunta: de que mundo vem o nosso doente? (A prática da psicoterapia. Petrópolis: 1985, p. 91).
Não é possível manter-se indiferente a tudo que nos constitui como comunidade, pois nossos sofrimentos atuais estão gravados nas primeiras páginas de nossa história. Nossos problemas atuais foram gestados há muito tempo atrás. Os problemas e sofrimentos de um indivíduo são os problemas e os sofrimentos do mundo em que ele vive, e que o traz até ao consultório. “Não apenas a minha patologia se projeta sobre o mundo; o mundo está me inundando com o seu sofrimento que não se alivia” (HILLMAN, J. Cidade e alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993, p. 13).
Antonio Pereira da Silva, um dos principais personagens da fundação de Marília, afirmou que, propositadamente, o nome “Alto Cafezal”, foi escolhido: “Levando em conta o feitiço que a palavra poderia exercer no espírito dos lavradores, ávidos de terra onde a rubiácea pudesse ser explorada” (PEREIRA, V. A. Terra e poder: formação histórica de Marília. Comissão Permanente Publicação, UNESP: Marília, 2005, p. 23).
Isto nos sugere: o impulso do dinheiro – advindo dos negócios com o café, um dos mais promissores do início do século XX, no Brasil – e, do poder em estabelecer uma “civilização”, moviam os corações; nosso complexo de poder está fundamentado num estado de euforia, de inflação, ou ainda, de hipomania, que levava a muitos a uma exagerada sensação da própria importância.
“A inflação do conforto e do crer-se dono da própria vida. [...] Nossas penúrias e as que herdamos de nossos pais ou de nossa cultura, as distintas maneiras em que temos fantasiado sobre o dinheiro: desde tê-lo até não tê-lo, passando por uma grande variedade de atitudes relacionadas com a importância que lhe atribuímos (constitui-se) um desafio para a psique” (LÓPEZ-PEDRAZA, R. Sobre Eros e Psiquê. Petrópolis: Vozes, 2010, pp. 66 e 89).
“Alto”, ainda nos fascina.
Algumas questões precisam ser respondidas, em primeiro lugar, por cada um de nós: De que maneira eu convivo com a minha própria inflação? Que atitudes são necessárias para se viver apesar da patologia que nos rodeia? Estamos adaptados a sombra coletiva, por negligenciar a sombra pessoal?
As respostas virão à medida que houver uma renovação mental que somente a sensibilidade pessoal, o olhar mais atento à sombra pessoal e às suas dimensões coletivas, e não de alguém em especial, como: políticos, religiosos, psicólogos, médicos, professores, artistas, delegados, empresários, soldados, advogados, pedreiros, marceneiros, garis, etc.

“Restauramos a alma quando restauramos a cidade em nossos corações individuais, a coragem, a imaginação e o amor que trazemos para a civilização” (HILLMAN, J. Cidade e alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993).

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Especulação imobiliária: um dos lados do Complexo de Poder

