“Quando
não compreendemos algo, caímos facilmente em estados de excitação” (JUNG. Memórias,
sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 68).
Atribuída
a um elemento interior autônomo e com personalidade própria, Jung registrou em
sua autobiografia esta frase que se impunha contra a sua vontade pessoal,
sempre carregada de um forte e implacável afeto contra a si mesmo, ao sentir que
algumas pessoas desconfiavam de suas habilidades intelectuais, quando abordava
assuntos que não eram ensinados na escola, durante os estudos colegiais.
Jung não
compreendia como as pessoas podiam desconfiar de suas capacidades considerando-o
“tolo e superficial” para com os estudos e, quanto mais pensava sobre isto,
sentia que só aumentavam sua tristeza quanto a ele mesmo e sua raiva contra
elas.
Tratava-se,
segundo ele, de: “Um sopro vindo do universo astral e dos espaços infinitos,
uma realidade que pertencia a uma outra ordem de coisas, diferente da imagem de
mundo que crescera comigo”. Neste momento, Jung volta-se para dentro de si
mesmo e percebe que também não se compreendia, desconfiava de si tanto quanto os
outros, que não era possível fazer o mundo adaptar-se às suas expectativas, e
esta era a razão de sua agitação interior.
A
grande descoberta de Jung é que havia um “sentido oculto no mundo, sobre o qual
os homens, aparentemente, nada sabiam (que) à semelhança dos animais,
reuniam-se grupos, acasalavam-se e lutavam entre si, sem perceber que habitavam
o cosmos, o universo de Deus, a eternidade na qual tudo nasce e tudo já está
morto” (p. 69).
Lamentavelmente,
fica cada vez mais distante a possibilidade de se render ao confronto com o
mundo interior, especialmente, em épocas de eventos mundiais e coletivos como a
Copa do Mundo, que nos apresentam tantos atrativos exteriores dos negócios
mercantis com números financeiros estratosféricos que envolvem o “mundo da bola”
às altas performances das seleções e seus atletas, alguns deles tratados como
verdadeiros “deuses mitológicos”, enquanto a realidade se revela, cada vez
mais, na violência das guerras, na falta de alimentos básicos em vários
lugares, pela ganância de políticos corruptos que se apresentam como defensores
da moral pública, especialmente em época de eleições. Quer dizer: não podemos
permanecer iludidos quanto a nossa maldade, tão largamente comprovada contra nossas
crianças, jovens, idosos e contra nós mesmos.
São muitos os
apelos a que estamos submetidos a acreditar que viver é consumir os produtos
vinculados a estes eventos, entretanto, este estado de coisas nos leva a
experimentar um excitamento, uma agitação, resultado da falta de autocompreensão,
deixando-nos com o gosto amargo da tristeza e da raiva contra nós e contra os
outros.
É preciso
aproveitar o momento para se relacionar com os fatores internos que o encontro
com o inconsciente proporciona, caso não queiramos permanecer sufocados pelo
gás tóxico de uma vida dominada pelos valores do mundo exterior. Este confronto
conduz-nos a própria individualidade, mas sempre ligada ao que podemos e
devemos fazer frente às realidades que nos desafiam, conforme cada um pode
alcançar.
Conforme o mesmo
Jung: “O que parece mau, ou pelo menos carente de sentido e de valor para a
experiência e conhecimento contemporâneos, pode ser, num nível mais alto de
experiência e conhecimento, a fonte do melhor” (O eu e o inconsciente.
Petrópolis: Vozes, 1987, p. 113).
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