sábado, 28 de setembro de 2013

As "verdades" das crianças

       Você já perguntou para alguma criança o que ela acha do modo como é tratada pelos adultos, principalmente, quando é apanhada em algum comportamento inadequado?
Pergunte! Mas, não saia de perto nem a deixe falando sozinha. Ouça tudo o que ela tem para dizer. E, tenha coragem, por que vai ouvir verdades que só ela conhece.
Para Andrés Felipe Bedoya, colombiano de oito anos de idade, adulto é: “Pessoa que em toda coisa que fala, fala primeiro dela mesma”, em “Casa das estrelas: o universo contado pelas crianças”, de Javier Naranjo, (http://www.bbc.co.uk/portuguese /noticias/2013/05/130518_dicionario_criancas_colombia_aw_cc.shtml).
Bedoya nos conta uma verdade, longe de ser ingênua e/ou idealizada: criança é aquilo que julgamos que ela é segundo os nossos padrões. Entretanto, se formos honestos, verificaremos que muitas vezes, são padrões ultrapassados, e pior, consideramo-los inquestionáveis. Provavelmente, se tivessem oportunidade, as crianças diriam o mesmo que Ana Luisa, certa vez, aos cinco anos, disse: “Pai, fale comigo. Eu preciso falar. Minha cabeça tá cheia de palavras” (LIMA FILHO, A. P. O pai e a psique. São Paulo: Paulus, 2002, p.495). Quantos estão dispostos a não enjeitar as “palavras”?
Cabe-nos perceber, entretanto, que contínua, às vezes, desesperadamente, devido às condições em que encontram a família, o país e a humanidade, as crianças nos comunicam suas “verdades” através de palavras, desenhos, gestos, comportamentos, omissões, os estágios do seu desenvolvimento como pessoa, como um indivíduo que está em franco confronto com os distúrbios do mundo psíquico dos pais, e com o inconsciente coletivo com que se depara em seus sonhos e fantasias, nos quais podem se perder, na construção de uma identidade própria e única: “Eu sou eu, e não você”.
“Esse processo interno precisa de pessoas que o acompanhem, com as quais o indivíduo possa se relacionar: pessoas que compreendam, confrontem, encorajem, façam demandas, limitem, deem fundamento, etc” (JACOBY, M. Psicoterapia junguiana e a pesquisa contemporânea com crianças: padrões básicos de intercâmbio emocional. São Paulo: Paulus, 2010, p. 59).

Como as crianças podem lidar melhor com suas angústias, sem comportamentos inadequados, por exemplo, se não lhe oferecemos um ambiente acolhedor, facilitador, nos quais se sintam pessoas e não objetos? Para quem, senão aos adultos, as crianças podem expressar suas emoções subjetivas, como, por exemplo, quando se sentem deprimidas ou chateadas, uma falta de autoestima, uma ansiedade que não sabem explicar, um vazio interno muito grande, ou uma completa falta de sentido percebido no mundo no qual exigimos existir? Como, podem lidar com a “segunda pessoa” que as habita, isto é, como expressar as sombras pessoais e coletivas, sem se perderem de si mesmas em seus instintos não-diferenciados pela educação? Será que a nossa melhor resposta é responsabilizá-las pela nossa negligência, poupando-as de frustrações e das limitações inerentes à natureza humana, forçá-las a crescer a agir como nós, prescrever-lhes medicamentos?

quarta-feira, 25 de setembro de 2013


XXVII InterQuinta_Jung – Debate

            Exibirá o filme: “Antes de Partir”, seguido de debate.

Sinopse: Você só vive uma vez, portanto, por que não viver com estilo? Essa é a conclusão a que chegam dois pacientes portadores de câncer internados em um mesmo quarto, um irritável bilionário (Jack Nicholson) e um simplório mecânico (Morgan Freeman), quando recebem as más notícias. Cada um deles monta uma lista de coisas a serem feitas até o momento derradeiro, e juntos saem mundo afora para viver a maior aventura de suas vidas. Salto de pára-quedas? Perfeito. Pilotar um Mustang Shelby em alta velocidade? Feito. Admirar a grande pirâmide de Khufu? Feito. Descobrir a alegria em suas vidas antes que seja tarde demais? Feito! Sob a competente direção de Rob Reiner, estes dois astros oferecem interpretações de corpo e alma nesta inspirada saudação à vida, que prova que o melhor momento para se viver ainda é o agora.
Informações Técnica: 
Título: Antes de Partir
 Ano de Lançamento: 2007                                                                                                  Recomendação: 10 anos
Direção: Rob Reiner                                                                                                                Gênero: Drama
Duração: 97 minuto
País de Origem: EUA
                                      
Data da Exibição: 26/09/2013
Horário: 20h00      
Local: Sala de Projeção Municipal, piso superior da Biblioteca Municipal. Entrada pela Av. Rio Branco.

