Em tempos de “eu não faço a menor ideia do que tô fazendo com a minha vida”, título do novo filme de Matheus Souza e Clarice Falcão, em que aborda o ser e o estar do jovem no mundo; em um contexto onde a tecnologia revela a sua face obscura ao nos vigiar o tempo todo, deixando-nos curtir a amarga precariedade psicológica e a vulnerabilidade de todas as relações humanas decorrentes que, por exemplo, levou à morte de Mita Diran, redatora da agência de publicidade Young & Rubicam, da Indonésia, após 72 horas ininterruptas de trabalho; das exigências impostas às nossas crianças para que aprendam, precocemente, conteúdos distantes do mundo lúdico infantil como a participação em atividades extraescolares e seu envolvimento no mundo eletrônico cada vez mais cedo, para melhor enfrentarem o mundo competitivo, somos levados a acreditar que o sentimento de estarmos ativos já é um antídoto contra a sensação de vazio e de solidão.
O pano de fundo destas circunstâncias é o sentido que damos à dimensão tempo.
Se o tempo é encarado como uma dimensão linear, nada pode ser feito contra o encadeamento dos eventos. Sequencialmente alinha tudo a todos, e vice-versa. Nesse sentido o tempo é devastador, sua passagem nos atropela. É lido na virada dos anos, às meias-noites. Nada pode ser feito senão acompanhado com frieza, como a uma máquina que não pode ser ajustada. É o reino do deus Cronos. É não-autobiográfico, quer dizer, não podemos interferir e alterar os seus feitos e as suas consequências.
Entretanto, o tempo é rítmico. É a única grandeza que comunga as tradições com a contemporaneidade; possibilita a junção da revolução com o espírito conservador; não separa o sagrado do profano; une o desespero com o sorriso de alívio; harmoniza a razão com a imaginação; combina o antigo com a novidade; orquestra a mais profunda reverência com a mais vil e bizarra perversão; opera o encontro do lado sombrio (nossos defeitos), com o Sagrado que não desiste de nós, mesmo quando negligenciado.
A dimensão tempo pode ser metaforizada como os anéis formados por uma pedra lançada sobre as águas tranquilas. O lago é a eternidade. As pedras, o tempo. As ondas, as consequências dos eventos. Nossa vida acontece nos intervalos entre o tempo e a eternidade. É preciso olhar em profundidade, do anel mais próximo de nós, para o mais ao centro, se quisermos perceber os significados dos eventos. Esse tempo não segue calendários. É o reino do deus Kairós. Nele, os relógios absolutos são obsoletos. Mais importa a mensagem que os eventos aparentemente desconexos deixam, e observar o que vai além da simples aparência dos sofrimentos provocados. Neste sentido o tempo é autobiográfico.
“A vida é uma cadeia de acontecimentos que têm sempre um significado, ou seja, que nada acontece por acaso e que tudo o que nos ocorre cumpre a função de nos colocar onde devemos estar para vivermos as experiências que precisamos. Ao nos tornarmos aquilo que somos ou podemos ser, adquirimos a sensação e o sentimento de que os eventos inesperados da vida possuem um significado, um objetivo, que pode ser vivenciado e aprendido de acordo com a nossa capacidade de adaptação e de entendimento”, afirma Angelita Corrêa Scardua, Mestre em Psicologia Social pela USP/SP.
Feliz Ano Novo!
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