domingo, 20 de outubro de 2013

Criança também sofre


            De repente, a criança muito bem-educada, calma em seus gestos e palavras, de modo geral quieta em seus comportamentos, generosa com seus irmãos, primos e colegas, cumpridora de seus deveres e obrigações domésticas e escolares, revela uma face “oculta” que confunde a cabeça de todos: fala palavrões que “nunca” se ouviu em casa, agride física e verbalmente a qualquer pessoa conhecida ou não, desobedece aos pais e professores, fica irrequieta perturbando a “paz” da casa, da escola, da igreja ou de onde estiver, perde a calma e se comporta de maneira estranha ao habitual.

Esta situação, naturalmente gera algumas questões: O que está acontecendo com ela? Com quem aprendeu tudo isto? Por que fez isto? Como agir nestas situações?

Se forem descartadas as possibilidades de ordem psíquica, hereditária (não em todos os casos) e de eventos traumatizantes (separações dos pais, morte de algum deles, acidentes físicos), é preciso olhar à volta. O meio ambiente e as influências dos pais certamente estão por trás destes eventos.

Conforme C. G. Jung (1875-1961), a criança pode apresentar dois tipos de personalidades: “Artificial, que imita tudo aquilo que acontece ao seu redor”, ou uma “personalidade dupla, por um lado são razoáveis e adaptadas, mas ao mesmo tempo existe alguém do outro lado que é completamente diferente” (Seminários sobre sonhos de crianças. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 262).

A criança com “personalidade artificial” pensa mais ou menos assim: É melhor ser e se comportar da mesma maneira como os meus pais e os outros são e fazem, porque é mais fácil, e não posso ser e me comportar à minha maneira senão não serei amado por ninguém.

Note que a adaptação social, neste caso, se dá com um mínimo de esforço. Se a criança sentir que “precisa” aprender outro jeito de ser e de fazer as coisas que ela não vê nos adultos à sua volta, logo preferirá seguir o movimento que encontra ao seu redor, por considerá-lo mais fácil. Para ela afirmar seu próprio modo de ser representará uma enorme dificuldade. Mas, à medida que cresce perceberá que há momentos em que terá de ser ela mesma, que não é possível mentir o tempo todo, especialmente quando for namorar ou se casar, se quiser ser sincero na relação íntima.

Enquanto que as crianças com “personalidade dupla”, se quiserem chamar atenção preferirão demonstrar aquilo que o meio ambiente aprova, elogia, prefere, seja de ordem intelectual ou emocional, conforme os talentos que possui.

Se os pais, a escola e/ou a igreja aprovam “alguns” comportamentos e desaprovam outros, a criança poderá apresentar um caráter totalmente oposto no lugar que achar mais conveniente. Mas, isto gera um grande sofrimento psíquico a ela, mas não sabe como expressá-lo. E mais: não podemos ser ingênuos em relação às crianças.
Para Jung, crianças bem-educadas podem desenvolver pensamentos extravagantes que pertencem ao lado desconhecido de suas personalidades, ou seja, quando querem obedecer aos pais, acontece algo que as atrapalha; se sabem que devem fazer a lição escolar, de repente, simplesmente a “vontade” desaparece; sabem que precisam se comportar bem na escola, mas não conseguem; sentem que não podem bater no primo e/ou na colega, mas batem assim mesmo, sem saber porquê, e sofrem por isso.

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