quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Oportunidades que as drogas podem proporcionar

            Em “A Pipa e a Flor” (São Paulo: Loyola, 2004), Rubem Alves nos brinda com uma parábola que trata da experiência humana com as drogas.
A Pipa, aos poucos, enfeitiçada pelos olhos da Flor, substitui a imensidão dos céus pela altura dos muros que cercam o quintal; perde o desejo daquilo para o que fora criada, submetendo-se às vontades, cada vez mais exigentes da “florzinha”.
É muito difícil manter a integridade física, moral, social, psicológica e espiritual, diante do brilho das promessas que as drogas – álcool, cocaína, cigarro, cerveja, crack, maconha – oferecem.
Entretanto, o “encurtamento da linha”, os efeitos que o uso/abuso das drogas provoca à vida, constitui-se numa oportunidade para alguns questionamentos.
O que o “baseado”, o “copo”, a “garrafa”, o “cigarro”, a “seringa”, a “carreira”, a “pedra” fala comigo – o que é que há em mim que me faz sentir ser tão parecido com a droga? Que não sou forte o suficiente para assumir as consequências que ela causa em mim e naqueles que estão perto de mim?
O uso/abuso das drogas me colocou em contato com coisas a meu respeito que não estava preparado, com um antídoto para enfrentar com responsabilidade ética e moral o seu poder fascinante e perigoso, e me fez conhecer coisas a meu respeito que não estava na hora de saber – que “coisas” são estas?
Entrei num local interno/dentro de mim e tomei “algo” que não deveria tomar – o que é? – e, o que fazer com isto? – qual o melhor destino que preciso dar a isto? Entregar aos outros – familiares, amigos e sociedade – e deixar que eles façam alguma coisa com aquilo que é meu e, que só eu posso cuidar? Por que não assumir o cuidado comigo e com aquilo que saiu de mim, se estas coisas sou eu mesmo?
Será que o susto de ter as mãos cheias destas coisas não é suficiente para que eu não continue trazendo de lá de dentro o que precisa ficar lá?
Por que tornar como única opção o uso/abuso das drogas – não existem outras dimensões em minha vida? Por que não aceitar as que existem? Como posso perceber outras dimensões para viver?
Fugir às dificuldades de assumir as frustrações, os limites, a baixa auto-estima, por que não tomar estas situações como formas de assumir a vida como ela é, e não como gostaria que ela fosse? Por que rejeitar a vida como ela é, se não é possível transferir as responsabilidades para outros, porque eles também têm suas frustrações, limitações e dificuldades?
Por que penso “grande” a meu respeito – qual o meu real tamanho diante de mim, da minha vida? Não sou grande o suficiente para não sofrer? Então, por que penso que sou tão forte o suficiente para enfrentar a dependência química? Por que sou tão fanático em acreditar que sou mais forte que as drogas? Por acaso, sou “Deus”? Se sou, por que ser tão destrutivo assim, como posso me tornar uma força benéfica, construtiva, libertária, agregadora?
Qual é o meu objetivo quando pensamentos desastrosos me veem à mente? Se tive esses pensamentos, qual a conclusão a que devo chegar? O que significa para mim o fato de eu ter me metido nisso tudo, e chegar até a este ponto? Onde está a mão de Deus em tudo isto, para o quê ela está apontando a meu respeito, que só agora posso enxergar, apesar de todos os sofrimentos?
Quem vencerá a luta da vida: o egoísmo imoderado, ou a ética com a própria vida? Qual o meu significado pessoal nesta vida?

