Desculpe-me,
mas chamo a sua atenção, novamente, às palavras do analista junguiano James
Hillman (1926-2011), publicadas no artigo anterior, referentes à consciência:
“A intensificação contínua da consciência para o ego e pelo ego causa cada vez
mais escuridão e inconsciência em outros domínios. A consciência difusa de um
território intermediário vai-se estreitando às especificações do ego, ou então
acaba caindo no abismo. Perde-se a habilidade de enxergar na penumbra, ficando
também perdido o senso de maravilhar-se, próprio da criança. Assim, a função
simbólica entra em declínio e o mundo se torna desmitologizado” (Uma busca
interior em psicologia e religião. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 123).
O
motivo principal de retornar a estas palavras se deve a, pelo menos, três
eventos recentes: a “Marcha da família com Deus e pela liberdade”, quando um
grupo de manifestantes pediu a intervenção militar no País, no último dia 22/03,
em São Paulo; a discussão da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos de
idade, para crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo, e aos
reincidentes em casos de lesões corporais ou roubo qualificado se um promotor
da Vara da Infância se posicionar favorável; e, o aumento do preço das
passagens do transporte coletivo em Marília, por exemplo, mesmo fora das regras
do contrato de concessão.
Enamorar com a
ideia do retorno dos militares ao poder para “acabar com a corrupção”; pretender
que crianças e adolescentes infratores tenham uma punição mais severa como
defende parte da população e, eleitoreiramente, alguns parlamentares, inclusive
os que “representam” a nossa região para “acabar com a violência”; e, negar-se
a discutir com transparência os contratos com as empresas que prestam o serviço
de transporte coletivo na cidade, bem como em negar de participar das
manifestações contrárias ao aumento da passagem, como se R$0,35 não alterasse a
vida financeira de ninguém com vistas a “evitar que os meios de locomoção não
sofram descontinuidade”, dão-nos a real dimensão do que uma consciência que
toma decisões levada pelas ideias de um ego que se considera “iluminado” por que
foi capaz de chegar a estas conclusões graças à capacidade de abstração,
realmente, indica-nos que não conseguimos “enxergar na penumbra”, e que
perdemos o “senso de maravilhar-se, próprio da criança”, nos dando a sensação amarga
de que estamos condenados a viver num “escuro abismo”.
Os desafios que
a sociedade brasileira enfrenta, respeitando as devidas proporções, exigem
atitudes de pessoas que se empenharam para “enxergar na penumbra”, como: Nelson Mandela (1918-2013), Mahatma Gandhi (1869-1948),
Martin Luther King Jr. (1929-1968), Albert
Schweitzer (1875-1965), Herbert de Sousa (1935-1997), Ernesto Sabato
(1911-2011), entre outros, que em condições igualmente complexas deixaram suas
pretensões pessoais de lado, entraram em “entendimento” com os conteúdos
opostos às suas vontades e impulsos pessoais e, apesar de sofrerem o
preconceito social de seus contemporâneos, pelos posicionamentos tomados, não
perderam “o senso de maravilhar-se” com a vida.
“Enxergar
na penumbra” é vivenciar uma consciência menos perfeccionista, menos apegada às
tradições e conservadorismos, mais voltada às próprias imperfeições e defeitos,
aos crimes de que se é capaz de cometer; é manter viva a chama da esperança, sob
o forte vendaval do desespero.
Nenhum comentário:
Postar um comentário