            Considerando que a especulação imobiliária em nossa região tem suas raízes na fundação de nossa cidade, conforme aponta o doutor em história, professor Valdeir Agostinelli Pereira (1961-), em seu: “Terra e poder: formação histórica de Marília (Comissão Permanente de Publicação, UNESP: Marília, 2005), é importante, trazer à nossa consciência conteúdos não presentes, apesar de atuantes, em nosso inconsciente pessoal e coletivo.
            A ideia das comodidades da vida urbana próxima às vantagens oferecidas pelo campo, presente nas publicidades dos mais diversos empreendimentos imobiliários, dão-nos suficientes provas da atuação dos fatores psicológicos ligados ao complexo de poder a que estamos sujeitos, tem levado-nos a crer que “natureza” é mais um conceito produzido pela manipulação social e histórica do homem, conforme Wendel Henrique (O direito à natureza na cidade. Salvador (BA): EDUFBA, 2009). Segundo o doutor em geografia, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia: “A natureza, material e simbolicamente, incorpora-se à esfera [...] de uma racionalidade instrumental, [...] tende a ser transformada em cartões postais e em fetiche” (p. 18).
Isto nos aponta para o nosso complexo de poder, nossa forma emocional de lidar com a capacidade de submetermos tudo, todos e, a nós mesmos, a conceitos e formas de vida. Como todos os complexos, o de poder, não é de todo negativo, pois através dele estabelecemos limites às nossas ações, como também, a influência e determinação alheia sobre nós. Entretanto, o aspecto negativo do complexo de poder, quanto ao que estamos tratando, responde a muitos de nossos questionamentos atuais: a artificialidade, como componente da complexidade da vida urbana a que estamos submetendo a nossa existência e das futuras gerações; a um distanciamento das nossas identidades étnicas e geográficas, como se não as tivéssemos; de estabelecer comunidades marcadas pela desigualdade, fortalecendo a especulação imobiliária, a ponto de acreditarmos que não é possível estabelecer critérios que definam, mais claramente, seus limites, tendo como consequência, o agravamento da alienação social e política, tanto individual quanto coletiva e, portanto, facilitando a sua prática, cada vez mais, abusiva e, deixando um campo livre para atuação de políticos e empresários inescrupulosos.
Andreas Meyer-Lindenberg, matemático, psiquiatra e pesquisador, diretor do Instituto Central de Saúde Mental de Mannheim, na Alemanha, em: Cidades enlouquecedoras (Revista Mente e Cérebro. Ed. 255. São Paulo: Duetto, Abril, 2014), aponta que viver o lado negativo do complexo de poder, na vida urbana, traz algumas consequências emocionais, deixando-nos um “sabor” artificial do que é viver: prejuízo dos níveis de memória e de atenção; ansiedade e depressão; e, em alguns casos, esquizofrenia. E, aponta para diversos fatores externos que determinam neurobiologicamente, como a superestimulação da amígdala cerebral, o aparecimento de tantos transtornos de humor: poluição atmosférica, visual e sonora; estresse social, motivado pela pressão social presente na vida urbana, e enfraquecida, no meio rural; fragilidade dos laços e da sensação de não pertencer a um lugar ou grupo social, como elemento de instabilidade emocional. E, conclui: “Uma densa rede de amigos e parentes pode ajudar a proteger as pessoas contra os efeitos mais nocivos do estresse. Podemos projetar nossas cidades de forma que favoreçam o bem-estar emocional” (p. 53).

domingo, 13 de abril de 2014

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Significados simbólicos das origens históricas de Marília

            Neste 85º aniversário de Marília, podemos trazer à consciência conteúdos da nossa história que, por vários motivos, foram omitidos.
Nossas origens históricas, muito antes dos pioneiros José Pereira da Silva e Bento de Abreu Sampaio Vidal, tem um significado simbólico, a saber: nossa forma emocional de lidar com o poder, isto é, quanto à maneira de desejarmos que todos e tudo se submetam a nós; dos mecanismos utilizados para que os nossos objetivos sejam alcançados; a expansão do círculo de influência e a determinação quanto aos caminhos que a vida deve seguir.
Segundo o historiador mariliense Valdeir Agostinelli Pereira (1961-), autor de “Terra e poder: formação histórica de Marília” (Comissão Permanente de Publicação, UNESP: Marília, 2005), a grande extensão de terra, da então Vila de Botucatu - último marco civilizatório do homem branco, até as barrancas do Rio Paraná - foi desbravada pelo mineiro José Teodoro, que chegara por estas bandas em 1856; entretanto, ao bispo de Botucatu, que respondia pela outorga de terras à Coroa Portuguesa, declarara que as possuía desde 1847. Desta maneira, portanto, burlou a Lei das Terras, decretada em 1850. De posse das terras, Teodoro as dividiu em “aguadas” (p. 8), nome dado às parcelas de terras próximas às bacias hidrográficas, objetivando facilitar as negociações com os interessados em adquiri-las, que só chegariam 55 anos depois.
No dia 19 de fevereiro de 1877, Francisco de Paula Moraes, genro de Teodoro, aproveitando-se de uma falha do Estado que “ainda não havia realizado a discriminação das terras devolutas” (p. 9), processo iniciado apenas em 1880 (p. 11), compra de João Antônio de Moraes, que junto com João da Silva Oliveira, cunhado de Teodoro, “apossaram-se e alienaram a terra [...] que mais diretamente se liga à história da fundação de Marília, (as quais foram) ligeiramente e às pressas visitadas e do alto do mirante avistadas” (p. 9).
Logo a crescente busca por “terras virgens”, agricultáveis, atraiu: “falsificadores de títulos de propriedades (que) contando com a conveniência e cumplicidade de um ex-tabelião e ex-agente fiscal, obtiveram papel e selo próprios e antigos com os quais fabricaram escrituras e procederam ao registro de terras, cujos donos ainda não as haviam legitimado” (p. 12); que doravante, conclui o autor: “as terras viriam servir à especulação imobiliária” (p. 15).
Apesar de não serem diferentes de como se deram as demais conquistas e posses no restante do País, lamentavelmente, parecem persistir algumas características, ainda hoje, senão vejamos: 1. A concentração do poder nas mãos de (muito) poucos, leva-nos a estigmatizar aos “donos” do que se deseja possuir – os índios foram estigmatizados como “ferozes, terríveis e temidos” – e, hoje, especialmente, na prática político-partidária, há os que classificam, a julgar pela maneira como administram a cidade, os cidadãos, verdadeiros donos do patrimônio, construído com taxas e impostos muito elevados, como “massa de manobra” para conquistar e/ou manter-se no poder; 2. Fraudar a lei e criar documentos falsos, aproveitando-se das falhas do Estado, ou lançando mão de funcionários lenientes, mesmo tendo conhecimento dos impedimentos legais, para terem garantidos interesses e privilégios, primeiro familiares e, depois, corporativos; 3. Adotar um estilo de viver que não leva em consideração “o outro”, sem contudo, perceber que negando o valor do outro, nega-se o direito de existir também ao “outro” que está em nós, perdendo, assim, a capacidade de diálogo com nós mesmos.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Enxergando na penumbra

