Gostamos de pensar que viver é como ser
um relógio automático ou de quartzo, que dispensa o antigo mecanismo da corda
manual. Entretanto, mesmo um relógio que detém a mais avançada tecnologia pode
ter seu funcionamento parado por falta de movimento. E, ainda: não contamos que
em algum dia o relógio parará para sempre.
Diante
da morte, não pensamos em outra coisa senão, no sentido e no valor da vida.
Enquanto a criança e o jovem lutam por objetivos distantes e constroem o
futuro, o doente terminal e o ancião sentem, relutante e impotentemente, a
proximidade do túmulo. Por mais otimistas que tentamos ser, quando o assunto
acerca do fim surge em nossas conversas, logo procuramos mudar de assunto.
Medo. Não queremos falar, pensar, refletir sobre a morte, por medo. Medo do
que? Medo de ver submergir na escuridão do esquecimento tudo que amamos,
procuramos, esperamos, possuímos, desejamos. O medo nos sufoca, por isso buscar
“ar” em outros assuntos.
Mas,
nosso maior problema quanto ao tempo de vida é quando como que paramos os
ponteiros do relógio, e imaginamos que o tempo pode ser detido. Ou seja, por
temer a vida, psicologicamente ficamos parados em algum estágio da infância ou
juventude. Julgamos que podemos deter o curso da vida; assim, ficamos
petrificados, enrijecidos, estáticos olhando para trás, cultuando um tempo que
não existe mais. Se a morte é garantida, por que fugimos? Quanto mais fugimos
dela, mais ela se aproxima e se realiza. No fundo, quem assim age tem um medo
secreto de viver no coração. Perde-se, desse modo, uma relação vital com o
presente; é não querer viver. Não aceitar que viver tem um destino final é uma
forma de recusar a plenitude da vida. Enquanto nos agarramos ao passado,
ficamos presos à juventude, ou melhor, à sua ilusão.
Quem
tem 30 anos de idade, por exemplo, mas vive como se tivesse 15/18 é tão
lamentável quanto aquele que tem 60/70 e vive como se tivesse 20/25. Para C. G.
Jung: “Um jovem que não luta nem triunfa perdeu o melhor de sua juventude, e um
velho que não sabe escutar os segredos dos riachos que descem dos cumes das
montanhas para os vales não tem sentido, é uma múmia espiritual e não passa de
uma relíquia petrificada do passado. Está situado à margem da vida,
repetindo-se mecanicamente até à última banalidade. Pobre criatura aquela que
necessita de tais fantasmas” (A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p.
360).
A
longevidade é produto da civilização, mas chegar à velhice parecendo jovem é
desperdiçar o sentido da vida, quer dizer, é como se viver não tivesse algum
objetivo. Se do nascimento até os 20/30 anos somos preparados para viver, por
que os anos 30/40/50/60 anos restantes, não haveriam objetivos a serem
alcançados?
Quem
está envelhecendo, quer queira quer não, deve se preparar para a morte. E, qual
a melhor maneira de se preparar para morrer?
Fantasiar,
imaginar a respeito da própria morte. Lidar, antecipadamente, com o futuro. A
fonte das fantasias é a nossa psique. Para a psique a morte não tem
importância. Imaginar suscita um profundo sentimento de emoção, memória,
sentimentos e imagens. É como lançar uma ponte entre o mundo exterior e
interior. É pensar não dirigidamente. É fazer alma. É não esquecer a alma.
Imaginar, fantasiar desperta o saber intuitivo, criador, a capacidade de se
emocionar e de criar humanidade. É um movimento espontâneo e tem uma forma toda
pessoal. É não cair no sentimento de vazio, na ânsia por significados e
preenchimentos que não respondem às soluções banais das sementes do desespero.
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