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

100 anos de Vinícius de Moraes

Vinícius de Moraes nasceu no dia 19 de outubro de 1913, no Rio de Janeiro. Lá se vão 100 anos.
Poeta, diplomata, escritor, jornalista, letrista, dramaturgo, cronista, compositor, intérprete e ..., Vinícius, acima de tudo um apaixonado pela vida e por tudo que ela oferece, mas em especial as pessoas: amigos, operários, artistas, intelectuais, gente humilde, boêmios, e é claro, mulheres – “com todas delicado e atento”, até mesmo com as “feias”, e quando as abandonava.
A paixão o levou a experimentar altos e baixos, quer dizer, todas as suas dimensões; conheceu o céu e o inferno do amor, e como disse: “Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavaleiro e ser de sua dama por inteiro”.
“Vinícius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural”, conforme Carlos Drummond de Andrade (CASTELLO, J. Vinícius de Moraes: O poeta da paixão: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 11). Como afirma C. G. Jung (1875-1961): “O poeta é, por assim dizer, idêntico ao processo criativo, tanto faz que ele se tenha colocado deliberadamente à frente da moção criadora ou que esta o tenha tomado por inteiro como instrumento, fazendo-o perder qualquer consciência deste fato. Ele é a própria realização criativa e está completamente integrado e identificado com ela com todos os seus propósitos e todo o seu conhecimento” (O espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 61).
O “poetinha” se deixou ser experimento das emoções, servindo-nos de sinal quanto à necessidade de colocar a intelectualidade em seu devido lugar. Aliás, esta era usada para produzir imagens de seu estado de alma. Assim ele declarou: “Acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor-paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito” (LISPECTOR, C. De corpo inteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 18).
Para Jung: “Nada é mais nocivo e perigoso para a vivência imediata do que o conhecimento” (idem, p. 66). Não são ideias que mudam o mundo, mas a arte que transcende qualquer compreensão consciente e, quanto melhor, quando se dirige contra a norma estabelecida pela racionalidade, que precisa ceder lugar à fenomenologia psíquica, a criatividade, a gênese de toda ciência.
Nada mais influenciava Vinícius Moraes. A criatividade em forma de poesia o levou a servir a humanidade. A criatividade foi a sua maior paixão, sua única e exigente “dama”. Ele escreveu: “Porque a poesia foi para mim uma mulher cruel em cujos braços me abandonei sem remissão, sem sequer pedir perdão a todas as mulheres que por ela abandonei. (...) Porque haverá nos olhos, na boca, nas mãos, nos pés de todos uma ânsia tão intensa de repouso e de poesia, que a paixão os conduzirá para os mesmos caminhos, os únicos que fazem a vida digna: os da ternura e do despojamento” (MORAES, V. Para viver um grande amor: crônicas e poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 171).

Devo registrar que a minha inspiração hoje foi o texto de Dulce Helena Rizzardo Briza, analista didata e autora de referências da psicologia analítica, encontrado em: Vinícius, o poeta do amor; Jung, o poeta da alma (Cadernos Junguianos, Associação Junguiana do Brasil. nº 5, setembro. São Paulo: 2009, pp. 44-57).

Crianças e adultos em (des)sintonia

Desde os primeiros contatos com os adultos, as crianças testam se são ou não correspondidas em suas diversas maneiras de estarem no mundo como seres vivos e reais, capazes de provocar trocas interpessoais e subjetivas. É como se as crianças tivessem um “dial”, através do qual percebem se estão ou não sintonizados à vida, à sua existência. Não diferente com os adultos, afinal, quase sempre “desconfiamos” se somos ou não aceitos no meio social em que estamos ou que pretendemos participar. A diferença é que as crianças não fazem escolhas, mas são postas nas situações que a natureza lhes impôs, no caso, terem os pais que têm. Portanto, é responsabilidade dos pais ou dos cuidadores, graças às suas vivências e maturidade afetiva, oferecerem um espectro mais amplo de trocas interpessoais e subjetivas às crianças, se quiserem que os pequenos vivam de modo mais “sintonizado” possível, segundo Mario Jacoby (Psicoterapia junguiana e a pesquisa contemporânea com crianças: padrões básicos de intercambio emocional. São Paulo: Paulus, 2010).
            Adultos e crianças estão, a todo tempo, procurando sintonizarem-se uns aos outros, desde os olhares e movimentos dos braços em direção à mãe na tenra infância, e nas diversas tonalidades dos choros das crianças e das vozes dos adultos, passando pelos gestos e/ou pelos silêncios de ambos, em constante avaliação, se são ou não correspondidos suficientemente.
            Quanto mais “dessintonizado” for o relacionamento entre as crianças e os adultos, especialmente com os seus pais e/ou cuidadores, os problemas de ordem psíquica aparecem e se desenvolvem.
            A pergunta que se impõe é: Como a criança experimenta as dessintonias com os adultos?
Mesmo precocemente a criança sente os perigos de ter pessoas se aproximando de suas experiências subjetivas – se são portadoras de riquezas mentais com as quais podem se relacionar com segurança, ou se representam ameaças que distorcem ou se apropriam, indevidamente, das suas experiências internas.
As crianças percebem se os adultos são ou não autênticos com elas, se podem ou não confiar neles, e é assim que desenvolvem a confiança nos outros e em si mesmas.
Assim, pais e/ou cuidadores precisam saber interpretar as necessidades sociais das crianças que podem ou não serem atendidas, procurando evitar as mensagens duplas na comunicação do que eles querem delas. Quer dizer: os adultos precisam atentar quanto às reais intenções que as crianças têm em relação a eles e aos outros, para que suas interferências sejam bem sucedidas.
Mensagens duplas deixam as crianças desorientadas, pois não sabem qual a melhor escolha a tomar, se há momentos em que se sentem aceitas e rejeitadas em outros, e muitas vezes pelas mesmas atitudes, sem saberem os reais motivos, ficando sempre ao sabor dos humores dos adultos.
Não é difícil prever que os distúrbios psíquicos, neste contexto, são danosos. É como se uma experiência afetiva alienígena se implantasse na estrutura mental da criança, levando-a a revelar-se uma pessoa diferente daquilo que ela poderia ser, se precisou ser corrigida e não foi, como também, se bastava ser estimulada naquilo que não tinha tanta importância, mas que foi reprimida.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

