segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Desapego (1)

    De repente tudo se perde. Nada mais pode ser feito. Só ficaram as lembranças de alguns acontecimentos agradáveis, e outros frustrantes. A presença se transformou numa ausência doída, inquieta e ansiosa.
    O momento da partida de um ente querido torna o presente congelado no tempo, tornando o futuro, cego e enfadonho. As estações do ano não se renovam, parecendo um longo e cansativo outono.
    A morte provoca um amargo pesar; é como se algo se intrometesse onde e quando não deveria. E quanto menor a importância concedida às mudanças, mais complicada será a adaptação que elas exigem. É o momento quando se percebe que a vida deveria permanecer estática, estável e previsível. Não importa quão belo e admirável seja o momento presente, as mudanças exigem uma nova organização da vida, da família, dos negócios, até da religiosidade.
    Não nos acostumamos com a ideia, mas estamos em constantes mudanças. Somos forçados a empreender uma nova organização durante todas as etapas da vida: na infância, o corpo se transforma o tempo todo; adolescentes, nossas feições se alteram rapidamente; na juventude, à medida que os gostos se refinam, a vontade de encontrar um lugar ao sol se torna prioritário, por isso ficamos tão despreocupados com o que se passa ao nosso redor. É a partir da meia-idade e na velhice que sentimos quão despreparados estamos para as inevitáveis e repentinas alterações.
Como enfrentar as implacáveis condições que nos obrigam a mudar? Pelo visto, em nossa cultura não temos respostas.
Com a palavra os sábios antigos: é preciso aprender a nos desapegar de tudo e de todos. A sua máxima “vida-morte-vida” está presente em tudo, desde a semente que morre para nascer. A vida sem a morte não se completa. A morte completa a vida.
Sofremos porque não queremos nos desapegar.
Desapego não significa negligenciar, menosprezar, envergonhar-se pela necessidade que se impõe, nem resignar-se insensivelmente e sem afetos.
    O desapego é para quando não se suporta a perda de oportunidades que durante algum tempo eram consideradas eternas e promissoras, e vivenciada como o fechamento definitivo das portas, como não mais sendo possível abri-las, porque ficamos do lado de fora.
    O desapego nos sugere que há outras e diferentes experiências a serem desfrutadas, caso contrário, tudo permanecerá o mesmo.
    O desapego é para encontrar o que nos falta; a dar importância ao que é verdadeiramente importante; a perceber que somos parte de um plano traçado por mãos invisíveis que dirigem todas as coisas.
    Como afirma Mário de Andrade (1893-1945): “quero viver ao lado de gente humana, que sabe rir de tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade...” (Não tenho tempo para perder com certas coisas).

