A cena do presépio é perseguida como
ideal de família. Pais zelosos, apesar das adversidades. Mas, poucos pensam na
psique de cada personagem representada. Não se trata de aplicar-se num
exercício de imaginação, mas de refletir nas experiências que o relato bíblico
registrou, sem a intenção de provar a existência de cada uma das figuras humanas
que o marcam, mas para demonstrar que a vida de todos nós passa pelos mesmos
contornos dramáticos, senão externos, especialmente, internos.
Encantados
pela correria, à procura dos presentes, vivenciamos mais a esfera mercantil do
Natal, identificada com um projeto machista de vida, que defende a ideologia do
mais forte e da aparência exterior, nos afastando, repetidamente, do seu
sentido emocional e espiritual, mais próximas do feminino que estimula a
harmonia, a solidariedade, o afeto, resultando em compreensões equivocadas da
mensagem do Cristo, levando as Igrejas cristãs parecer um túmulo de Deus.
A
causa primeira para esta situação é a identificação com o Arquétipo que a data
propõe celebrar. Apesar de o Arquétipo ser irrepresentável, suas ideias e imagens,
porém, seduzem pela sua grandeza instintual, por isso mesmo, muito fácil de nos
deixarmos ser absorvidos por ele, a ponto de se crer que não há distinção entre
o humano e o divino, levando indivíduos a um autoconceito de importância acima
do que se é, pois se vê como alguém abraçado, no caso do Natal, a uma pessoa e
a uma causa, que lhe dão a chance de possuir uma “razão de ser” ou um “modo de
ser”, crendo ser acessível somente aos “eleitos”. De acordo com C. G. Jung
(1875-1961): “Psicologicamente, porém, como imagem do instinto, o arquétipo é
um alvo espiritual para o qual tende toda a natureza do homem; é o mar em
direção ao qual todos os rios percorrem seus acidentados caminhos; é o prêmio
que o herói conquista em sua luta com o dragão” (A natureza da psique.
Petrópolis: Vozes, 2000, p. 149).
Infelizmente,
esta realidade é demonstrada pelo jornalista Arnaldo Jabor (1940-), quando
afirma: “Um mundo opaco gerará uma fome pavorosa de transcendência. Haverá um
ressurgimento das religiões e da fé, provocando grandes “Woodstocks” de
absoluto, já visíveis hoje nos showmícios evangélicos e nos rituais
fundamentalistas (...) – igrejas já são supermercados de esperança e vão virar
partidos políticos” (A utopia da distopia. O Estado de São Paulo. 18.12.12, D10).
Vivenciar
o Arquétipo do Natal, “um menino nos nasceu, e o seu nome será Deus
conosco...”, como uma sentença dogmática, um material lendário e fantasioso, e
mais, modernamente, como um espetáculo midiático, é fazer coro a uma coletivização
de uma fé que massifica o indivíduo, portanto, sem benefício algum, à vida
pessoal.
Todos
nós estamos no presépio, e precisamos refletir quanto à afirmação de Johann
Scheffler (1624-1667), poeta, místico, médico e teólogo alemão: “O ‘Deus te
salve’ de Gabriel não traz nenhum bem, a não ser que essa saudação seja dita a
mim também” (citado por Edward F. Edinger. O arquétipo cristão: um comentário
junguiano sobre a vida de Cristo. São Paulo: Cultrix, 1990).
A festa do Natal
só tem sentido para aqueles que rumam para o mar (inconsciente coletivo e
pessoal), avança sobre os obstáculos a serem superados (sombra coletiva e
pessoal) e, cotidianamente, luta contra o dragão (ego).
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