É necessário deixar claro que
nem tudo está perdido para o alcoolista. Contudo, a possibilidade de resgatar a
imagem de si mesmo, preservada em sua mente inconsciente que foi distorcida
pelo uso e abuso do álcool e/ou de outras drogas, é uma tarefa que exige
compromisso e responsabilidade bastante aguerridos em qualquer tipo de
tratamento, pois, conforme C. G. Jung (1875-1961): “A mente
inconsciente do homem vê corretamente mesmo quando a razão consciente é cega e
impotente” (Resposta a Jó. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 28).
Dioniso, deus do vinho,
propõe uma novidade na religião grega ao prometer que como divindade pode ser
vivenciada dentro de nós mesmos, mais do que sentida. Quanto a esta
experiência, segundo o filósofo alemão Walter F. Otto (1874-1954): “As
manifestações primordiais do mito: o ato e a palavra, o rito e o mito em
estrito senso, se inter-relacionam de modo que em um o homem se eleva ao
divino, vive e opera com os deuses, e no outro o divino descende e se faz
humano” (Teofania. São Paulo: Odysseus, 2006, p. 44).
Conforme alguns autores ressaltam,
a inter-relação humana com os deuses e vice-versa, no caso o alcoolista e
Dioniso, enquanto estrutura arquetípica atuante no inconsciente humano, ao prometer
liberdade e alegria pelo uso do vinho (bebidas alcoólicas), ou ao oferecer
“esquecimento” de tudo que a pessoa não aprecia em si mesma e/ou em sua vida,
especialmente aquilo que a preocupa, a entristece, a deixa ansiosa ou triste, na verdade tem um propósito:
revelar
verdades profundas que não podem ser alcançadas pelo intelecto, mas que foram
erroneamente reprimidas.
Para um desses
autores, John Sanford (1929-2005): “A experiência dionisiana é a parte do
processo de individuação no qual estruturas fixas e rígidas do ego são
dissolvidas, possibilitando a emergência de novas energias do Eu” (Destino, amor e êxtase: a
sabedoria das deusas gregas menos conhecidas. São Paulo: Paulus, 1999, p. 143).
Para o psicólogo analítico cubano Rafael López-Pedraza (1920-2011): “As
iniciações dionisíacas ocorrem ao longo de toda uma vida, a fim de propiciar,
constantemente, o movimento psíquico” (Dioniso no exílio: sobre a repressão da
emoção e do corpo. São Paulo: Paulus, 2002, p. 31). Talvez, por isso mesmo, na
opinião de Otto: “Dioniso é o mais psiquiátrico dos deuses gregos”. Até mesmo Santo
Agostinho (354-430), em Cidade de Deus (capítulo IV), faz uma consideração, no
mínimo interessante, quanto ao fogo presente na cal virgem, que ao ser tocada
revela-se fria, mas que conserva em si um fogo adormecido, que é aceso quando
misturado à água, que a faz ferver, como que querendo nos dizer, que os deuses
invisíveis estão prontos para nos “aquecer”, retirando-nos da “frieza” da vida.
Uma pessoa excessivamente
fixa, com posturas racionalmente rígidas, aparentemente, corretas e apropriadas
pode beneficiar-se profundamente, destravando a energia psíquica do
desenvolvimento, de um Eu profundo, ainda inconsciente, mas desejoso de ganhar
espaço na sua consciência, libertando-a, como espera alcançar com o uso ou
abuso das drogas ou das bebidas alcoólicas, mas com consequências, normalmente,
desastrosas. Na realidade, o alcoolista busca soltar-se, vivenciar novas
energias, dinamizar, intensamente, a existência conforme as potencialidades
psíquicas que o habitam por dentro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário