segunda-feira, 29 de abril de 2013

Esperança ao alcoolista


O culto a Dioniso, deus grego, tinha como objetivo oferecer aos mortais uma liberdade própria, isto é, rebaixar as exigências da racionalidade pela arte da fabricação e consumo do vinho, como remédio indicado no combate a todos os problemas da vida. Tratava-se de experimentar o mistério da presença e ação do próprio deus na vida do participante em seus rituais, especialmente, indicados aos tristes, estressados, deprimidos, frustrados por acontecimentos ou pessoas.
Segundo John Sanford (1929-2005), psicólogo analítico e pastor anglicano, enquanto os demais deuses esperavam ser agradados, adulados ou acalmados para que fizessem o que os adoradores queriam que acontecesse em suas vidas, Dioniso introduziu uma novidade na religião grega: a possibilidade de “vivenciar a divindade dentro de nós mesmos” (Destino, amor e êxtase: a sabedoria das deusas gregas menos conhecidas. São Paulo: Paulus, 1999, p. 140).
            “Vivenciar a divindade dentro de nós mesmos” – como forma de reparar alguma falta ou purificar (lavar) a alma de pecados através do consumo de vinho (bebida alcoólica), confiando que só assim se mantém livre dos males e preocupações da vida, experimentando um “eu” não habitual, fora da realidade dura e crua, tido como transcendente, inspirativo, cheio de energia nova, superior às dificuldades.
            O grande problema é que este ritual “libertário” é perigoso. “Vivenciar a divindade dentro de nós mesmos” leva a desvirtuamentos e se revela destruidor.
Alegria e descontração dão lugar, mais tarde, a uma depressão severa; o êxtase provoca dor; a liberdade, licenciosidade; o deleite, despudor; o prazer, loucura mortal – retroalimentando aquele mesmo sentimento de falta, de estresse, de tristeza.
Dioniso, como qualquer deus, é zeloso por seus atributos, protege sua divindade para não perdê-la aos mortais, retribuindo com ira contra os que tentam usurpá-los.
Como?
O alcoolista provoca, graças à “autoconfiança” incomum que a bebida alcoólica propõe, ao menos inicialmente, uma desestabilização da harmonia entre as pessoas, podendo desencadear emoções desmedidas e destruidoras, muitas vezes, incontroláveis, o que tem levado, infelizmente, à fragmentação da família, à insegurança do trabalho, à intranquilidade da sociedade, à ausência das normas culturais, psicológicas e espirituais.
“Embriaguez não é apenas êxtase, e a possessão pelo deus (Dioniso) costuma ser uma das piores experiências”, conforme a Mestre em Educação para Adultos pela Universidade de Boston e Diplomada em Psicologia Analítica pelo Instituto C. G. Jung de Zurique, Jan Bauer (O alcoolismo e as mulheres: contexto e psicologia. São Paulo: Cultrix, 2010, p. 75).
Contudo, há esperanças. É possível e necessário ao alcoolista resgatar uma imagem de si mesmo, preservada em sua mente inconsciente que foi distorcida pelo uso e abuso do álcool e/ou de outras drogas, pois como afirma Jung: “A mente inconsciente do homem vê corretamente mesmo quando a razão consciente é cega e impotente” (Resposta a Jó. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 28).

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