sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O arquétipo do Natal


            A cena do presépio é perseguida como ideal de família. Pais zelosos, apesar das adversidades. Mas, poucos pensam na psique de cada personagem representada. Não se trata de aplicar-se num exercício de imaginação, mas de refletir nas experiências que o relato bíblico registrou, sem a intenção de provar a existência de cada uma das figuras humanas que o marcam, mas para demonstrar que a vida de todos nós passa pelos mesmos contornos dramáticos, senão externos, especialmente, internos.
            Encantados pela correria, à procura dos presentes, vivenciamos mais a esfera mercantil do Natal, identificada com um projeto machista de vida, que defende a ideologia do mais forte e da aparência exterior, nos afastando, repetidamente, do seu sentido emocional e espiritual, mais próximas do feminino que estimula a harmonia, a solidariedade, o afeto, resultando em compreensões equivocadas da mensagem do Cristo, levando as Igrejas cristãs parecer um túmulo de Deus.
            A causa primeira para esta situação é a identificação com o Arquétipo que a data propõe celebrar. Apesar de o Arquétipo ser irrepresentável, suas ideias e imagens, porém, seduzem pela sua grandeza instintual, por isso mesmo, muito fácil de nos deixarmos ser absorvidos por ele, a ponto de se crer que não há distinção entre o humano e o divino, levando indivíduos a um autoconceito de importância acima do que se é, pois se vê como alguém abraçado, no caso do Natal, a uma pessoa e a uma causa, que lhe dão a chance de possuir uma “razão de ser” ou um “modo de ser”, crendo ser acessível somente aos “eleitos”. De acordo com C. G. Jung (1875-1961): “Psicologicamente, porém, como imagem do instinto, o arquétipo é um alvo espiritual para o qual tende toda a natureza do homem; é o mar em direção ao qual todos os rios percorrem seus acidentados caminhos; é o prêmio que o herói conquista em sua luta com o dragão” (A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 149).
Infelizmente, esta realidade é demonstrada pelo jornalista Arnaldo Jabor (1940-), quando afirma: “Um mundo opaco gerará uma fome pavorosa de transcendência. Haverá um ressurgimento das religiões e da fé, provocando grandes “Woodstocks” de absoluto, já visíveis hoje nos showmícios evangélicos e nos rituais fundamentalistas (...) – igrejas já são supermercados de esperança e vão virar partidos políticos” (A utopia da distopia. O Estado de São Paulo. 18.12.12, D10).
            Vivenciar o Arquétipo do Natal, “um menino nos nasceu, e o seu nome será Deus conosco...”, como uma sentença dogmática, um material lendário e fantasioso, e mais, modernamente, como um espetáculo midiático, é fazer coro a uma coletivização de uma fé que massifica o indivíduo, portanto, sem benefício algum, à vida pessoal.
            Todos nós estamos no presépio, e precisamos refletir quanto à afirmação de Johann Scheffler (1624-1667), poeta, místico, médico e teólogo alemão: “O ‘Deus te salve’ de Gabriel não traz nenhum bem, a não ser que essa saudação seja dita a mim também” (citado por Edward F. Edinger. O arquétipo cristão: um comentário junguiano sobre a vida de Cristo. São Paulo: Cultrix, 1990).
A festa do Natal só tem sentido para aqueles que rumam para o mar (inconsciente coletivo e pessoal), avança sobre os obstáculos a serem superados (sombra coletiva e pessoal) e, cotidianamente, luta contra o dragão (ego).

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