Tomando
o registro de Carl Gustav Jung (1875-1961): “Todo grego do período clássico
trazia em si um pouco de Édipo, assim como todo alemão tem em si um pouco de
Fausto” (Símbolos da transformação. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 28) - referência
ao protagonista da lenda popular alemã, de um pacto com o demônio, baseada no
médico, mágico e alquimista Dr. Johannes Georg Faust (1480-1540), de Johann Wolfgang von Goethe
(1749-1832) -, Dulce Helena Rizzardo Briza, psicóloga analítica, nos brinda com uma
profunda análise da constituição psicocultural brasileira ao apresentar a
característica que assemelha as lendas do Saci, do Curupira e da
Mula-sem-Cabeça em seu: “A mutilação da alma brasileira: um estudo arquetípico”
(São Paulo: Vetor, 2006).
Segundo
Briza, todo brasileiro carrega a marca da mutilação: o Saci – menino de uma
perna só; o Curupira – anão com os pés virados para trás; e, a Mula-sem-Cabeça
–uma mulher que se transforma em mula acéfala, que lança fogo pelo pescoço.
Figuras da mitologia brasileira que povoam
nosso inconsciente, provocando-nos um sentimento de sermos portadores de uma
ferida aberta, da qual se quisermos nos restabelecer, precisamos assimilá-la à
consciência individual e coletiva, isto é, nos relacionar com nosso lado
ferido, para recuperarmos nossa libido nacional.
O
momento histórico registrado como “o gigante acordou”, nos leva a perguntar:
Com quem o “gigante adormecido” sonhou? Acredito que a contribuição de Briza nos
ajuda a dar atenção, ao menos a uma parte de nossos sonhos.
Individual
e coletivamente, somos portadores de uma mutilação no domínio de nossas
subjetividades, que não só influencia como determina nossas ações e
sentimentos, frente às duras realidades a que estamos submetidos,
cotidianamente, nos sistemas políticos, econômicos, jurídicos, educacionais, de
saúde, de mobilidade urbana, de preservação do meio ambiente, sem omitir, os
espirituais representados em todas as religiões, em nossas cidades.
Mais
que figuras folclóricas, Saci, Curupira e Mula-sem-Cabeça são “os sonhos
arquetípicos e lidam com os magnos problemas humanos, (que) integra o indivíduo
numa sociedade e a sociedade na natureza”, conforme Joseph Campbell (O poder do
mito. São Paulo: Palas Athena, 1992, p. 6).
O
“gigante acordou”, e está nos relatando seus sonhos, que oxalá, não pretenda
retornar ao “berço esplêndido”, antes, encontre caminhos que faça valer suas
riquezas econômicas, suas forças renovadas e seu sentido existencial como
nação.
As imagens oníricas são ricas
em significados simbólicos, e aguarda que as compreendamos em seus aspectos:
místicos, pois nos revela seu lado sagrado; cosmológico, incumbindo as mais
diversas academias, da sociologia a teologia, uma análise profunda e
responsável; sociológico, mostrando-nos seus princípios éticos e sua atuação na
ordem social; e, pedagógico, pois ensina-nos como viver e participar no mundo,
conforme entende Campbell quanto aos propósitos de toda a mitologia humana.
Se
formos capazes de aproveitar os significados simbólicos destes sonhos, nos
manteremos acordados sob a luz de uma consciência que sabe quais são as suas
feridas, mas que busca “curá-las”, e se prepara para assimilar a outros mais.
Nos
próximos artigos abordaremos, separadamente, a cada um destes sonhos, se Deus
quiser. Até a próxima vez.
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