quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Desapego (2)


            É natural nos entristecermos e/ou chorarmos quando algo dá errado, ou ocorre algo desagradável e inesperado. Não temos como evitar que o dissabor faça parte da nossa vida, pois não é possível nos iludirmos durante muito tempo de que haja um contrato com o mundo: se formos bons e fizermos corretamente todas as coisas, nada de mal pode nos atingir. Entretanto, a qualquer momento algo pode nos acontecer e alterar tudo para sempre, ou por certo período de tempo que nos parece não ter fim.
            Não queremos porque não é agradável, considerar que o mesmo que sucedeu com Jó possa se dar conosco, porque estamos costumados a tirar o máximo prazer de todas as circunstâncias, e que todas as coisas podem ser nossas. Contudo, é bom deixar bem claro: é possível que Deus concorde em deixar Satanás nos testar, pois este não desiste em insistir que o Senhor o autorize a provar nossa fidelidade e integridade humanas. Não temos controle sobre nosso destino.
            Daí a importância do desapego de tudo, de todos, e principalmente, de nós mesmos.
            O desapego é para vermos como a vida é: que as ilusões precisam ser abandonadas, pois a vida pulsa sempre à nossa frente nos convidando a acompanhá-la, mesmo quando mostra sua face dura e carrancuda, que não podemos acertar os ponteiros do tempo de acordo com os nossos planos.
            O desapego é para fazer a mesma experiência de Jó que reagiu sem revolta a todo o sofrimento, ou seja, recolher-se a finitude e pequenez, ainda que perplexos e com muito medo, mas humilde e sinceramente, reconhecer: “Nasci nu, sem nada, e sem nada vou morrer” (A Bíblia Sagrada).
            O desapego é para empreendermos uma atenção especial à nossa interioridade e nos preparar para uma jornada com sentido para nós e para os que vivem junto de nós; para manter vivo o idealismo e a solicitude no relacionamento com o resto da humanidade; para transformarmos aquilo que é tido como transitório e meramente utilitário porque atende alguns caprichos egoístas em intimidade, companheirismo e amor verdadeiros.
            O desapego é para dar vazão às lágrimas, muitas vezes presas pelas amarras da vergonha, rancor, ódio, mágoas, dissimulação e ambições que nos cegam, para vermos com maior clareza outras áreas do desenvolvimento de nossa personalidade.
            O desapego é para aprendermos a mudar o rumo conforme a força dos ventos que nos embatem e nos forçam a mudar de curso, por onde ainda não passamos ou não gostaríamos de passar. Um velejador não tem domínio sobre a força dos ventos, nem sobre a corrente das águas, mas é treinado a içar a vela a fim de aproveitar melhor a força dos ventos e das águas.
            O desapego é para valorizarmos o rizoma que sustenta e nutre a árvore das profundezas da terra, pois se os galhos perderam as folhas, as flores e os frutos, ela aguarda a chegada da primavera para repetir a perenidade do ciclo vida-morte-renascimento.

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