As
crianças, especialmente as mais novas, envolvem os pais, responsáveis e outros
adultos, como professores, psicoterapeutas, médicos, por exemplo, em muitas
situações nas quais nos vemos despreparados para responder à altura. Isto
acontece porque o inconsciente delas pode irromper subitamente sem que tenhamos
tempo e condições para responder-lhes adequadamente, revelando-nos os profundos
“mistérios” acerca da nossa vida familiar ou de quem as atende e, às vezes, “segredos
pessoais” que procuramos manter sob “sete chaves”. Elas assim o fazem através
de várias maneiras que, na maioria das vezes, falsa, insensível e
arbitrariamente interpretamos como medos “sem fundamento”, falas
“incompreensíveis”, comportamentos “reprováveis”, imagens oníricas “bobas”,
garatujas que “sujam” as paredes e/ou desperdiçam folhas de papel, desenhos
“indecifráveis”, e etc.
Justiça seja feita: mesmo sem
compreender o significado de suas mensagens, as crianças nunca erram em seus
“diagnósticos”, não se importando se nos deixam atônitos, confusos, surpresos,
desconcertados frente às “convicções” que demonstram.
Precisamos perceber: a
linguagem das “travessuras”, inclusive as doenças, objetiva nos atingir não de
forma intelectualizada, mas nossa alma e não as “coisas” que esperam ganhar;
isto torna a vida humana tão profunda, maravilhosa e repleta de significados
que vão além do processo cognitivo cartesiano. Para Jung: “A criança ainda vive
em um estado de participação mística com os pais e está exposta aos efeitos que
estes geram” (Seminários sobre sonhos de crianças. Petrópolis: Vozes, 2011. p.
397).
No
tocante aos pais, conforme Jung (1875-1961), as “complicações” “involuntárias”
das crianças expõem seus (dos pais) problemas não resolvidos, que até então, recusaram
assimilar às suas consciências, deixados “em suspenso” como se pudessem
adiá-los para um tempo que nunca chega, sem assumi-los como seus, contudo, se
quiserem laços familiares mais fortes e saudáveis que empreendam um novo ciclo
de vida a todos da casa e para as futuras gerações, principalmente quando a
família passa por alguma dificuldade de relacionamento entre os seus membros, é
hora de investir energia psíquica no sentido de discernir aquilo de que tanto
fogem ou procuram esconder. “Nada exerce
maior influência psíquica sobre o meio-ambiente da pessoa, sobretudo das
crianças, do que a vida não vivida dos pais” (JUNG, C. G. O espírito na arte e
na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 2).
Não são poucas
as experiências não vividas a que os pais “encarregam” os filhos, atribuindo-lhes
tudo o que não aceitam em si mesmos, como por exemplo: emoções reprimidas
(culpas, ódios, ressentimentos, amor); segredos inconfessáveis (traições
conjugais deliberadas, vinganças executadas); emoções frustradas (sucessos não
assumidos por falsa modéstia); verdades não assumidas e reconhecidas, ainda que
latentes (homossexualidade); desejos e esperanças reprimidos ou adiados que
amargam o presente preso ao passado (ânsias por prestígios); dores ou
frustrações não elaboradas (sentimentos de inferioridade, questionamentos
interiores nunca vencidos).
Especialmente os
pais precisam atentar aos “recados” que as crianças nos dão quanto ao nosso
próprio mundo, para que não nos apossemos de suas vidas impedindo-lhes que
façam suas próprias escolhas, mas sim, que vivam suas vidas próprias, mesmo que
sejam melhores do que as nossas.
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