ComentáriosElaine Cristina Bertinotti Gomes – Psicóloga Clínica, Escolar. Atua há 22 anos no Colégio Cristo Rei de Marília, especialista em Orientação Vocacional voltada para os Tipos Psicológicos de Jung.
Entrada Franca

domingo, 22 de setembro de 2013

Bandeiras negras (2)

             O que está preto em nosso País, simbolizado pelas bandeiras negras hasteadas no Rio de Janeiro, no último dia 7 de setembro, não é difícil perceber: as péssimas condições de funcionamento dos serviços públicos; o superfaturamento em obras; a impunidade a políticos comprovadamente criminosos; programas econômicos que levam as pessoas a contraírem mais dívidas; sistemas de transporte coletivo, público e privado, caros e sucateados; ruas e avenidas esburacadas, com trânsito cada vez mais lento; desigualdade social muito grande; execução de obras que atendem a interesses particulares e o abandono, à própria sorte, de populações miseráveis, que servem como massa de manobra em época de eleições; analfabetismo; negligência e indiferença para com as crianças, idosos e outras minorias sociais; etc. A lista é grande!
            Numa sociedade democrática, as soluções passam pelas ações político-sociais. Quer dizer, as responsabilidades precisam ser compartilhadas pelos representantes do povo, e pelos cidadãos. Cabe aos cidadãos cobrar dos agentes públicos, ações que atendam a coletividade. Contudo, cada um de per si precisa se lembrar que todas as situações sociais se originam do fundo inconsciente que opera subliminarmente.
Segundo a perspectiva da psicologia analítica de Carl Gustav Jung (1875-1961), se quisermos ter uma experiência de nós mesmos e da vida, e consequentemente, de uma sociedade mais consciente de seus direitos e deveres, o inconsciente coletivo e pessoal, através de sua linguagem simbólica, geralmente, apresentada em nossos sonhos – atividade onírica –, é o nosso mais fiel guia e conselheiro. Cabe-nos analisar, interpretar e enfrentar as realidades apresentadas pelo inconsciente, e principalmente, quando nos faz senti-lo por meio de um estado negativo, como se tem apresentado nestes últimos tempos, golpeando a nossos mais profundos anseios sociais.
            Conforme James Hillman (1926-2011), psicólogo e analista junguiano estadunidense, “o preto extingue o mundo colorido perceptivo” (Psicologia alquímica. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 134).
            A realidade brasileira nos indica que estamos cercados de trevas, e isto não é pessimismo, antes, reconhecimento necessário para nos por em movimento, para construir uma sociedade melhor, pois nada pode ser considerado fixo entre os humanos, nem mesmo a pretensa segurança que as riquezas produzidas podem proporcionar.
Aquelas bandeiras negras simbolizam que estamos passando por uma mudança de paradigmas, daí o sentimento de ameaça e insegurança generalizado, por não sabermos o rumo a que as situações podem nos levar. Mas, isto faz parte do processo, se quisermos uma transformação real, em busca de novas metas.
            “Cada momento de enegrecimento é um arauto da mudança, de descoberta invisível e de dissolução das ligações com tudo aquilo que foi tomado como verdade e realidade, fato sólido ou virtude dogmática. Ele escurece e sofistica o olhar de forma que ele pode enxergar através” (Hillman, p. 136).
            E, o que é possível “enxergar através” da situação que se nos apresenta?

            Que as estruturas sociais e políticas que nos impedem novas conquistas precisam ser dissolvidas; que, por melhor que possa ser alcançado, não podemos nos satisfazer, pois o inconsciente não para de agir e a golpear-nos, pois visa a nos levar para mundos ainda melhores.