XXVIII InterQuinta_Jung – Debate

            Exibirá o filme: “Minhas Tardes Com Marguerite”, seguido de debate.

Sinopse: Germain é um cinquentão quase analfabeto. Marguerite é uma senhora apaixonada por livros. Quarentas anos e muitos quilos os separam. Um dia, por acaso, ele senta ao lado dela em um banco no parque. Ela recita em voz alta versos dando assim, a ele a chance de descobrir a magia dos livros, que nunca fizeram parte de sua vida. Mas Marguerite está perdendo a visão e pelo carinho e afeto que serão criados dessa relação, Germain irá aprender a ler, para mostrar que pode fazer, quando ela não puder mais.

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                                                                        Informações Técnicas

                                                                            Título: Minhas Tardes com Margueritte
                                                                             Ano de Lançamento: 2010                                                                                                               Recomendação: 12 anos                                                                                                    Direção: Jean Becker                                                                                                                       Gênero: Drama
                                                                                     Duração: 82 minutos
                                                                                      País de Origem: França
                                                                        

Elenco: Gerárd Depardieu; Gisèle Casadesus; Maurane; Patrick Bouchitey.

Data da Exibição: 31/10/2013
Horário: 20h00      
Local: Sala de Projeção Municipal, piso superior da Biblioteca Municipal. Entrada pela Av. Rio Branco.

Comentários:

Rosângela Prado Muller: Psicóloga especialista em Saúde Pública e Psicologia Judiciária; mestre em Distúrbios da Comunicação Humana.

domingo, 20 de outubro de 2013

Criança também sofre


            De repente, a criança muito bem-educada, calma em seus gestos e palavras, de modo geral quieta em seus comportamentos, generosa com seus irmãos, primos e colegas, cumpridora de seus deveres e obrigações domésticas e escolares, revela uma face “oculta” que confunde a cabeça de todos: fala palavrões que “nunca” se ouviu em casa, agride física e verbalmente a qualquer pessoa conhecida ou não, desobedece aos pais e professores, fica irrequieta perturbando a “paz” da casa, da escola, da igreja ou de onde estiver, perde a calma e se comporta de maneira estranha ao habitual.

Esta situação, naturalmente gera algumas questões: O que está acontecendo com ela? Com quem aprendeu tudo isto? Por que fez isto? Como agir nestas situações?

Se forem descartadas as possibilidades de ordem psíquica, hereditária (não em todos os casos) e de eventos traumatizantes (separações dos pais, morte de algum deles, acidentes físicos), é preciso olhar à volta. O meio ambiente e as influências dos pais certamente estão por trás destes eventos.

Conforme C. G. Jung (1875-1961), a criança pode apresentar dois tipos de personalidades: “Artificial, que imita tudo aquilo que acontece ao seu redor”, ou uma “personalidade dupla, por um lado são razoáveis e adaptadas, mas ao mesmo tempo existe alguém do outro lado que é completamente diferente” (Seminários sobre sonhos de crianças. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 262).

