Do
que você se fantasiou neste carnaval? Palhaço, pirata, melindrosa, médico,
pierrô, colombina, baiana, padre, índio, fantasma, feiticeiro, ladrão,
toureiro, diabo, malandro? Não se fantasiou? Ficou em casa? Participou do
retiro espiritual? Não importa. O importante é manter contato com a fantasia
que carregamos dentro de nós, buscar pelo seu significado, no sentido de
assimilar à consciência os elementos que, na maior parte do tempo, preferimos
inibir.
Talvez
as palavras do papa Francisco, há poucos dias, numa conversa informal com
outros sacerdotes em Roma, nos ajude a compreender o que quero dizer.
Francisco contou
que no enterro de seu confessor, há alguns anos atrás, em Buenos Aires: “Enquanto
organizava as flores (no caixão), despertou o ladrão que todos levamos conosco,
e tomei-lhe a cruz”, que a carrega até hoje, em uma pequena bolsa debaixo de
sua batina, no desejo de ter a “metade da misericórdia” do sacerdote morto (O
Estado de São Paulo. 08/03, A27).
Não
importa, “santos” ou “pecadores”, carregamos dentro de nós fantasias que nos
“despertam” com o objetivo de serem assimiladas à consciência.
O então cardeal
Jorge Mario Bergoglio, pelo menos naquele dia, vestiu a fantasia de um “ladrão”
esperto. Entretanto, não a guarda no armário, antes, procura compreender os
seus sentidos psicológicos. E, conclui: “Cada vez que algum mau pensamento
sobre alguém me assalta, minha mão se dirige para ela (a cruz), sempre”.
O papa
Francisco, dessa maneira, assimila à sua consciência um conteúdo, talvez até
então inconsciente, levando-o a um desenvolvimento psicológico mais amplo e
dinâmico, a ser “misericordioso”.
Como afirma C.
G. Jung: “O ego se acha confrontado com um fator psíquico, um produto cuja
existência se deve principalmente a um evento inconsciente, e por isto se
encontra, de algum modo, em oposição ao ego e as suas tendências” (A natureza
da psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 20).
Não
é possível refrear a confrontação da psique, daí a necessidade de realizar um exercício,
através da imaginação.
Trata-se de uma
atividade que nos leve a unir-nos àquilo que nos parece oposto a nós, mas que
possui o poder de nos transformar em pessoas, psicologicamente, mais saudáveis.
Do contrário: “A fantasia criadora, se não mantida dentro de limites adequados,
pode degenerar em anormalidades perniciosas. Mas esses limites não devem ser
artificialmente impostos pelo intelecto ou pelo sentimento racional. São
limites colocados pela necessidade e pela realidade irrefutável”, segundo o
mesmo Jung (Tipos psicológicos. 4ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
1987, p. 88).
Receba bem a imagem
que se apresenta em sua fantasia, não tente censurar nem despreze o seu
conteúdo. Mostre disposição em escutar o que ela tem a dizer. Expresse-lhe
todos os sentimentos que tiver: raiva, medo, alegria, tristeza, decepção,
ansiedade, ódio, rancor, agressividade. Interaja com ela, perguntando e
argumentando. Se entregue ao inesperado. Estabeleça limites éticos e de
responsabilidade, lembrando de seus valores de caráter mais profundos,
preservando vivos os seus relacionamentos. Procure de algum modo, tornar o
processo imaginativo o mais “concreto” possível.
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