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O sonho nunca acaba

O que nos leva a passar por todas as experiências é um sonho. Por ser um sonho não existe nada de racional nem lógico que o governa, como quer a ciência em tudo que faz. É o sonho da alma humana.
Até mesmo as piores e mais terríveis dificuldades que todos nós encontramos e nos levam, tantas vezes, a pensar em desistir; como também, as mais banais, mas que nos fazem sofrer.
Este sonho faz parte dos tempos imemoráveis: como os homens que se reuniam ao redor do fogo e discutiam seus problemas; como os filósofos gregos que tratavam dos temas mais profundos; como os sacerdotes e mestres de todas as religiões que meditavam acerca do drama humano; como os alquimistas que ansiavam transformar metais comuns em ouro; como os fundadores das ciências na elaboração de suas teorias sobre os temas mais diversos que o espírito de cada época evocava; como os nossos familiares mais antigos, antes mesmo da nossa existência.
Mas, a boa notícia é que continuaremos sonhando, com novos e desafiadores contornos como: a extinção de espécies e a degradação do meio ambiente; a relação sempre conflituosa entre os homens; a depressão, o tédio, a exaustão e o suicídio, comprovando que a felicidade não se trata de um mero argumento ainda que muito belo, mas algo que não se possui e não se oferece, mas que se busca até o fim da existência.
Nossas celebrações festivas não são a realização de um sonho, mas partes do sonho humano, do qual todos nós somos ativos e implicados participantes, por isso o sonho não acabou, pois queiramos ou não, sobre nós pesa dar o seu prosseguimento.
Assim como no mundo onírico sonhamos com pessoas conhecidas e desconhecidas que provocam simpatia e alegre companhia, e outros causam rejeição; com nós mesmos que, às vezes, estamos alegres ou contrariados; com lugares e objetos familiares e outros que nunca vimos aos quais somos atraídos, ou ficamos indiferentes, sempre encontraremos alguma dimensão especial para cada um de nós com o que nos acontece no período de vigília. Nossas alegres e tristes recordações são símbolos com significados íntimos, e cabe a cada um de nós buscarmos a sua compreensão para que o sentido do sonho alcance um lugar em nossa vida e na daqueles que estão ao nosso redor.
    Não somos como barcos isolados navegando neste infindável e eterno oceano chamado vida, mas ocupamos o mesmo e único barco chamado sonho e, se quisermos completar a viagem, que de turística não tem nada, temos de enfrentar sozinhos, tal como os marinheiros todas as situações boas e ruins que nos vierem: amigos verdadeiros e falsos, circunstâncias agradáveis e outras amargas, pessoas que acreditam em certezas e outras que acendem suas lâmpadas em pleno meio-dia em busca de respostas para suas incertezas, como também, anjos, demônios e deuses.
    O sonho ainda continua, não acaba só porque temos vontade de desistir diante das terríveis experiências como a das chuvas que castigam os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, a seca que causa tantos prejuízos ao povo do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, ou a fome e a miséria de milhões de pessoas espalhadas na Terra. Se quisermos podemos encontrar o significado destes pesadelos.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Inveja


          Quando foi a última vez que você falou, ouviu ou leu a respeito da inveja? Talvez, seja a primeira vez que você esteja lendo acerca deste sentimento.
A inveja é tema que frequenta várias rodas da filosofia à política, da arte à teologia, dos tratados de psicologia às revistas de celebridade. Sua dimensão atinge a todos: cultos e símplices, ricos e pobres, crianças e idosos, sãos e enfermos, anônimos e famosos, ateus e crentes, homens e mulheres. “Todo organismo é perpassado, de ponta a ponta, pela inveja do poder e pela desconfiança”, conforme Carl Gustav Jung (Presente e futuro. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 7).
Apesar da sua enorme influência sobre nós, na maioria das vezes, julgamos a inveja através de mecanismos moralistas: desde o “Não cobiçarás” consta na “lista negra” dos pecados capitais; daí despertar vários preconceitos e estigmas sociais vivenciados em todos os ambientes humanos: do lar ao trabalho, da igreja à política, da escola às ruas.
A inveja provocou o primeiro homicídio da história no seio de uma família; serve como pano de fundo das fofocas entre colegas; se presta aos bajuladores dos professores e dos patrões; fortalece os políticos demagogos; arregimenta “discípulos” amedrontados, e encoraja lobos em peles de carneiros no campo religioso.
Do latim “invidere”, invejar significa “não ver”. Por não tolerar o bem do outro, deseja-se possuí-lo, controlá-lo, ter poder sobre ele, porque é cego quanto a si mesmo. Daí vem o termo “mau olhado” e todas as “simpatias” contra o “olho gordo”.
Segundo Lideli Crepaldi, psicóloga e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo: “O que caracteriza a inveja é uma frustração consigo próprio, é a tristeza com suas coisas, é a intolerância por se sentir menos que os outros. [...] Invejoso é aquele que, ao invés de sentir prazer com o que tem, sofre com aquilo que não é e com aquilo que não tem, sempre na comparação destrutiva do outro. [...] Ao sentirmos inveja de alguém o que desejamos é ocupar o lugar dessa pessoa e, por consequência, eliminá-la” (A inveja no mundo atual. Revista Comunicação e Inovação. São Paulo: 2010, p. 61).
Para o historiador, médico-psiquiatra e analista junguiano Carlos Amadeu Botelho Byington a inveja tem uma “função estruturante”, isto é, podemos utilizá-la como uma ferramenta favorável no desenvolvimento de nossa personalidade, ou na ampliação da consciência e autoconhecimento (Revista Psique Ciência & Vida, nº 3. São Paulo: Ed. Escala, 2005).
“Os homens têm inveja dos pássaros. Gostariam de voar”, conforme o teólogo protestante, educador e psicanalista Rubem Alves (Dogmatismo e tolerância. São Paulo: Loyola, 2004, p.7).
Quanto menos atenção dedicarmos a este sentimento, mais distantes ficamos de nós mesmos, maiores dificuldades sentiremos de perceber nossas limitações, e menor ficará a nossa capacidade de reflexão.
Neste início de ano é um bom momento para olhar para nós mesmos e conferir o tamanho que a inveja toma em nossa vida.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Deixe um lugar para as surpresas


