domingo, 30 de dezembro de 2012

“Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender...”


            Os gregos antigos perceberam que todo ser vivo, inclusive os animais, necessita de algo, e que a necessidade se impõe, indistinta e soberanamente, a todos como uma deusa. Todas as necessidades, de natureza interna ou externa, dos relacionamentos pessoais, familiares e de afinidades com o próximo, tudo que envolve a sobrevivência e permanência das espécies era denominada, Ananke.
Ananke passou a ser compreendida, mais tarde, em outras culturas e religiões como “espírito guia”, “santo protetor”, “gênio” ou “anjo da guarda”, conforme o pastor anglicano e analista junguiano norte-americano John A. Sanford (1929-2005), em seu “Destino, amor e êxtase: a sabedoria das deusas gregas menos conhecidas” (São Paulo: Paulus, 1999).
Como deusa, Ananke exige cooperação. Quer dizer, quaisquer que sejam as nossas necessidades desafiam-nos a nos envolvermos pessoalmente, como que dizendo-nos: “Que você fará comigo? Posso contar com você para me resolver?”
Entretanto, na maioria das vezes, preferimos atendê-las da maneira mais simples possível, com o mínimo esforço, acreditando que alguém possa nos socorrer e assumir as responsabilidades pelas consequências. Desse modo, resistimos a cooperar com Ananke, levando a um agravamento das situações, às vezes, insolúvel.
A letra da cantiga presente na grande maioria das celebrações de fim de ano - “Adeus ano velho! Feliz ano novo! Que tudo se realize no ano que vai nascer! Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender!” – exemplifica nossa resistência à Ananke.
Não queremos sentir necessidade de coisa alguma. “Muito dinheiro no bolso” – para nos livrarmos das obrigações com o trabalho, e nos entregarmos aos prazeres do lazer; “saúde pra dar e vender” – para que nada nos impeça no desfrute dos prazeres advindos do dinheiro.
            Objetamos qualquer tipo de necessidade, porque nos são impostas exigências não desejadas, não planejadas, que precisam ser atendidas; porque acreditamos que não podemos precisar de coisa alguma, afinal, “bons” egocêntricos sabem o que quer fazer da vida; porque necessidades geram queixas, e não queremos que ninguém se queixe perto de nós, para não “perdermos tempo” os interesses alheios; porque subentende pobreza, doença, tristeza, falta de realizações.
É necessário ter necessidades. Precisar é tão preciso quanto viver não é preciso, parafraseando Fernando Pessoa (1888-1935). A recusa de cooperar (operar junto), como se pudéssemos nos livrar das necessidades, faz surgir outras necessidades que podem nos ameaçar, inclusive, a saúde mental e a disposição geral em viver a vida. Mas, alguém vive sem precisar de nada? Você já percebeu que sempre tem alguém, em algum lugar do mundo, muitas vezes bem perto, que possui muito mais do que você mesmo?
            Como afirma Sanford: “Ananke significa que existem repressões e limites interiores que precisamos experimentar. Em nossa cultura atual, temos a tendência de esquecer que existem limites legítimos que precisam ser observados” (p. 51).
            Verifique: as necessidades, efetivamente, supridas durante o ano de 2012, não foram aquelas que você mais se envolveu? Desejo que você seja mais bem sucedido durante os dias de 2013, em suas necessidades!

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