Desde que o homem percebeu a realidade do outro, apresenta e desenvolve em seus relacionamentos, variando intensidades, os mesmos padrões emocionais, de atitudes e de imagens sobre quem é o outro para si. Isto é, a convivência com o outro é uma experiência arquetípica, ou ainda, psiquicamente somos equipados com padrões primordiais quanto ao contato e relacionamento com outras pessoas.
É disto, justamente, que aborda o Dia Nacional da Consciência Negra. Trata-se de uma reflexão quanto à necessária percepção da realidade do outro e dos diferentes pólos que estas relações proporcionam. Tal reflexão vai além das ações afirmativas nos campos culturais, econômicos e sociais. Passa pelo campo psíquico, a saber, a vivência do Arquétipo da Alteridade.
No campo pessoal, se a vivência do Arquétipo Matriarcal leva-nos a um relacionamento maternal, ou seja, a adotar cuidados como uma mãe trata e se apega aos filhos que, na maioria das vezes, pela grande intimidade que se estabelece, impede o desenvolvimento pessoal do outro e, a vivência do Arquétipo Patriarcal leva-nos a um relacionamento paternal, isto é, a assumirmos uma posição mais abstrata, distanciada, assimétrica e elitista, que tantos de prejuízos psicológicos aos filhos, a vivência do Arquétipo da Alteridade nos chama para um relacionamento dialético, isto é, de aproximações, de comparações respeitosas e mútuas, de trocas de valores, de confrontos com o diferente, de flexibilidades.
No caso do País, sob a regência do Arquétipo Patriarcal, estabelecemos uma sociedade hierarquizada, desigual e elitista, a partir da adoção da pregação jesuítica e, mais tarde, pelos diversos protestantismos históricos que se estabeleceram com o início do período republicano, os quais não se importavam, e até alguns se beneficiavam, do funcionamento de uma estrutura escravocrata durante mais de 300 anos, legando-nos um sistema cultural, comercial, social e religioso desigual. Sob a regência do Arquétipo Matriarcal, organizou-se uma sociedade dependente de superpotências, trazendo como consequência um forte sentimento de autocomiseração, a partir da vinda da família real e da corte portuguesa, com sua força armada responsável pelo genocídio dos povos indígenas, pela exploração de nossas riquezas minerais para pagamento de dívidas que financiavam a classe dominante, na organização política oligarca, na divisão das terras em províncias dependentes de um sistema econômico-financeiro corrupto e indiferente para com os miseráveis. Ambos legaram um povo pobre de heróis, com uma memória sociopolítica míope, deixando à mostra as vísceras da miséria, da injustiça, da violência, da corrupção, do abandono e diferenças sociais, um princípio de alteridade violentado.
“É com essa capacidade de avaliação da relação Matriarcal-Patriarcal, pelo Arquétipo da Alteridade que nos permite ver a luz e a sombra da civilização e onde há que se penetrar e buscar resgatar as feridas da humanização”, afirma Carlos Alberto Botelho Byington, em O processo de humanização, os arquétipos e a transformação cultural (Terra Brasilis: Pré-história e arqueologia da psique. São Paulo: Paulus, 2006, p. 226).
Quer dizer: Casa Grande e Senzala, antes separadas pelas forças dominantes, são irmãs univitelinas à espera de um resgate psíquico, apesar das complexidades implicadas e, exige tempo e paciência, mas, principalmente, perseverança e luta para diminuirmos o fosso que insiste persistir.
Só o Arquétipo da Alteridade pode nos conduzir, a bom termo, num processo humanitário e humanizador. A nossa identidade cultural apresenta aspectos que contém todos os elementos necessários para a vivência do Arquétipo da Alteridade, e suas benfazejas riquezas distribuídas em todas as nossas regiões, a saber: a musicalidade com seus ritmos maravilhosos, a diversidade religiosa ameríndia, africana e européia, a festividade definida pela alegria extrovertida, e a singularidade da maravilhosa Língua Portuguesa, com sua variedade regionalista.
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