domingo, 15 de setembro de 2013

Bandeiras negras



           Alguns jornais destacaram, pejorativa e negativamente, que no monumento a Zumbi dos Palmares, na Praça Onze, na cidade do Rio de Janeiro, alguns integrantes do grupo Black Bloc, hastearam bandeiras negras no lugar das do Brasil, do estado e do município do Rio, no último dia 7 de setembro.
            Entretanto, o jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, afirma que tais coberturas se propõem a desmoralizar o coletivo de produções culturais como “Fora do Eixo” e “Mídia Ninja”. Para Dines: “Os Ninja capazes de entender o conceito de renovação (da mídia) poderão dar sentido e direção a uma mídia engessada e baratinada (cultural e politicamente dos grandes grupos de comunicação do País)” (www.observa- toriodaimprensa.com.br/news/view/hipolito_da_costa_era_ninja).
Porém, é importante ressaltar: o hasteamento das bandeiras negras tem um significado simbólico, não só para a mídia, mas para o País.
            De acordo com James Hillman (1926-2011), psicólogo e analista junguiano estadunidense, para a psicologia dos primitivos (hindus e povos ao sul do Saara), as cores (preto, branco e vermelho) governam o mundo, e: “Apresentam a realidade fenomenal do mundo, o modo como ele se mostra e, como agentes operativos no mundo, são princípios formativos primários” (Psicologia Alquímica. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 128).
            Para Hillman, desde o século XV, o preto é tomado como a cor do mal, da sujeira, da imundice, do maligno, do sinistro, do desastroso, do mau. No grego antigo, e em algumas línguas africanas, a cor preta era empregada como sinônimo de doença, sofrimento, feitiçaria e má sorte. De lá pra cá, atribuímos à cor preta, uma maldição especial, graças à capacidade ocular, por onde tomamos consciência do mundo das coisas e dos outros, e formamos nossos valores. Parece que isto explica a rejeição sociopolítica aos grupos de manifestantes mais ativos que os meios de comunicação conservadores querem nos fazer ver para crer que lhes faltam as virtudes morais, caso estivessem vestidos de branco, mas, com um importante e sério agravante: a privatização do nosso olhar.
            Não é de hoje que a realidade brasileira, simbolicamente, é negra. Até chegamos a dizer: “A coisa está preta”. Isto quer dizer, lamentavelmente, que somos um povo exausto, seco, paralisado, deprimido e confuso, e não doente, sofrido, infeliz, marcado para morrer.
            Nem a mídia conservadora, nem mesmo o grupo Black Bloc, podem nos fazer ver para crer que estamos irremediavelmente perdidos, mas simplesmente, estão a nos indicar que se as coisas estão “pretas”, é por que estamos diante de uma grande escuridão que precisa ser enfrentada.
Longe de sermos um povo fracassado, ou que nossos métodos de resolver os problemas estão errados, as bandeiras pretas sinalizam que estamos em processo de realização de um projeto novo, que estamos trabalhando para um Brasil diferente surgir além daquilo que até agora era percebido como terra de que em se plantando tudo dá, um gigante adormecido, país do futuro, gente hospitaleira e de paz.
Neste momento, é bom olhar para as nossas raízes religiosas, outra forma de psicologia primitiva, quando nos ensina: “Por que olhas o cisco no olho de teu irmão, e não percebes a trave que há no teu? Como podes dizer a teu irmão: 'Irmão, deixa-me tirar o cisco no teu olho', quando não vês a trave em teu próprio olho?” (Lucas 6.39-42).

sábado, 7 de setembro de 2013

Agressividade e alteridade

            Eu sou diferente de você. Você é diferente de mim.
            Óbvio, não?
Nem tanto, pois são muitos e enormes os problemas que criamos e sofremos porque perdemos esta dimensão da vida. Não toleramos as semelhanças nem as diferenças. Preferimos a previsibilidade, a homogeneização, mas não que o outro seja mais um protagonista.
            A presença do outro constitui um mundo ao qual pertenço, ainda que não seja o meu, e que me constitui para mim mesmo e, também, para o outro. Ao comparar o outro comigo, tendo a procurar excluir, de diversas maneiras, a possibilidade de reconhecer as nossas diferenças. É por isso que os “poderosos” não acolhem a diversidade, têm baixa tolerância à singularidade de opiniões, porque sentem seu mundo ameaçado pela existência de que outro mundo é possível. Daí as múltiplas formas de agressividade, na tentativa de excluir o outro.
            No fundo, a alteridade nos desafia quanto ao destino que precisamos dar a agressividade. A alteridade exige sairmos de nós mesmos, a fim de nos vermos através do outro. Quando não agimos assim nos tornamos agressivos, interrompendo o rico processo de construção da alteridade.
            A obstrução desse processo mantém o indivíduo indiferenciado quanto a si mesmo, interdita seu processo de individuação, isto é, dificulta a torná-lo a si mesmo, inteiro, indivisível e distinto de outras pessoas ou do coletivo, que as diferenças do e com o outro permite.
            Afastar-se do outro porque é diferente, impede o autoconhecimento, adia o contato com fatores próprios necessários para ser mais sábio, um ser humano melhor, inibe a ampliação da consciência, e mantém vivo um sistema de autoproteção que reprime avançar à maturidade.
Conforme Carl Gustav Jung (1875-1961): “Quanto mais forte for a normalização coletiva do homem, tanto maior será a sua imoralidade individual” (Tipos psicológicos. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987, p. 527). Isto é, quanto maior a rigidez no estabelecimento de valores e normas de convivência com o outro, das crianças aos idosos, dos pobres aos ricos, dos crentes aos seculares, dos mestres aos aprendizes, dos cumpridores de seus deveres aos criminosos, na tentativa de eliminar as diferenças, e, infelizmente, através da agressividade, nada se revela mais forte do que a nossa imoralidade. E, por que é imoral?