A criança com “personalidade artificial” pensa mais ou menos assim: É melhor ser e se comportar da mesma maneira como os meus pais e os outros são e fazem, porque é mais fácil, e não posso ser e me comportar à minha maneira senão não serei amado por ninguém.

Note que a adaptação social, neste caso, se dá com um mínimo de esforço. Se a criança sentir que “precisa” aprender outro jeito de ser e de fazer as coisas que ela não vê nos adultos à sua volta, logo preferirá seguir o movimento que encontra ao seu redor, por considerá-lo mais fácil. Para ela afirmar seu próprio modo de ser representará uma enorme dificuldade. Mas, à medida que cresce perceberá que há momentos em que terá de ser ela mesma, que não é possível mentir o tempo todo, especialmente quando for namorar ou se casar, se quiser ser sincero na relação íntima.

Enquanto que as crianças com “personalidade dupla”, se quiserem chamar atenção preferirão demonstrar aquilo que o meio ambiente aprova, elogia, prefere, seja de ordem intelectual ou emocional, conforme os talentos que possui.

Se os pais, a escola e/ou a igreja aprovam “alguns” comportamentos e desaprovam outros, a criança poderá apresentar um caráter totalmente oposto no lugar que achar mais conveniente. Mas, isto gera um grande sofrimento psíquico a ela, mas não sabe como expressá-lo. E mais: não podemos ser ingênuos em relação às crianças.
Para Jung, crianças bem-educadas podem desenvolver pensamentos extravagantes que pertencem ao lado desconhecido de suas personalidades, ou seja, quando querem obedecer aos pais, acontece algo que as atrapalha; se sabem que devem fazer a lição escolar, de repente, simplesmente a “vontade” desaparece; sabem que precisam se comportar bem na escola, mas não conseguem; sentem que não podem bater no primo e/ou na colega, mas batem assim mesmo, sem saber porquê, e sofrem por isso.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Crianças psicopatas. Como tê-las?

         Para o psiquiatra, psicanalista e filósofo francês Henri Ey (1900-1977), as atitudes das mães quanto ao desmame e o controle dos esfíncteres, por exemplo, determinam quão tolerantes às frustrações podem ser as crianças, uma vez que, através destas experiências elas podem desfrutar prazer e benefícios ao adquirem novos comportamentos e novos atos por si mesmos (Manual de psiquiatria. Rio de Janeiro: Masson/Atheneu, 1985).
É como se o controle dos esfíncteres fosse a primeira experiência que temos com os nossos corpos, ainda “inéditos”. “Inauguramos” a nossa presença no mundo, e os pais, funcionam como a nossa melhor “plateia”. Pais com atitudes ambivalentes, ora indulgentes, ora severos nestes momentos “inauguradores”, ou ainda, ausentes, distantes, fracos, autoritários, apressados para que as crianças “aprendam logo a se controlar”, criam-nas carentes, podendo evoluir para uma psicopatia.
            Conforme Ey, o psicopata é alguém que tem como única opção descarregar a tensão interior que vivencia sem controle de seus pensamentos mais elaborados, pois ficam “capturados como reféns” de seus comportamentos inadequados.
            Para Alberto Pereira Lima Filho, psicólogo analítico e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Católica de São Paulo (PUC/SP), para o indivíduo psicopata “inexiste a internalização de conflitos”, e por isso, revela comportamento desprovido de emoção no momento do ato, quer dizer, apresenta uma atitude “fria”, revela-se primitivo, ávido e intolerante ao que deseja e não é possível ser realizado, sem culpa, incapaz de elaborar sua pulsão. Para ele: “O ato psicopático é imediato (não mediatizado pela linguagem) não há elaboração mental. O gesto é executado sem o conhecimento do Eu, dando ao observador a impressão de um vazio mental; o sujeito é incapaz de explicar o gesto (como justificativas, apresenta palavras estereotipadas ou racionalização secundária); contraste entre bom nível de cultura (adaptação prática) e incapacidade de processar verbalmente a vivência emocional da crise (atuação)” (O pai e a psique. São Paulo: Paulus, 2002, p. 314).
            Em “A criança como indivíduo” (Cultrix: São Paulo, 2006), o psiquiatra inglês Michael Fordham (1905-1995), um dos maiores expoentes no estudo de crianças na psicologia analítica, ao atender as necessidades do/a filho/a, na hora certa, a mãe o/a conduz ao processo de encontrar-se com o seu (da criança) Self, que ela representa. Se tal representação for positiva e satisfatória, a criança afasta a possibilidade de apresentar alguma psicopatia, sendo assim, protagonista de seu próprio processo de desenvolvimento mental.
Os pais, então, são um dos maiores fatores na formação da estrutura do Eu das crianças, descartando questões genéticas e traumáticas involuntárias. Por isso, é importante que mães e pais prestem atenção em algumas de suas atitudes para com as crianças, desde os seus primeiros dias de vida, ainda “estreantes”, se não quiserem passar pelo sofrimento de conviver com um/a filho/a psicopata.

