“Aquilo que
herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu” (Fausto. Parte I, Cena I,
1806).
Podemos afirmar que este pensamento
do romancista alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), preside toda a
trama de “Cloud Atlas” ou “A Viagem”, filme lançado na última sexta-feira
(11/01), no Brasil. Observação: se você ficar somente com as críticas e
apresentações do filme feitas nos jornais e revistas, pode perder uma das películas
mais importantes dos últimos tempos do cinema mundial. Portanto, assista.
Os diretores Tom Tykwer, Andy e Lana
Wachowski, nos brindam com uma narrativa única, catalogada nos gêneros Drama,
Ficção Científica e Suspense, sendo protagonizada pelos atores Tom Hanks, Halle
Berrey, Jim Broadbent, entre outros.
“Torna tua a herança de teu pai!” ou
“Pegue sua herança e faça dela algo seu!” – assim podemos parafrasear a
afirmação goetheana, acompanha as histórias integradas de cada uma das personagens,
que tal como a boneca russa Matrioska, revelam-se participantes de uma trama
não escrita por elas mesmas, pois como diz uma das personagens – “Não somos
donos de nossa própria casa” -, mas realizamos ou não, uma realidade superior
ao que quer a nossa pretensão egoísta.
“A viagem” nos conta a história da
individuação, ou seja, do processo pessoal de integrar o inconsciente à
consciência, que é o fim último da psicologia analítica, conforme a teoria de
Carl Gustav Jung (1875-1961). É o inconsciente coletivo que “viaja” pelas
gerações passadas, atuais e futuras, e que se quisermos podemos integrá-los à
consciência, apesar do alto preço a ser pago.
Em nossas vidas nos defrontamos com
situações cujas causas ou motivações fazem parte de algo que vai muito além de
nós mesmos. São heranças psíquicas. Conteúdos, que muito antes de nascermos já
estão postos, representados nas aldeias primitivas, na sociedade escravocrata do
século XIX, na década de 1970 com o crescimento de movimentos como da Nova Era,
nos dias atuais com a importância cada vez maior da longevidade da vida e seus
impactos sociais, e muitos outros deixaremos para futuras gerações,
representados na “Nova Seul, de 2144”.
O desafio está em despotencializar
tais conteúdos, que habitam as regiões mais profundas de nossa psique, e que de
alguma maneira querem participar de nossa existência. Caso encontre
resistência, sua invasão é avassaladora, com consequências imprevisíveis.
“Cloud Atlas” narra as tentativas de
várias gerações que tentam discernir e compreender as imposições de seus
antepassados, mas com alto custo para aqueles que quebram com as suas tradições
e crenças.
À medida que tomamos consciência
destes conteúdos liberamos energias psíquicas que podem nos aprisionar ainda
mais aos conteúdos do passado, ou nos tornar autônomos, livres para tomarmos
novos passos em busca de possibilidades pessoais, mas que naturalmente envolve
o coletivo, que por sentir-se ameaçado tenta amordaçar todas as tentativas
pessoais, no sentido de pegar e fazer da herança algo próprio.
A mensagem do filme é: quanto menos
conscientes de nossas heranças psíquicas, menos capazes seremos de dar
prosseguimento à nossa identidade e aos nossos projetos, podendo perder a memória
de quem somos para nós mesmos.
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