            Por que: “O agressivo possui uma personalidade narcisista. Nutre por si próprio um sentimento de grandeza, exagerando sua própria importância. Tem excessiva necessidade de ser admirado e aprovado, é arrogante, egocêntrico, evita qualquer afeto, acha que todas as coisas lhe são devidas. Ele critica todos que o cercam, mas não admite ser questionado ou censurado. Está sempre pronto a apontar as falhas. É insensível, não sofre, não tem escrúpulos, explora, e não tem empatia pelos outros. É invejoso e ávido de poder. Para o agressor o outro é apenas “útil” e não merece ser reconhecido em sua alteridade”, segundo o professor e supervisor do Núcleo de Psicologia Analítica da Universidade Presbiteriana Mackenzie Paulo Afrânio Sant’Anna (3º Congresso Brasileiro de Psicoterapia Junguiana, EPPA. Universidade Cruzeiro do Sul: São Paulo, 2008, p. 115).

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Agressividade e ampliação da consciência

Não são poucas as situações em que as pessoas, mas especialmente as crianças, não conseguem controlar por uma vontade própria consciente, os impulsos agressivos, principalmente porque elas ainda se encontram no início dos estágios de aprendizagem consigo mesmas. Na realidade, a consciência de que se é o maior e único problema a ser enfrentado na vida, só é adquirida na passagem pelos diversos estágios da vida.
Quem não se sente como um “problema” a ser resolvido por si mesmo, mas pelos pais, escolas, credos religiosos e sociedade ainda não alcançou um nível maior de consciência, ou como afirma a psicologia analítica, uma noção de que se é um indivíduo que está em constante processo de diferenciação do grupo a que pertence, ou da coletividade.
Todos têm a oportunidade de adquirir uma consciência mais ampliada, mas somente alguns poucos a experimentam porque a maioria se recusa a arrepender-se, isto é, a mudar de mente, preferindo permanecer inconsciente. Entretanto, este processo é contínuo, implacável e insistente, ainda mais quando os incômodos emocionais acentuam-se, pois a vida se faz ao perceber que deuses e demônios, luz e trevas, bem e mal precisam ser integrados na experiência pessoal.
E, parece que muitos pais, escolas, credos religiosos e a sociedade em geral não querem que percebamos que não somos seus principais problemas. Um grande motivo para isso: acreditam que esta seja a única maneira de manterem o poder e o controle que acreditam possuir sobre nós. Por isso não nos tratam como indivíduos, mas como “ovelha negra da família”, “aluno problema, futuros marginais”, “hereges que põem em perigo a sã doutrina” ou “necessitados de dirigentes políticos”.
À medida que a consciência pessoal se amplia, no caso da família, percebe-se que muitas das advertências parentais vinham carregadas das suas frustrações, das suas vidas não vividas; no caso da escola, que as ordens dos professores se definiam mais por suas inseguranças, idealismos e obsessões de perfeição que eles mesmos não conseguiam alcançar; no caso dos líderes religiosos, que não guardavam nossas almas, porque é mais fácil abandonar os pecadores que cometem os mesmos pecados e não perdoar, pois se importavam mais com a aparência exterior da prática religiosa e os moralismos vazios de significado para a vida, mas supervalorizados pela instituição, numa grandiosa distorção à mensagem que dizem acreditar; no caso da sociedade, em especial a classe política, que seus programas propunham a enaltecer “obras” que atendem a grupos, que se preocupa em omitir seus crimes, principalmente, contra os mais pobres, que não está preocupada em corrigir nada, mas tão somente a se proteger, sem perceber, entretanto, que, assim, nos pede que não mais votemos nela.
Segundo a psicologia analítica, os afetos, sentimentos que causam agitação psíquica ou outros distúrbios psicomotores, contribuem para a formação e a ampliação da consciência porque “nos acontecem” (SAMUELS, A. Dicionário crítico de análise junguiana. Rio de Janeiro: Imago, 1988, p. 20), isto é, o afeto é um impulso que nos toma toda vez que alguma ferida psíquica é tocada por alguém ou por alguma situação.

E, a agressividade é um destes afetos que implica numa das coisas mais caras para cada um de nós: a imagem que temos de nós mesmos. Quer dizer: a agressividade nos ajuda a perceber nossos valores positivos e negativos, levando-nos a uma apreciação positiva ou negativa aos nossos próprios olhos, e a buscar por algum merecimento, como também, possibilita, em caso de se ver “deformado” por alguma atitude ou emoção, a buscar uma reparação que visa a ampliar, ainda mais, a consciência.