Durante a Assembleia de Eranos, em
Ascona, Suíça, em 1940, Carl Gustav Jung (1875-1961) apresentou uma palestra
sob o título “A respeito da psicologia da ideia da Trindade”, para um grupo de
estudiosos das ciências da religião, filosofia, etnologia, psicologia, ciências
naturais e arte.
Assumindo
tratar-se de um tema que suscita muitas críticas, por que como médico
psiquiatra aborda um dogma cristão, Jung, corajosamente, traz para o debate o
valor psicológico de um dos mais sagrados símbolos religiosos – a Trindade.
Previdentemente, afirma que suas análises estão fora do campo da metafísica,
próprio dos teólogos, mas ressalva: “O homem que apenas crê e não procura
refletir esquece-se de que é alguém constantemente exposto à dúvida, seu mais
íntimo inimigo” (Interpretação psicológica do dogma da Trindade. Petrópolis:
Vozes, 2ª Ed. 1983, p. X).
Para
Jung, a Trindade tem uma íntima e significativa relação com a vida humana, pois
como “conceito” não goza de exclusividade na fé cristã, mas integra a várias
religiões antigas da Babilônia, Egito e Grécia, como: “ideias que brotaram do
pensamento inconsciente da humanidade” (idem, p. 18). Isto é, mais que um
pressuposto filosófico, consciente, formulado há vários séculos em concílios
cristãos, a Trindade é um fator arquetípico inconsciente. O dogma cristão da
Trindade, formulado pelos primeiros padres da Igreja, à luz do Novo Testamento,
desde Gregório, o Taumaturgo (210-270), Ambrósio (337-397), passando pelos
Concílios de Niceia (325), e o Lateranense (1215), segundo Jung, é uma
reconstituição inconsciente “ingênua e isenta de preconceitos” (idem, p. 29),
dos mitos trinitários das religiões pré-cristãs. Neste sentido, conforme Jung,
o dogma da Trindade “revolucionou psicologicamente o homem ocidental” (idem, p.
37), porque admitido à confissão de fé, reconhece-se a interferência extraconsciente,
de uma ideia não nascida do intelecto humano, no avanço da experiência
religiosa, pois, como afirma: “Os deuses são personificações de conteúdos
inconscientes, pois sempre se revelam através de uma atividade inconsciente da
alma” (idem, p. 51).
Trazendo
esta discussão para a contemporaneidade, Jung se refere que em 1950, através da
Constituição Apostólica “Munificentissimus Deus”, do Papa Pio XII, a assunção
corporal de Maria aos céus é integrada aos dogmas católicos romanos. Segundo
Jung, isto tornou possível o aparecimento de um conceito tão arquetípico quanto
a Trindade. Trata-se do arquétipo natural da Quaternidade, aos moldes como
defendia Platão (427-347 a. C.), Pitágoras (580-497 a. C.), e presente nas religiões
budistas e hindus, como também, na vida psicológica (idem, pp. 54-55). Quer
dizer, a inclusão da ascensão de Maria aos céus aos dogmas cristãos é uma
interferência extraconsciente, uma “atividade inconsciente da alma”, que
também, pode provocar uma revolução psicológica no homem ocidental, pois se
abre a possibilidade para discutir o lugar que o Mal deve ocupar no campo
religioso.
Os
últimos acontecimentos em Roma, que dominam o mundo religioso ocidental,
lançam-nos para a necessidade de acompanharmos com abertura de alma, à exemplo
de Jung, além dos acontecimentos em si, para as profundezas psicológicas, em
busca dos significados simbólicos dos novos movimentos do inconsciente
coletivo, que podem significar boas, saudáveis e necessárias revoluções no
espírito humano.
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