O culto a Dioniso, deus grego, tinha como
objetivo oferecer aos mortais uma liberdade própria, isto é, rebaixar as
exigências da racionalidade pela arte da fabricação e consumo do vinho, como
remédio indicado no combate a todos os problemas da vida. Tratava-se de experimentar
o mistério da presença e ação do próprio deus na vida do participante em seus
rituais, especialmente, indicados aos tristes, estressados, deprimidos,
frustrados por acontecimentos ou pessoas.
Segundo John Sanford (1929-2005),
psicólogo analítico e pastor anglicano, enquanto os demais deuses esperavam ser
agradados, adulados ou acalmados para que fizessem o que os adoradores queriam
que acontecesse em suas vidas, Dioniso introduziu uma novidade na religião grega:
a possibilidade de “vivenciar a divindade dentro de nós mesmos” (Destino, amor
e êxtase: a sabedoria das deusas gregas menos conhecidas. São Paulo: Paulus,
1999, p. 140).
“Vivenciar
a divindade dentro de nós mesmos” – como forma de reparar alguma falta ou
purificar (lavar) a alma de pecados através do consumo de vinho (bebida
alcoólica), confiando que só assim se mantém livre dos males e preocupações da
vida, experimentando um “eu” não habitual, fora da realidade dura e crua, tido
como transcendente, inspirativo, cheio de energia nova, superior às
dificuldades.
O
grande problema é que este ritual “libertário” é perigoso. “Vivenciar a
divindade dentro de nós mesmos” leva a desvirtuamentos e se revela destruidor.
Alegria e descontração dão
lugar, mais tarde, a uma depressão severa; o êxtase provoca dor; a liberdade, licenciosidade;
o deleite, despudor; o prazer, loucura mortal – retroalimentando aquele mesmo
sentimento de falta, de estresse, de tristeza.
Dioniso, como qualquer deus,
é zeloso por seus atributos, protege sua divindade para não perdê-la aos
mortais, retribuindo com ira contra os que tentam usurpá-los.
Como?
O alcoolista
provoca, graças à “autoconfiança” incomum que a bebida alcoólica propõe, ao
menos inicialmente, uma desestabilização da harmonia entre as pessoas, podendo
desencadear emoções desmedidas e destruidoras, muitas vezes, incontroláveis, o
que tem levado,
infelizmente, à fragmentação da família, à insegurança do trabalho, à
intranquilidade da sociedade, à ausência das normas culturais, psicológicas e
espirituais.
“Embriaguez não é apenas
êxtase, e a possessão pelo deus (Dioniso) costuma ser uma das piores
experiências”, conforme a
Mestre em Educação para Adultos pela
Universidade de Boston e Diplomada em Psicologia Analítica pelo Instituto C. G.
Jung de Zurique, Jan Bauer (O alcoolismo e as mulheres: contexto e psicologia.
São Paulo: Cultrix, 2010, p. 75).
Contudo, há
esperanças. É possível e necessário ao alcoolista resgatar uma imagem de si
mesmo, preservada em sua mente inconsciente que foi distorcida pelo uso e abuso
do álcool e/ou de outras drogas, pois como afirma Jung: “A mente inconsciente
do homem vê corretamente mesmo quando a razão consciente é cega e impotente”
(Resposta a Jó. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 28).
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