            Desculpe-me, mas chamo a sua atenção, novamente, às palavras do analista junguiano James Hillman (1926-2011), publicadas no artigo anterior, referentes à consciência: “A intensificação contínua da consciência para o ego e pelo ego causa cada vez mais escuridão e inconsciência em outros domínios. A consciência difusa de um território intermediário vai-se estreitando às especificações do ego, ou então acaba caindo no abismo. Perde-se a habilidade de enxergar na penumbra, ficando também perdido o senso de maravilhar-se, próprio da criança. Assim, a função simbólica entra em declínio e o mundo se torna desmitologizado” (Uma busca interior em psicologia e religião. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 123).
            O motivo principal de retornar a estas palavras se deve a, pelo menos, três eventos recentes: a “Marcha da família com Deus e pela liberdade”, quando um grupo de manifestantes pediu a intervenção militar no País, no último dia 22/03, em São Paulo; a discussão da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos de idade, para crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo, e aos reincidentes em casos de lesões corporais ou roubo qualificado se um promotor da Vara da Infância se posicionar favorável; e, o aumento do preço das passagens do transporte coletivo em Marília, por exemplo, mesmo fora das regras do contrato de concessão.
Enamorar com a ideia do retorno dos militares ao poder para “acabar com a corrupção”; pretender que crianças e adolescentes infratores tenham uma punição mais severa como defende parte da população e, eleitoreiramente, alguns parlamentares, inclusive os que “representam” a nossa região para “acabar com a violência”; e, negar-se a discutir com transparência os contratos com as empresas que prestam o serviço de transporte coletivo na cidade, bem como em negar de participar das manifestações contrárias ao aumento da passagem, como se R$0,35 não alterasse a vida financeira de ninguém com vistas a “evitar que os meios de locomoção não sofram descontinuidade”, dão-nos a real dimensão do que uma consciência que toma decisões levada pelas ideias de um ego que se considera “iluminado” por que foi capaz de chegar a estas conclusões graças à capacidade de abstração, realmente, indica-nos que não conseguimos “enxergar na penumbra”, e que perdemos o “senso de maravilhar-se, próprio da criança”, nos dando a sensação amarga de que estamos condenados a viver num “escuro abismo”.
Os desafios que a sociedade brasileira enfrenta, respeitando as devidas proporções, exigem atitudes de pessoas que se empenharam para “enxergar na penumbra”, como: Nelson Mandela (1918-2013), Mahatma Gandhi (1869-1948), Martin Luther King Jr. (1929-1968), Albert Schweitzer (1875-1965), Herbert de Sousa (1935-1997), Ernesto Sabato (1911-2011), entre outros, que em condições igualmente complexas deixaram suas pretensões pessoais de lado, entraram em “entendimento” com os conteúdos opostos às suas vontades e impulsos pessoais e, apesar de sofrerem o preconceito social de seus contemporâneos, pelos posicionamentos tomados, não perderam “o senso de maravilhar-se” com a vida.

“Enxergar na penumbra” é vivenciar uma consciência menos perfeccionista, menos apegada às tradições e conservadorismos, mais voltada às próprias imperfeições e defeitos, aos crimes de que se é capaz de cometer; é manter viva a chama da esperança, sob o forte vendaval do desespero.