Se para Sigmund
Freud (1856-1939), as fantasias são interpretadas como perturbações, enganos
que deturpam a realidade devido à insatisfação gerada pela frustração por algum
desejo não realizado, para Carl Gustav Jung (1875-1961), as fantasias são
“criadoras” (Civilização em transição. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 158, § 355).
Portanto, a capacidade de fantasiar tem um valor positivo, psiquicamente,
criativo e terapêutico.
A discussão quanto ao valor da
fantasia vem desde a época dos filósofos gregos, e é no mundo das artes que
ganha proeminência e explorado sem barreiras.
Entretanto, os racionalistas de
plantão tendem a torná-la sem atrativos, perigosamente enlouquecedora. E,
lamentavelmente, esta visão, redutivista, tem largo espaço inclusive em alguns
campos religiosos, especialmente, protestantes tradicionais, possibilitando o
ensejo de fundamentalismos e moralismos, ou seja, um posicionamento unilateral
que leva as pessoas a não verem nada além daquilo que querem ver, ainda que a
religiosidade seja uma das experiências humanas que mais oferece amplitude de
visão de vida e de mundo.
Segundo Jung, a fantasia é um fator
psíquico compensador: “O gago se imagina em fantasia como grande orador, o
pobre se imagina um milionário, a criança, um adulto. O oprimido trava lutas
vitoriosas com seu opressor, o inapto se tortura ou deleita com planos
ambiciosos. O homem se compensa através da fantasia” (JUNG, C. G. Símbolos da
transformação. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 22, § 33). Quer dizer: fantasiando
reintegramos aquilo que nos parece impeditivo para uma vida com maior
significado, aproximamos o mundo externo do interno. Se não for assim...
“Nas fantasias, é toda a dimensão
poética da personalidade que se manifesta e não unicamente a função racional”,
segundo Carlos Alberto Corrêa Salles, médico psiquiatra, analista junguiano,
ex-presidente da Associação Junguiana do Brasil (A fantasia como função
psíquica: o substrato da criatividade. Cadernos Junguianos. São Paulo:
Associação Junguiana do Brasil. Vol. 1, nº 01, Nov. 2005, p. 118).
Fantasiar só é contra-indicado em
casos de psicoses severas ou quando o ego se considera mais forte do que as
próprias fantasias, podendo resultar numa saída da realidade sem retorno.
“A fantasia é a vida propriamente
natural da psique que traz ao mesmo tempo o fator criativo irracional em si
mesma. [...] não é uma doença mas uma atividade natural e vital que promove o
crescimento do germe do desenvolvimento psíquico” (JUNG, C. G. A vida
simbólica. Petrópolis: Vozes, 2007, pp. 101, § 1249).
Fantasiar ajuda-nos no processo de
autoconhecimento, isto é, de chamar de volta para nós mesmos ao que projetamos
num objeto, numa pessoa, num lugar. E, isto abre a possibilidade, talvez única,
daquilo que é projetado colaborar conosco, trazendo-nos de volta a alegria e o
prazer, perdidos no sentido único que damos à nossa vida. Fantasiar nos coloca
em um contato maior com os conteúdos do inconsciente. Fantasiar possibilita-nos
interpretar a vida, construir algo que nos coloca nos caminhos do coração do
mundo da alma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário