Por que nos endividamos?
Quem não sabe das altas taxas de juros do cartão de crédito, do cheque especial ou do famigerado agiota, ou realmente não quer saber e nem procura por estas informações, ou simplesmente não se importa com o crescimento da dívida, mas, mesmo assim, se queixa de não ser capaz de viver sem dívidas. Entretanto, como se sabe, todas as necessárias informações quanto a estas cobranças estão disponíveis, bastando uma simples solicitação.
O psicólogo analítico Alex Borges Rocha, nos lembra que apesar de no Brasil a moeda se chamar “Real”, o dinheiro é cada vez mais “virtual”; que num tempo as pessoas recebiam o salário em “dinheiro vivo” e manipulando-o percebiam as reais possibilidades orçamentárias. Se o tivessem, comprava-se. Se não, não comprava.
Realmente, não é difícil perceber o quanto algumas pessoas perderam a dimensão real, tangível, palpável, concreta do dinheiro. É como se o mesmo fosse algo subjetivo, virtual, quase irreal. Daí, cada vez mais, falamos ou ouvimos frases do tipo: “Hoje, eu não tenho, mas acho que vou ter no dia tal, então vou comprar, depois vejo o que faço”. “No mês seguinte, vai entrar um dinheiro, então...”. “O negócio era tão bom, que tive uma intuição, e no final tudo vai dar certo!” “Quero comprar tal coisa, mas agora não tenho dinheiro, então, passo o cartão, dou cheque pré-datado, entro no cheque especial, faço um carnê”. “Poxa, também, sou filho de Deus. Mereço um prêmio”.
Realmente, tratar o dinheiro dessa maneira fica difícil viver sem dívidas, uma meta distante, impossível de ser alcançada.
Parece-me que a questão não se resume a manter-se distante dos templos de consumo, especialmente nesta época do ano, mas trata-se de algo que se passa numa camada mais interior.
Para Rocha: “É sabido que quem vive dentro de um orçamento planejado não entra em dívida, mas tem que lidar com a frustração. [...] Saber qual é o real poder de compra é criar consciência de quanto se ganha e quanto se gasta” (O psicólogo clínico e o dinheiro. Revista Hermes, nº 17. São Paulo: Instituto Sedes Sapientiae, 2012, p. 14).
Quanto mais baixo o nível de suportar a frustração, maior deve-se aumentar as entradas financeiras, e não o número de parcelas.
O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), nos lembra: “Neurose é um estado de desunião consigo mesmo, causado pela oposição entre as necessidades instintivas e as exigências da cultura, entre os caprichos infantis e a vontade de adaptação, entre os deveres individuais e coletivos. A neurose é um sinal de parada para o indivíduo que está num caminho falso, e um sinal de alarme que o induz a procurar um processo de cura pessoal” (Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 356).
A quem devo mais: a mim mesmo, ou às expectativas alheias? “Preciso” ou “desejo”? Por que cobrar de outras pessoas aquilo que só eu posso pagar-me?
“O dinheiro é um dos grandes determinadores [...] do valor que temos com relação a coisas e pessoas”, conforme o rabino Nilton Bonder (A Cabala do dinheiro. Rio de Janeiro: Imago, 1991, p. 153).
Fazer e pagar dívidas indicam quem sou nesta vida, e o que a vida é para mim.
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