sábado, 4 de maio de 2013

Esperança ao alcoolista (2)


É necessário deixar claro que nem tudo está perdido para o alcoolista. Contudo, a possibilidade de resgatar a imagem de si mesmo, preservada em sua mente inconsciente que foi distorcida pelo uso e abuso do álcool e/ou de outras drogas, é uma tarefa que exige compromisso e responsabilidade bastante aguerridos em qualquer tipo de tratamento, pois, conforme C. G. Jung (1875-1961): “A mente inconsciente do homem vê corretamente mesmo quando a razão consciente é cega e impotente” (Resposta a Jó. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 28).
Dioniso, deus do vinho, propõe uma novidade na religião grega ao prometer que como divindade pode ser vivenciada dentro de nós mesmos, mais do que sentida. Quanto a esta experiência, segundo o filósofo alemão Walter F. Otto (1874-1954): “As manifestações primordiais do mito: o ato e a palavra, o rito e o mito em estrito senso, se inter-relacionam de modo que em um o homem se eleva ao divino, vive e opera com os deuses, e no outro o divino descende e se faz humano” (Teofania. São Paulo: Odysseus, 2006, p. 44).
Conforme alguns autores ressaltam, a inter-relação humana com os deuses e vice-versa, no caso o alcoolista e Dioniso, enquanto estrutura arquetípica atuante no inconsciente humano, ao prometer liberdade e alegria pelo uso do vinho (bebidas alcoólicas), ou ao oferecer “esquecimento” de tudo que a pessoa não aprecia em si mesma e/ou em sua vida, especialmente aquilo que a preocupa, a entristece, a deixa ansiosa ou triste, na verdade tem um propósito: revelar verdades profundas que não podem ser alcançadas pelo intelecto, mas que foram erroneamente reprimidas.
Para um desses autores, John Sanford (1929-2005): “A experiência dionisiana é a parte do processo de individuação no qual estruturas fixas e rígidas do ego são dissolvidas, possibilitando a emergência de novas energias do Eu” (Destino, amor e êxtase: a sabedoria das deusas gregas menos conhecidas. São Paulo: Paulus, 1999, p. 143). Para o psicólogo analítico cubano Rafael López-Pedraza (1920-2011): “As iniciações dionisíacas ocorrem ao longo de toda uma vida, a fim de propiciar, constantemente, o movimento psíquico” (Dioniso no exílio: sobre a repressão da emoção e do corpo. São Paulo: Paulus, 2002, p. 31). Talvez, por isso mesmo, na opinião de Otto: “Dioniso é o mais psiquiátrico dos deuses gregos”. Até mesmo Santo Agostinho (354-430), em Cidade de Deus (capítulo IV), faz uma consideração, no mínimo interessante, quanto ao fogo presente na cal virgem, que ao ser tocada revela-se fria, mas que conserva em si um fogo adormecido, que é aceso quando misturado à água, que a faz ferver, como que querendo nos dizer, que os deuses invisíveis estão prontos para nos “aquecer”, retirando-nos da “frieza” da vida.
Uma pessoa excessivamente fixa, com posturas racionalmente rígidas, aparentemente, corretas e apropriadas pode beneficiar-se profundamente, destravando a energia psíquica do desenvolvimento, de um Eu profundo, ainda inconsciente, mas desejoso de ganhar espaço na sua consciência, libertando-a, como espera alcançar com o uso ou abuso das drogas ou das bebidas alcoólicas, mas com consequências, normalmente, desastrosas. Na realidade, o alcoolista busca soltar-se, vivenciar novas energias, dinamizar, intensamente, a existência conforme as potencialidades psíquicas que o habitam por dentro.

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