            Ampliando um pouco mais o espectro das fases de vida das crianças, isto nos leva a considerar: a formação do caráter e o desenvolvimento da consciência moral das crianças iniciam muito mais cedo do que imaginamos, e por isso, os pais precisam resistir às demandas intrometidas dos parentes, estranhos e meios de comunicação.

domingo, 6 de outubro de 2013

A que as crianças estão sujeitas!

            Se o comportamento inadequado de uma criança origina-se de algum transtorno psíquico: “É preciso compreender aquilo que, na organização de uma personalidade psicopática, provém de predisposições somáticas, de más condições sociais e o que provoca reações psicológicas do indivíduo, tornando-o incapaz de equilibrar em si mesmo sua pessoa e seu destino” (EY, H. Manual de psiquiatria. Rio de Janeiro: Masson/Atheneu, 1985, p. 369, apud LIMA FILHO, A. P. O pai e a psique. São Paulo: Paulus, 2012, p. 304).
            É bom se cercar de posicionamentos sem extremos como este para evitar tendências de “rotular” as pessoas, principalmente quando se trata de crianças, com diagnósticos que, na maioria das vezes, não representam mais do que as angústias dos pais e/ou responsáveis, inclusive de professores. Entretanto, é importante ressaltar: as teorias são auxiliares na orientação quanto às análises que precisam ser realizadas, contudo, como adverte Carl Gustav Jung (1875-1961): “A teoria é o melhor disfarce para a falta de experiência e para a ignorância, mas as consequências são deprimentes: mesquinhez, superficialidade e sectarismo científico” (JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 10).
Com tal posicionamento, Jung defende a ideia de que o desenvolvimento humano é muito “elástico”, podendo apresentar significativas alterações em todas as fases da vida e, em especial, na infância, por que suas disposições são polivalentes.
            Para fins didáticos, destaco o estudo de Alberto Pereira Lima Filho, psicólogo analítico e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no qual nos apresenta a contribuição do neuropsiquiatra basco Julian Ajuriaguerra (1911-1993), em seu Manual de Psiquiatria Infantil, no qual categorizou os distúrbios antissociais em: 1. Personalidades subnormais (simples desvios da personalidade; possui uma relativa adaptação, mas as formas extremas são patológicas, incluindo pobreza de juízo e incompatibilidade social); 2. Psicopatas (ignoram responsabilidades; não distinguem o verdadeiro do falso; falta persistente de autocrítica; falta de aprendizagem pela experiência; incapacidade de amar; sentimentos superficiais; dureza e brutalidade evidentes); 3. Personalidades antissociais (indivíduos predadores que perseguem fins mais ou menos criminais); 4. Transtornos de caráter e do comportamento (transtornos de conduta mais estáveis, interiorizados e resistentes aos tratamentos do que “perturbações transitórias situacionais”); 5. Delinquência juvenil (puro atentado à lei; roubo, delitos de violência – agressão física e homicídio; delitos sexuais – estupro e prostituição; fuga e vagabundeio; toxicomania.
            Variados são os fatores que levam alguns indivíduos a apresentarem tais distúrbios: genéticos – hereditários; traumáticos – mortes, separações e perdas emocionais repentinas e significativas; sociais – gravidez indesejada por ambos os pais, negação de afeto em tenra infância, convivência temporária ou permanente com parentes ou estranhos, relações pouco harmoniosas entre os pais, violência doméstica e meios de comunicação; e, ambiente familiar – mães inseguras no cuidar do filho, crescente diminuição da importância do papel do pai em nossa sociedade, independência precoce, inclusive financeira, o que leva as crianças a se sentirem donas de si próprias muito cedo e num mundo à parte de seus pais.