terça-feira, 5 de março de 2013

O(s) Papa(s) e o inconsciente coletivo


       Durante a Assembleia de Eranos, em Ascona, Suíça, em 1940, Carl Gustav Jung (1875-1961) apresentou uma palestra sob o título “A respeito da psicologia da ideia da Trindade”, para um grupo de estudiosos das ciências da religião, filosofia, etnologia, psicologia, ciências naturais e arte.
Assumindo tratar-se de um tema que suscita muitas críticas, por que como médico psiquiatra aborda um dogma cristão, Jung, corajosamente, traz para o debate o valor psicológico de um dos mais sagrados símbolos religiosos – a Trindade. Previdentemente, afirma que suas análises estão fora do campo da metafísica, próprio dos teólogos, mas ressalva: “O homem que apenas crê e não procura refletir esquece-se de que é alguém constantemente exposto à dúvida, seu mais íntimo inimigo” (Interpretação psicológica do dogma da Trindade. Petrópolis: Vozes, 2ª Ed. 1983, p. X).
         Para Jung, a Trindade tem uma íntima e significativa relação com a vida humana, pois como “conceito” não goza de exclusividade na fé cristã, mas integra a várias religiões antigas da Babilônia, Egito e Grécia, como: “ideias que brotaram do pensamento inconsciente da humanidade” (idem, p. 18). Isto é, mais que um pressuposto filosófico, consciente, formulado há vários séculos em concílios cristãos, a Trindade é um fator arquetípico inconsciente. O dogma cristão da Trindade, formulado pelos primeiros padres da Igreja, à luz do Novo Testamento, desde Gregório, o Taumaturgo (210-270), Ambrósio (337-397), passando pelos Concílios de Niceia (325), e o Lateranense (1215), segundo Jung, é uma reconstituição inconsciente “ingênua e isenta de preconceitos” (idem, p. 29), dos mitos trinitários das religiões pré-cristãs. Neste sentido, conforme Jung, o dogma da Trindade “revolucionou psicologicamente o homem ocidental” (idem, p. 37), porque admitido à confissão de fé, reconhece-se a interferência extraconsciente, de uma ideia não nascida do intelecto humano, no avanço da experiência religiosa, pois, como afirma: “Os deuses são personificações de conteúdos inconscientes, pois sempre se revelam através de uma atividade inconsciente da alma” (idem, p. 51).
            Trazendo esta discussão para a contemporaneidade, Jung se refere que em 1950, através da Constituição Apostólica “Munificentissimus Deus”, do Papa Pio XII, a assunção corporal de Maria aos céus é integrada aos dogmas católicos romanos. Segundo Jung, isto tornou possível o aparecimento de um conceito tão arquetípico quanto a Trindade. Trata-se do arquétipo natural da Quaternidade, aos moldes como defendia Platão (427-347 a. C.), Pitágoras (580-497 a. C.), e presente nas religiões budistas e hindus, como também, na vida psicológica (idem, pp. 54-55). Quer dizer, a inclusão da ascensão de Maria aos céus aos dogmas cristãos é uma interferência extraconsciente, uma “atividade inconsciente da alma”, que também, pode provocar uma revolução psicológica no homem ocidental, pois se abre a possibilidade para discutir o lugar que o Mal deve ocupar no campo religioso.
            Os últimos acontecimentos em Roma, que dominam o mundo religioso ocidental, lançam-nos para a necessidade de acompanharmos com abertura de alma, à exemplo de Jung, além dos acontecimentos em si, para as profundezas psicológicas, em busca dos significados simbólicos dos novos movimentos do inconsciente coletivo, que podem significar boas, saudáveis e necessárias revoluções no espírito humano.

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