As peças publicitárias de um grande banco inglês tocam num tema bastante interessante. Homens, mulheres e, a mais recente delas, um menino, refletem quanto ao que deixaram de experimentar porque resolveram não gastar algum dinheiro disponível, reservando-o para um futuro distante. Todas as personagens como que “mergulham” nas profundezas de seus inconscientes pessoais, trazendo à tona os conteúdos que em algum dia foram conscientes, mas que reprimiram ou se esqueceram de viver, devido às decisões que tomaram frente à vida. Entretanto, percebem que estão absolutamente sozinhos e órfãos diante da realidade ou da proximidade da morte, e resolvem dar “uma virada” na tentativa de “nascerem” para uma vida, até então, não vivida.
Tal experiência é mais comum do que imaginamos. Desde que “comemos do fruto do conhecimento do bem e do mal” conforme o mito judaico-cristão, o desafio da ampliação da consciência se impõe. À medida que ficamos mais velhos, as comemorações de aniversário se acumulam ou, cada final de ano acontece, o “mergulho” nosso de cada dia se torna cada vez mais inevitável, levando-nos a “profundidades” que nos pareciam não existir, graças à capacidade inesgotável de refletir, duvidar e experimentar, pois só assim nos tornamos mais conscientes.
Como, recentemente, alguém disse: “Não gosto de falar sobre idade, porque percebo o quanto a vida já passou, já foi!”
Temer, tentar evitar ou bloquear o ritmo do “mergulho” impede o crescimento da consciência que a confrontação psíquica quer nos produzir. Queremos certezas e não dúvidas, resultados e não experimentos. Não queremos conhecer o estado de divisão interior a que os problemas nos induzem. É como se existisse um segundo eu, que nos diz o quanto o primeiro tomou o seu lugar. Percebemos que estamos “divididos”, que não somos os únicos “donos em nossa casa”. Ser adulto é duvidar a respeito de si mesmo, suportar quando discorda de si e, aceitar aquilo que é diferente e estranho daquilo que acredita ser. É não se tornar alheio daquilo que pode ser no futuro, só porque teme sacrificar o presente. É sempre bom olhar para o passado, para que os conteúdos que acreditamos que ficaram para trás tornem à superfície. Nossas necessidades insatisfeitas questionam as convicções defendidas com unhas e dentes, e até, os nossos princípios morais e de vida são revistos.
“Depois que sofri um acidente de carro deixei para trás uma pessoa que nunca deveria deixar. Eu era mais curioso, mais interessado pela vida, em descobrir e ter novas experiências. Fiquei mais previsível, temeroso e inseguro. Perdi a capacidade de me adaptar aos imprevistos e, me adaptei às convicções dos outros”, disse-me outra pessoa.
É preciso tomar alguma atitude quanto aos conteúdos que deixamos para trás, quanto àquilo que nos tornamos por ter-nos separado do que era a nossa essência, pois “os aspectos da vida que poderiam ser igualmente vividos, mas jazem no depósito de velharias, em meio a lembranças recobertas de pó; muitas vezes, no entanto, são brasas que continuam acesas por baixo de cinzas amarelecidas”, conforme C. G. Jung, em “A natureza da psique” (Vozes: Petrópolis, 2000, p. 345), somente aguardando um “mergulho” para dar à vida o seu sentido original.
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