terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Desapego (3)


            A morte de um ente querido em plena saúde ou bastante enfermo; a separação conjugal que acaba com um casamento de tantos anos; a dispensa de um emprego promissor no auge da carreira profissional que assegurava a sobrevivência e a aquisição de bens; a impossibilidade de alcançar novas competências para realizar uma profissão que sente ser a sua vocação; o diagnóstico de uma doença grave que promete poucos meses de vida ou de uma longa e penosa sobrevida, são algumas das situações que nos submetem a um período de desalento e uma abrupta suspensão das coisas simples do cotidiano, mergulham-nos nas correntezas sombrias, tenebrosas, estranhas, esmagadoras e assustadoras da vida, exigindo um sentimento de desapego, para o qual não estamos preparados e nem mesmo somos alertados da sua necessidade e importância.
            Como o poeta austríaco Rainer Maria Rilke (1875-1926) aconselha ao aprendiz de poesia, o alemão Franz Xaver Kappus (1883-1966) é preciso: “[...] ter paciência em relação a tudo que não está resolvido em seu coração. Peço-lhe que tente ter amor pelas próprias perguntas, como quartos fechados e como livros escritos em uma língua estrangeira. Não investigue agora as respostas que não lhe podem ser dadas, porque não poderia vivê-las. Viva agora as perguntas. Talvez passe, gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a viver as respostas” (Cartas a um jovem poeta. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 43). Somente o sentimento de desapego nos educa a fazer mais perguntas a alcançar respostas, que muitas vezes não existem, pelo menos ao estilo de vida ou ao nosso espírito de época.
            O desapego é para receber de mãos abertas aquilo que é recusado com todas as forças, mas que apesar do sofrimento provocado pode aliviar a alma, mesmo que deixem muitas perguntas, simplesmente, sem respostas.
            O desapego é para permitir que o ego e Deus entrem num diálogo pessoal e íntimo, ainda que pela primeira vez, do contrário não conheceríamos a alegria da vida e a sabedoria acerca de quem somos realmente.
            O desapego é para percebermos que nada ou muito pouco adianta a nossa necessidade de controlar todas as coisas e/ou pessoas ao nosso redor, pois tudo e todos obedecem a uma ordem que pode alterar tudo e todos para sempre.
            O desapego é para entrarmos no futuro sem as mesmas e velhas expectativas, valores e auto-avaliações que vimos carregando conosco pela vida toda, mas para deixá-los para trás se quisermos realmente sentir que estamos vivos.
            O desapego é para ampliar a nossa consciência, sem estranhar as alterações que isto possa causar aos familiares, amigos e/ou colegas, pois fomos criados para enfrentar uma grande parte da nossa existência, sozinhos. Assim como o sol caminha pelos céus alterando seu fulgor durante todo o dia – das cores vivas do amanhecer ao lilás, cinza e negro da noite – sozinhos, prosseguimos para o fim.
            O desapego é para percebermos que é necessário, para entendermos a realidade da experiência humana, nos entristecer e até ficarmos infelizes, e às vezes, nos sentirmos mal com os dissabores que nos acontecem, pois nem tudo é de fácil compreensão e/ou aceitação. Não, não é possível viver sem ficarmos perturbados com alguma coisa.

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