“Ele (Deus) denuncia a hipocrisia
religiosa, o comportamento que deseja aparecer, os hábitos que procuram o
aplauso e a aprovação” (O Estado de São Paulo: 14/02/12, A13).
Se
considerarmos as palavras de Bento XVI (2005-2013), proferidas na última
4ª-feira (13/02), como referência à parábola do “Fariseu e Publicano” narrada
nas Escrituras Sagradas, cuidando para não sermos precipitados em julgá-las se
se aplicam ou não às condições (políticas) que o levaram a renunciar ao papado,
uma preciosa lição pode ser apreendida com o acontecimento, diretamente.
A
parábola nos dá conta das personagens que não foram ultrapassadas pelo tempo
decorrido, antes, como modelos arquetípicos estão presentes e intensamente
atuantes na psique de todos nós, comprovando que somos, no mínimo, neuróticos.
Como
afirma a psicóloga analítica alemã Hanna Wolff (1910-2001): “Há um desmesurado
egoísmo na base de toda neurose. (...) Para colocar-se diante da própria sombra
é preciso coragem. Poderiam vir a lume coisas desagradáveis, capazes de nos
colocar em crise. É por isso que todos têm medo da sombra” (Jesus
psicoterapeuta: o comportamento de Jesus em relação ao homem, como modelo da
moderna psicoterapia. São Paulo: Paulinas, 1988, pp. 69, 73).
A
presunção do fariseu o convencia de ser merecedor de todas as graças divinas.
Suas “boas ações” eram ele mesmo, por isso autocelebrava-se com um repetitivo
“eu”: “Eu te agradeço...”, “Eu sou...”. Em momento algum teve coragem de olhar
para si mesmo, apenas quando se compara com o publicano. Ele foge de si mesmo,
escondendo-se nas “boas obras”. Deslumbrado consigo mesmo, nada reconhecia,
conscientemente, como obscuro, por isso foi insincero e transferiu para o
publicano sua sombra, sentindo-se, por isso, aliviado. “Afinal, tenho alguém
sobre o qual posso jogar todas as minhas mazelas! Se Deus castiga o mal, fio-me
ser poupado, porque a justiça divina pode ser aplicada ao publicado, inferior a
mim. É ele o culpado de tudo que é errado no universo. Se não fosse por causa
dele, tudo correria bem”. Nisto estava sua hipocrisia religiosa aguardando ser
aplaudido e aprovado, até mesmo por aquele em quem dizia acreditar.
O
clima psicológico em casa, na escola, na política, no trabalho, na Igreja se
deteriora nas mãos daqueles que preferem seguir o modelo fariseu, projetando
uns sobre os outros, aquilo que não conseguem admitir em si mesmos.
Nada
mais necessário: assumir tudo que nos parece desagradável em nós mesmos
corajosamente. Mas, se o fizermos, todos serão beneficiados. Só assim, cada um
é na realidade o que se é, cuida de si mesmo, e não mais da vida alheia. Este
empreendimento precisa ser espontâneo, mas pode ser desencadeado por
circunstâncias que podem se tornar crises pessoais, familiares e
institucionais.
Se
a atitude de Joseph Alois Ratzinger (1927-) vai provocar um encontro de todos
consigo mesmos, inclusive dele próprio, talvez nunca saibamos. Mas, é possível
acompanharmos o nosso próprio processo de admitir à consciência aquilo que
reputamos como reprovável em nós mesmos.
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