Conforme Carl Gustav Jung
(1875-1961): “Todo grego do período clássico trazia em si um pouco de Édipo,
assim como todo alemão tem em si um pouco de Fausto” (Símbolos da
transformação. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 28).
Partindo deste conceito, a
psicóloga analítica Dulce Helena Rizzardo Briza, em seu “A mutilação da alma
brasileira: um estudo arquetípico” (São Paulo: Vetor, 2006), nos leva a
refletir quanto às figuras internas que constituem a psique nacional. Segundo
Briza, inconscientemente compartilhamos de uma marca presente em nossos mitos –
Saci Pererê, Curupira e Mula-sem-Cabeça – uma grande deformação.
Dado às deformações – menino
de uma perna só, anão com os pés virados para trás e uma mulher que se
transforma em muar acéfala e cospe fogo pelo pescoço – parece que acordamos de
um tenebroso pesadelo, tomando como referência que o “Gigante” acordou. E,
porque os pesadelos nos impressionam, podem ser chamados de “grandes sonhos”,
isto é, preparam-nos para profundas alterações no curso da vida.
Conforme a psicologia
analítica, as imagens oníricas são símbolos de nós mesmos, quer dizer, são
personaficações de aspectos pessoais, que não são nem negativos nem positivos,
mas representam, na realidade, quem somos e não aquilo que gostaríamos, os
quais, para assimilá-los, precisamos explorar e colaborar da maneira mais total
e ampla possível, e não apenas, intelectualmente.
Os protestos de rua contra as
falhas dos gestores públicos e políticos em setores essenciais como a educação,
a saúde, o transporte, a moralidade pública sinalizam que precisamos assimilar
à consciência nossas deformantes fraquezas pessoais e nacionais, se quisermos
dar um melhor rumo à nossa vida.
Todos nós trazemos um pouco
da Mula-sem-cabeça dentro de nós. Exemplos de como agirmos inescrupulosamente,
infelizmente, não faltam. Um deles, o jornalista Luciano Martins Costa, do
Observatório da Imprensa, aponta: “A Polícia Federal está
investigando a informação surgida nas redes sociais digitais, indicando que um
grande número de médicos estaria fazendo a inscrição para depois promover uma
desistência em massa e, com isso, desmoralizar a iniciativa do governo” (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/radios/view/gt_gt_o_verdadeiro_nome_do_jogo_lt_br_gt_gt_gt_quem_resiste_a_reforma).
E, os casos de vandalismo nas ruas dão conta das forças inconscientes subjetivas,
individuais e coletivas que nos subjugam, afora os gestos dos governantes
quanto ao trato da coisa pública, como voos com os aviões da FAB e o jantar de
R$28.400,00, que Henrique Alves, presidente da Câmara dos Deputados, ofereceu a
80 peemedebistas, no último dia 16 de Julho.
Conforme Briza: “Precisamos
resgatar a força da cabeça e da consciência (a cabeça da Mula) se partirmos do
pressuposto que essa Mula esteja simbolizando a inversão do sexo, do instinto,
dos valores materiais, que sobrepujam e dominam o espírito. Assim, a busca de
questões materiais supera a das questões espirituais. Isso desencadeia uma
desarmonização do espírito e uma perda da predominância da alma. [...] A
jumenta, ou mula, significa a verdadeira humildade, a simplicidade, a paciência
e a coragem, qualidade dos sábios, que têm cabeça e consciência. Se a
Mula-sem-Cabeça arrancou nossos olhos, partindo do pressuposto de que, como a
visão nos ajuda a tomar consciência, a enxergar a realidade, a examinar novas
direções, a nos orientar, aí está expressa nossa inconsciência” (São Paulo:
Vetor, 2006, pp. 143-144).
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