domingo, 13 de janeiro de 2013

"A viagem": o filme


            “Aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu” (Fausto. Parte I, Cena I, 1806).
            Podemos afirmar que este pensamento do romancista alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), preside toda a trama de “Cloud Atlas” ou “A Viagem”, filme lançado na última sexta-feira (11/01), no Brasil. Observação: se você ficar somente com as críticas e apresentações do filme feitas nos jornais e revistas, pode perder uma das películas mais importantes dos últimos tempos do cinema mundial. Portanto, assista.
            Os diretores Tom Tykwer, Andy e Lana Wachowski, nos brindam com uma narrativa única, catalogada nos gêneros Drama, Ficção Científica e Suspense, sendo protagonizada pelos atores Tom Hanks, Halle Berrey, Jim Broadbent, entre outros.
            “Torna tua a herança de teu pai!” ou “Pegue sua herança e faça dela algo seu!” – assim podemos parafrasear a afirmação goetheana, acompanha as histórias integradas de cada uma das personagens, que tal como a boneca russa Matrioska, revelam-se participantes de uma trama não escrita por elas mesmas, pois como diz uma das personagens – “Não somos donos de nossa própria casa” -, mas realizamos ou não, uma realidade superior ao que quer a nossa pretensão egoísta.
            “A viagem” nos conta a história da individuação, ou seja, do processo pessoal de integrar o inconsciente à consciência, que é o fim último da psicologia analítica, conforme a teoria de Carl Gustav Jung (1875-1961). É o inconsciente coletivo que “viaja” pelas gerações passadas, atuais e futuras, e que se quisermos podemos integrá-los à consciência, apesar do alto preço a ser pago.
            Em nossas vidas nos defrontamos com situações cujas causas ou motivações fazem parte de algo que vai muito além de nós mesmos. São heranças psíquicas. Conteúdos, que muito antes de nascermos já estão postos, representados nas aldeias primitivas, na sociedade escravocrata do século XIX, na década de 1970 com o crescimento de movimentos como da Nova Era, nos dias atuais com a importância cada vez maior da longevidade da vida e seus impactos sociais, e muitos outros deixaremos para futuras gerações, representados na “Nova Seul, de 2144”.
            O desafio está em despotencializar tais conteúdos, que habitam as regiões mais profundas de nossa psique, e que de alguma maneira querem participar de nossa existência. Caso encontre resistência, sua invasão é avassaladora, com consequências imprevisíveis.
            “Cloud Atlas” narra as tentativas de várias gerações que tentam discernir e compreender as imposições de seus antepassados, mas com alto custo para aqueles que quebram com as suas tradições e crenças.
            À medida que tomamos consciência destes conteúdos liberamos energias psíquicas que podem nos aprisionar ainda mais aos conteúdos do passado, ou nos tornar autônomos, livres para tomarmos novos passos em busca de possibilidades pessoais, mas que naturalmente envolve o coletivo, que por sentir-se ameaçado tenta amordaçar todas as tentativas pessoais, no sentido de pegar e fazer da herança algo próprio.
            A mensagem do filme é: quanto menos conscientes de nossas heranças psíquicas, menos capazes seremos de dar prosseguimento à nossa identidade e aos nossos projetos, podendo perder a memória de quem somos para nós mesmos.

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