           Toda vez que pensamos sobre o futuro ficamos ansiosos.
A vontade de prevenir nos leva a prever.
“O que vem por aí?” – é a pergunta do momento. Mas, a resposta que tanto ansiamos é: Quem vai cuidar da gente se alguma coisa não sair conforme as nossas expectativas?
Na realidade, ansiedade não passa de uma pretensão de controlar as contingências, e isto camufla nossa busca por estabilidade, ou ao menos, a espera por alguém que nos guie na vida.
Administramos a ansiedade sem perceber que esta só aumenta à medida que se pretende diminuí-la, desejando até mesmo a sua total sujeição.
Para sentirmos que temos controle sobre a ansiedade desejamos “tudo de bom” uns aos outros, com uma “certeza” de que o simples desejar é suficiente para garantir que a “sorte” ou o “sucesso” sejam ininterruptos.
Contudo, quanto ao futuro deveríamos considerar a única coisa possível e necessária: sermos nós mesmos.
Ser você mesmo, segundo o historiador das religiões Joseph Campbell (1904-1987) é: “aquela sensação profunda de estar presente, de fazer o que você decididamente deve fazer para ser você mesmo” (Mito e transformação. São Paulo: Ágora, 2008, p. 25).
Para sermos nós mesmos precisamos mudar o foco da atenção: das tensões geradas pelo controle sobre circunstâncias imprevisíveis como obter mais dinheiro, alcançar maior prestígio social, por exemplo, para questões ligadas à vida interior, pois aquilo que nos parece inalterável devido aos prognósticos, pode se alterar como um vento suave. Tudo muda muito rapidamente. Uma profissão, antes considerada promissora perde espaço para outra que ganha maior importância devido às mudanças sociais, ambientais, familiares, econômicas, etc.
“Fazer o que você decididamente deve fazer para ser você mesmo” questiona os valores da cultura na qual estamos inseridos. Pode nos levar a mudanças que para alguns são “drásticas”, mas que ampliam o sentido da vida. É cruzar um caminho por onde ninguém passou, apesar das curvas e perigos.
Na verdade não existem trilhas confiáveis por onde andar. O caminho é feito enquanto se caminha. O seu caminho é só seu; em meu caminho não cabe você. Não existe nada mais seguro do que o caminho que vem de dentro. Mas, e as tradições? Elas não servem para ser seguidas, somente indicam por onde muitos já passaram.
É preciso viver a vida como ela é: limitada, grossa, monstruosa, feia, difícil, para transformá-la. A entrega ao incognoscível exige abstenção de qualquer exigência. Recomenda-se: humildade. Amargura, dureza, rancor, impaciência, auto-importância são ferramentas inúteis na destreza com a vida. É preciso deixar lugar para as surpresas para não cair em desespero nem em depressão.